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Sustentabilidade em obras de Aracaju

Este texto tem como objetivo avaliar a sustentabilidade, considerando-se as dimensões econômicas, sociais e ambientais de uma obra de condomínio vertical, com fins residenciais, em alvenaria estrutural, tipologia executada com frequencia em Aracaju para o público com renda de até cinco salários mínimos, pelos diversos tipos de financiamento da Caixa Econômica Federal.

O levantamento de informações foi realizado pelo acompanhamento da obra no período de janeiro de 2007 a janeiro de 2008; entrevistas semiestruturadas; e observações simples e sistemáticas, com o uso de formulários. A análise e interpretação dos resultados de ações sustentáveis desenvolvidas no empreendimento foram feitas por meio da comparação das informações levantadas na obra com as pesquisadas na literatura.

Obra sustentável

Baseado nas sugestões de Cardoso (2006) para avaliação de sustentabilidade de edifícios, as recomendações analisadas neste trabalho para execução de obra sustentável adotam os critérios ambientais, sociais e gerenciais. Observa-se, no entanto, que as diretrizes gerenciais estão fortemente ligadas às outras duas, sendo o suporte para que as ações planejadas sejam realizadas e acompanhadas.

Patrícia Menezes Carvalho

Msc. em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Sergipep_[email protected]

 

José Daltro Filho

Dr. em Hidráulica/Saneamento, Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Sergipe
[email protected]

 

Débora de Góis Santos

Dra. em Engenharia de Produção, Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Sergipe
[email protected]

 

As recomendações ambientais para o processo produtivo desenvolvido no canteiro de obra estão baseadas nos três R’s: reduzir, reutilizar e reciclar. Como preocupações ambientais quanto ao canteiro de obra, podem ser citados redução da geração de resíduos do canteiro, gerenciamento dos resíduos do canteiro, valorização da reciclagem e reúso, limitação dos incômodos e poluições causadas pelo canteiro, bem como limitação do consumo de recursos demandados (água e energia) (Cardoso, 2006). O planejamento da obra e a redução de perdas de materiais também são fatores imprescindíveis para a redução dos impactos ambientais do canteiro de obra.

Para a minimização dos impactos sociais do canteiro de obra, algumas ações são previstas, como: melhoria das condições de hospedagem e alimentação nos canteiros de obras, segurança do trabalho e treinamento dos trabalhadores (Moretti, 2005); reparação imediata de danos causados ao bem comum, como calçadas e vias de circulação de veículos; cuidados para evitar a perfuração de redes enterradas e para impedir que as rodas de máquinas e equipamentos sujem as vias externas; fornecimento de equipamentos de proteção adequados ao trabalhador; e busca pela diminuição de incômodos à vizinhança por ruídos, vibrações e poluição do ar (Araújo & Cardoso, 2007).

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As preocupações gerenciais no canteiro de obra podem ser tratadas com a criação de instrumentos gerenciais que minimizem os impactos ambientais, sociais, bem como econômicos (Cardoso, 2006). Assim, são escolhidos critérios de sustentabilidade que devem ser alcançados pela implementação de ferramentas de gestão.

O SGQ (Sistema de Gestão pela Qualidade), com base nos requisitos do PBQP-H (Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade no Habitat) e da NBR ISO 9001, bem como o gerenciamento de resíduos, também podem ser disseminadores das ações sustentáveis no canteiro de obra.

Características das empresas e obras pesquisadas

O empreendimento pesquisado é composto por 24 prédios, com quatro pavimentos e 16 apartamentos cada, além de salão de festas, parque infantil, quadra de esportes, casa de lixo, guarita, vagas de garagem, estacionamento para visitantes e infraestrutura interna completa, totalizando uma área construída de 23.290,47 m2, tendo sido construído por duas empresas construtoras, com canteiros independentes (Carvalho, 2008).

As principais características das empresas, denominadas pelas letras “A” e “B”, estão apresentadas no quadro 1.

Os processos produtivos desenvolvidos nos canteiros de obras, de acordo com as etapas da obra, e os principais materiais especificados e empregados na execução da obra são descritos no quadro 2.

Redução, reutilização e reciclagem de RCC nos dois canteiros de obras pesquisados

O projeto de gerenciamento de resíduos da construção civil (PGRCC) foi elaborado, de acordo com a Resolução Conama 307/02 (Brasil, 2002), para todo o empreendimento e apresentado à Adema (Administração Estadual do Meio Ambiente). (figuras 1 a 4.)

Elaboração de procedimento de execução de serviço, cuidados na seleção de pessoal para a obra, treinamento dos envolvidos, e acompanhamento dos serviços, por meio de formulário de verificação de serviço, foram as ações citadas pelas empresas para a não geração e redução da geração de RCC. Além dessas iniciativas, verificou-se que uso de escoramento metálico; uso de bisnaga para argamassa na execução da alvenaria; uso de bloco com furação vertical permitindo a passagem de tubulação; cuidados com o armazenamento dos materiais; e recebimento de aço já cortado e dobrado também contribuíram.

Observou-se que as ferramentas utilizadas serviram para a elaboração do cronograma físico-financeiro e para o acompanhamento de faturas, não cumprindo seu papel de planejar a programação de serviços, de forma que respeitasse as antecedências e precedências de atividades. Tal fato pode ser exemplificado pelas eventuais faltas de material na obra (bloco cerâmico, gesso e placa de revestimento cerâmico) e pela execução de revestimento interno em gesso nos apartamentos, sem ter sido realizado o chapisco externo e a cobertura do prédio, provocando infiltração e a necessidade de realização de retrabalho, resultando em perdas de material.

O SGQ não foi efetivamente aplicado no canteiro “B” e, no “A”, o mesmo foi implementado, contribuindo para o controle de materiais e serviços, porém ainda não foi realizado de forma sistêmica. Essas carências de planejamento e de efetivação do SGQ contribuíram para os resultados dos índices de geração de resíduo por metro quadrado, apresentados na tabela 1.

Esses valores também podem ser comparados com o adotado por Pinto (1999), de 150 kg/m2 para edificações executadas por processos convencionais, com os valores levantados por Pucci (2006), em duas obras da mesma construtora, executadas em São Paulo, sendo prédios residenciais multifamiliares de alto padrão, um, com 20 pavimentos (5.453 m2), aplicando plano de gestão de resíduos, gerou 156,70 kg/m2 e o outro, com 16 pavimentos (4.307 m2), sem aplicar a gestão de resíduos, gerou 238,50 kg/m2. A comparação faz-se também com os levantamentos de Silva & Simões (2007) em três canteiros de obra de pequeno porte, no setor comercial, industrial e de reforma, onde foram implantadas as recomendações da Resolução Conama, obtendo 95,20 kg/m2, 100,50 kg/m2 e 684,00 kg/m2, respectivamente.

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A reutilização de RCC, acompanhada durante a execução da obra pesquisada, foi referente a fôrmas de madeira para as lajes dos diversos blocos; uso do resíduo classe A como aterro das vias do condomínio, apesar da necessidade de retirada de parte desse material quando do nivelamento das vias para a pavimentação; reutilização de material proveniente de escavação; reutilização de placas cerâmicas para marcação do nível de revestimento; reutilização de embalagens de tinta, saco de cimento e pó de serra para a vedação de fôrma e passagem de tubulações, respectivamente, na execução de lajes; reutilização de saco de cimento também para armazenamento de peças pré-moldadas nas obras; sacaria em geral (cimento e gesso). Madeira e pó de serra segregados apenas no canteiro da empresa “A” foram reutilizados como fonte energética nos fornos de uma cerâmica.

A reciclagem de RCC, que foi verificada, refere-se aos resíduos de papelão, plástico e metal, que foram segregados apenas no canteiro da empresa “A” e doados à Care (Cooperativa dos Agentes Autônomos de Reciclagem de Aracaju).

O volume de resíduos classe B, provenientes do canteiro “A”, reutilizado ou reciclado foi de 31.101,30 kg, de um total de 2.811.950,90 kg de resíduos gerados, sendo, portanto, 1,11% do resíduo gerado no canteiro “A” destinado para reutilização ou reciclagem. Esse valor é inferior ao de 6,9% apresentado por Daltro Filho et al. (2005) como o percentual de resíduo classe B gerado em canteiros de obras de empresa de médio porte em Aracaju.

Foi verificado que o baixo índice de reutilização e reciclagem externas aponta para o desperdício da oportunidade de contribuição dos canteiros “A” e “B” com a melhoria ambiental da cidade.

Sendo assim, constatou-se que a elaboração do PGRCC pouco contribuiu para a não geração, redução da geração e reutilização de resíduos nos canteiros de obras pesquisados. Com relação à reciclagem, o PGRCC trouxe informações que foram seguidas pelo canteiro “A”.

Sustentabilidade da obra pesquisada

Com relação à fase inicial, cita-se a característica positiva de localização com infraestrutura, porém precisa ser avaliado o benefício da diminuição do valor da taxa de condomínio à custa do elevado número de edifícios que foi implantado, inclusive fora do padrão normal da Caixa de 12 blocos. Há de se considerar, também, a realização do trabalho social promovido pela Caixa com os futuros condôminos, preparando-os para a convivência em grupo, podendo gerar uma melhor qualidade de vida dos usuários. Outro fator a ser ressaltado é a impossibilidade de adaptação futura de layout, uma vez que as paredes dos apartamentos fazem parte da estrutura do prédio, não podendo ser modificadas.

Além disso, o projeto arquitetônico precisa atender às exigências internas da Caixa e da legislação municipal. Com relação ao uso eficiente de energia, foram citadas pela arquiteta e pelas construtoras ações implementadas, como aproveitamento máximo da iluminação e ventilação naturais e uso de cores claras nas fachadas. Para o uso eficiente da água, as iniciativas mais significativas foram o uso de medidor individual de água, apesar de o gás ser único para cada três prédios, e a disponibilização de poço artesiano com bomba para regar gramas e árvores.

A qualidade ambiental, interna e externa, foi promovida pela elaboração de projeto de paisagismo, sendo exigido pela Caixa o índice de uma árvore para cada seis unidades habitacionais e grama na parte frontal dos prédios; previsão de local para a coleta seletiva a ser efetivada pelos usuários; elaboração do projeto de gerenciamento de RCC; previsão de áreas comuns, como quadra de esportes, salão de festas e parque infantil; promoção de segurança por guarita e cerca elétrica; previsão de rampas e banheiro para deficientes nas áreas de uso comum e vagas de garagem para visitantes; opções de planta com dois ou três quartos; e entrega do Manual do Proprietário.

Para a fase de execução da obra, as recomendações ambientais de reduzir, reutilizar e reciclar, além das ligadas ao gerenciamento de RCC, já apresentadas, ressaltam que as empresas pesquisadas não possuem objetivos estratégicos ou projetos específicos para inclusão de critérios de sustentabilidade na execução de suas obras e na gestão dos canteiros de obras.

As ações sociais que podem contribuir para a sustentabilidade das obras, citadas pelas empresas, foram: preferência pela contratação de serviços e materiais a fornecedores formais; uso de cadastro das concessionárias para evitar a perfuração de redes existentes; execução dos serviços mais incômodos durante o horário normal de trabalho, apesar de não terem sido desenvolvidas ações mais efetivas para a diminuição do incômodo à vizinhança; cuidados e atendimento à legislação sobre segurança do trabalho e desenvolvimento de treinamentos, sendo esse último aspecto mais desenvolvido e estruturado no canteiro “A”.

A comparação das ações, levantadas na literatura e as efetivadas no empreendimento pesquisado mostra que muito ficou por se fazer para a conquista da construção sustentável, apesar de os dois empresários e a arquiteta ratificarem a ideia de existência de mercado para esse tipo de obra. Na visão deles, o caminho para a sustentabilidade na construção popular passa pelo dever de não repassar para o cliente o aumento do custo da obra sustentável. Isso pode ser conseguido por subsídios temporários do Governo Federal, de forma que os materiais e produtos sustentáveis comecem a ser produzidos em série e tenham condições de se adequarem ao preço daqueles usados atualmente.

Conclusão

Para os dois canteiros de obras pesquisados em Aracaju, desenvolvidos por empresas de médio porte e possuidoras de certificação de sistema de gestão pela qualidade, PBQP-H, verificouse que a elaboração do projeto de gerenciamento de RCC da obra e a existência do SGQ nas empresas não foram suficientes para atender às exigências da Resolução Conama 307/02 e aos critérios ambientais da sustentabilidade.

Os canteiros pesquisados geraram RCC em excesso numa cidade com opções restritas de destinação, reforçando a conclusão da contribuição dos canteiros pesquisados para existência de bota-fora e aterros sem autorização.

Em suma, pode-se concluir que os canteiros pesquisados não atenderam aos critérios ambientais, sociais e gerenciais de sustentabilidade e que o caminho para que se alcance esse objetivo, em Aracaju, ainda é longo, sendo necessárias ações integradas dos envolvidos com o setor produtivo, sociedade, setor público e de pesquisa.

FONTE: http://www.revistatechne.com.br

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