LEITURA RECOMENDADA

A água é um recurso que já não se pode desperdiçar

O equivalente a mais de 5.200 piscinas olímpicas de águas residuais sem tratamento é despejado diariamente no meio ambiente no Brasil.

Secas cada vez mais severas, desigualdades estruturais e perdas significativas nas redes de abastecimento têm caracterizado o cenário hídrico do Brasil. No entanto, a ALADYR ressalta o avanço acelerado na adoção da reutilização da água e da dessalinização como estratégias fundamentais para garantir a segurança hídrica.

Jorge Augello, representante no Brasil da Associação Latino-Americana de Dessalinização e Reúso de Água (ALADYR), analisa a situação hídrica do Brasil. Embora tenha demonstrado preocupação com os desafios existentes pelas deficiências no acesso à água potável e ao saneamento, ele reconhece que há avanços sendo feitos. No entanto, as secas recorrentes e as perdas na rede de distribuição ainda representam grandes obstáculos.

Augello acrescenta que, este é um momento decisivo para a transição rumo a um modelo hídrico sustentável. Entre os desafios da gestão, destaca que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 33 milhões de pessoas não têm acesso contínuo à água potável segura, enquanto mais de 49 milhões não dispõem de serviços adequados de coleta e tratamento de águas residuais. A essa situação soma-se a perda de 37,8% do volume de água produzido nos sistemas de abastecimento urbano, atribuída a deficiências estruturais, ligações clandestinas e submedição. Isso representa um volume anual suficiente para abastecer mais de 50 milhões de pessoas.

Efeito Seca

Além disso, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, até o final do ano passado, 58% do território nacional enfrentava os efeitos da pior seca. Registrada nos últimos 50 anos. Essa situação se manifesta não apenas na redução dos níveis dos rios e nas dificuldades de abastecimento para a população. Mas também nas exportações agrícolas, como o café, cujos preços internacionais hoje registram um aumento devido à escassez da oferta proveniente do mercado brasileiro.

Apesar deste panorama, Augello enfatiza, com otimismo, os avanços que têm feito o país quanto à incorporação do reúso de água e da dessalinização da água do mar à sua matriz hídrica. Ele considera que o ano de 2025 marca uma oportunidade para o posicionamento do país como o maior mercado latino-americano para as tecnologias de tratamento da região. Em termos de tratamento, citou investimentos previstos de mais de R$ 51,6 bilhões nos contratos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) apenas para os estados do Pará, Pernambuco e Rondônia.

A reúso da água, antes vista com desconfiança, ganha força no Brasil como uma solução inteligente para a escassez. Um exemplo notável é o Aquapolo Ambiental em São Paulo, uma iniciativa pioneira da Sabesp e da Iguá Saneamento. No qual, a água que já serviu à população recebe um tratamento avançado e é fornecida para as indústrias do Polo Petroquímico do Grande ABC. Essa ação não só alivia a pressão sobre os nossos mananciais de água potável. Também demonstra o potencial de parcerias entre o setor público e privado na busca por soluções sustentáveis.

Um país de contrastes

Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2022 indicam que, embora a cobertura de água potável alcança quase 90%, a coleta de águas residuais abrange apenas entre 56% e 62,3% da população. Apenas 52,2% de águas residuais coletadas recebe tratamento. Isso significa que, diariamente, o equivalente a mais de 5.200 piscinas olímpicas de águas residuais sem tratamento é despejado no meio ambiente.

‘É um recurso que já não se pode desperdiçar’, afirma a ALADYR.

Outros contrastes mais evidentes estão no fato de que, no Norte do país, apenas 46,4% da população tem acesso a um saneamento adequado — a menor proporção do país. Enquanto no Sudeste, esse percentual chega a 90,7%.

Os investimentos previstos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) encontram seu catalisador nas regulamentações aprovadas pelo Congresso que obrigam cidades e estados a garantir a cobertura total de água e esgoto até 2033. Além disso, a ALADYR acredita que existe uma arquitetura institucional orientada para as parcerias público-privadas. Há também uma crescente conscientização por parte de indústrias como siderurgia, petróleo e petroquímica, setores que já possuem histórias de sucesso de águas residuais tratadas para garantir sua operacionalidade diante da incerteza gerada pelas secas recorrentes.

A Associação admira o progresso do Brasil em termos de reúso e o coloca como um exemplo a seguir para o estabelecimento de sinergias. Entre necessidades urbanas, vontade política e interesse privado, como demonstra a experiência da AQUAPOLO.

No entanto, alertam que persistem desafios estruturais, como a falta de políticas públicas de incentivo e marcos regulatórios estandardizados. Além disso, falta uma cultura cidadã que valoriza o reúso da água como elemento de segurança e sustentabilidade.

Reciclagem de água industrial

A ALADYR destaca que acompanha de perto os principais projetos em desenvolvimento no Brasil, mencionando o projeto de Itaboraí, no Rio de Janeiro — liderado pela Aegea e pela Petrobras — como um dos marcos do modelo brasileiro. A planta, destinada a abastecer o polo petroquímico de Gaslub, substituirá o uso de água potável por água residual tratada, com economia equivalente ao consumo de 600 mil pessoas. Esse tipo de adaptação também é proposto para os polos Duque de Caxias e Itaboraí, onde atualmente são utilizadas mais de 1.300 l/s de água captada do rio Guandú e da represa de Saracuruna, volumes que poderiam ser substituídos por meio de soluções de reúso com estações já existentes.

Outra das iniciativas que mais chama a atenção é o projeto Águas de Reúso de Vitória, desenvolvido pelo consórcio GS Inima Brasil – TuboMills, com a participação da Companhia Espírito Santense de Saneamento (CESAN) e da empresa ArcelorMittal como cliente âncora. O projeto marca o primeiro leilão de subconcessão de água de reúso realizado na bolsa de valores brasileira (B3). Desponta como referência nacional por seu modelo de governança, sua escala e seu nível tecnológico.

Jorge Augello

“Estamos enfrentando uma mudança de paradigma! Pela primeira vez, as empresas competiram em um leilão não por um recurso natural, mas pelo direito de usar águas residuais como matéria-prima. Isso transforma completamente a lógica dos serviços de água no país”, declarou Augello.

A planta tratará 450 litros por segundo (l/s) de águas residuais proveniente da Bacia de Camburi – que compreende cinco bairros das cidades de Vitória e Serra – para produzir 360 l/s de água de alta qualidade destinada ao uso industrial. Espera-se que inicie as operações no primeiro trimestre de 2027. O sistema incorpora biorreatores de membrana (MBR), remoção de nitrogênio e fósforo e osmose reversa de duplo estágio. São tecnologias que garantem uma qualidade inédita no país.

O projeto também contempla a desativação da Estação de Tratamento de Efluentes de Camburi, localizada em área privilegiada da capital. Essa medida liberará terrenos urbanos e otimizará a infraestrutura sanitária existente.

Dessalinização diante da escassez no Nordeste

A ALADYR também acompanha de perto o que considera um dos mais importantes projetos de dessalinização para consumo na região e sustenta que, depois de superar obstáculos e avançar, se tornará o modelo a ser replicado em todo o nordeste brasileiro. O projeto Águas de Fortaleza prevê a construção de uma planta de dessalinização de água do mar com capacidade de produção de 1.000 litros por segundo. Isso o posiciona como um dos maiores da América Latina.

” Representa uma porta de entrada para a aplicação potável da dessalinização no Brasil”, afirma seu representante.

Também no Espírito Santo, tem anunciada uma planta de dessalinização de 1.216 l/s para abastecer mais de 550.000 habitantes na região metropolitana da Grande Vitória. A estrutura atenderá, inclusive, os municípios de Anchieta e Aracruz.

A capacidade do Brasil de consolidar esses avanços dependerá do fortalecimento institucional, da incorporação de padrões internacionais, da criação de incentivos fiscais e tarifários. Também dependerá da replicação de modelos como o de Vitória em outras regiões. Os especialistas da ALADYR concordam que 2025 será o ano em que o país deixará de ser uma promessa e se tornará um ator consolidado no mapa da sustentabilidade hídrica mundial.

‘O país está em um ponto de inflexão entre a escassez e a segurança hídrica’, afirma Augello.

Fonte: Aladyr


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Mais sobre este autor:

Fundada em 30 de novembro de 2010, no âmbito do II Seminário Internacional de Dessalinização na cidade de Antofagasta, Chile. A AADYR é uma associação sem fins lucrativos que promove conhecimentos oportunos e experiências em torno de tecnologias de dessalinização, reuso de água e tratamento de efluentes, a fim de otimizar a gestão hídrica na América Latina e garantir o acesso à água potável dentro de padrões de qualidade, eficiência, sustentabilidade, desenvolvimento econômico e futuro social.

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