Pesquisa alerta sobre aumento de acidentes com esses peixes em rios paulistas
Arraias aproveitaram o lago de Itaipu para proliferar e ocupar outros ambientes. A invasão preocupa estudiosos que tentam desvendar a ecologia dessas espécies antes restritas à bacia Paraná-Paraguai. As Sete Quedas de Guaíra, submersas em 1982, serviam como barreira natural a impedir que subissem o rio. Uma grande área no Paraná foi inundada para formar o reservatório da usina, por onde esses parentes dos tubarões encontraram e colonizaram uma região que desconhecia sua existência.
As arraias surgiram no Alto Rio Paraná em 1993. Apesar de não atacarem as pessoas, reagem com uma chicotada da cauda, onde fica o ferrão, quando alguém pisa ou esbarra nelas. Não há estatística sobre os acidentes, mas eles vêm crescendo, alertam os pesquisadores Vidal Haddad Junior, dermatologista da Faculdade de Medicina da Unesp, e Domingos Garrone Neto, biólogo que faz o pós-doutorado na área.
“O ferrão é retrosserrilhado, entra e sai rasgando a pele. Ele é recoberto por um muco rico em células glandulares que têm toxinas”, explica o biólogo. Em caso de acidente, o recomendável é jogar água quente.
“A descoberta de que isso funciona é um dos resultados do trabalho na região. A água quente faz uma vasodilatação, por isso ajuda e alivia a dor”, informa o dermatologista.
“O Rio Paraná está coalhado de arraias e os pescadores, por causa dos acidentes, têm preconceito e não comem sua carne. A tendência é que essa expansão continue”, diz Haddad.
Há dez anos o médico ouve relatos sobre a ocorrência de arraias em cidades com praias fluviais no Rio Paraná.
“Fiz coletas e alertei, em 1999, que a expansão continuaria por São Paulo, entrando pelo Rio Tietê, e é o que está acontecendo agora”.
Os pesquisadores visitam Três Lagoas (MS) para monitorar a população de arraias e o impacto que essa invasão biológica tem na saúde humana. Garrone investiga a ecologia desses peixes e a história natural de sua expansão. Haddad trabalha com educação ambiental, prevenção, tratamento e pesquisas em torno do veneno.
A Universidade Federal do Mato Grosso do Sul apoia a dupla nas pesquisas de campo e na logística de laboratórios na cidade. Domingos passou horas submerso ao longo de cinco anos, para conhecer os hábitos do animal e informar sobre como se prevenir.
Ele dividiu um dia em vários. No primeiro, mergulhava das 5h às 8h e depois das 16h às 20h. No dia seguinte, ficava das 9h ao meio-dia, e das 21h à meia-noite. “As arraias passam quase todo o tempo em associação com o substrato. Ficam escondidas, só com os olhinhos para fora. É aí que mora o perigo.
Como o animal confia demais na camuflagem, acaba sendo pisoteado. Ele ferroa e vai embora. Não ataca ninguém, é defesa”. Garrone começou em 2004 os estudos para descobrir como elas se reproduzem e se alimentam. Parte das questões foi elucidada com os mergulhos, coletas e análises de conteúdo estomacal, mas algumas respostas dependem da inserção de chips nas arraias para acompanhar sua locomoção.
“Não sabemos quanto tempo as arraias vivem, quanto podem se deslocar e com qual velocidade. Esses dados podem trazer dicas de como controlá-las, porque uma ferroada dessas é de perder a noção de dor”, diz.
Ajuda de eclusas
Há milhões de anos, arraias marinhas do Caribe se adaptaram para viver nos rios da Amazônia. De onde alcançaram o Pantanal e desceram até a bacia Paraná-Paraguai, onde estavam restritas. Agora, pelo Rio Paraná, chegaram a Ilha Solteira, a mais de 350 km do ponto inicial de dispersão (Foz do Iguaçu) e colonizaram os rios Paranapanema e Tietê.
Foz do Iguaçu registrava 113 espécies de peixes; depois do lago 76 novas espécies surgiram, incluindo três de arraias, segundo estudo feito à época pela usina. Não houve monitoramento posterior. Para chegar tão longe rio acima e tributários, as arraias tiveram ajuda das usinas de Porto Primavera e suas eclusas para o transporte hidroviário.
A navegação pelo Tietê permite que avancem para o centro do Estado de São Paulo. O que deve ocorrer acima de Ilha Solteira, onde as arraias já chegaram? “A usina não tem eclusa, então, em teoria, é o fi m da linha”, diz Garrone. Mas há uma brecha. As turbinas ligadas sugam os animais no rio. Periodicamente os funcionários ‘salvam’ os que ficaram presos nelas. “Alguém pode jogar uma arraia ou outra para cima, em vez de para baixo, favorecendo a transposição da barragem”, comenta. Este é o único caso conhecido no mundo de arraias que chegaram a um lugar onde não ocorriam originalmente.
“Com a presença das arraias em áreas densamente povoadas e ampliando sua área de distribuição a cada ano, é de se esperar que sua interação negativa com humanos se intensifique, provocando alterações no perfil epidemiológico dos acidentes por animais peçonhentos no Sudeste brasileiro”.
Fonte: Revista H2OBrasil – http://issuu.com/revistah2obrasil/docs/revista__h2o_brasil_6__edi__o#download