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Tratamento combinado de lixiviado em esgoto: avaliação da atividade estrogênica residual

Resumo

O lixiviado proveniente da decomposição dos resíduos sólidos dos aterros sanitários contém diversas substâncias tóxicas que podem ocasionar malefícios à saúde humana e ao meio ambiente. Além disso, seu tratamento pode ser difícil e oneroso e, por isso, o tratamento combinado com esgoto sanitário tem se tornado uma solução para o tratamento do lixiviado. Dentre as substâncias tóxicas encontradas não somente no lixiviado, mas também no esgoto sanitário e ainda em outras matrizes ambientais, estão os desreguladores endócrinos que têm a capacidade de desregular o sistema endócrino de animais e seres humanos. Entretanto, os sistemas de tratamento de efluentes atualmente utilizados, em sua maioria, não objetivam a remoção dos desreguladores endócrinos e estudos devem ser realizados a fim de um maior aprofundamento sobre o assunto.

Introdução

Anualmente milhares de toneladas de resíduos sólidos são geradas em todo o mundo, provenientes de diversas origens, como por exemplo, domésticos, públicos, de serviços de saúde, industriais, construções civis e etc. A disposição destes resíduos exige cuidados específicos, uma vez que no processo de decomposição dos resíduos sólidos ocorre a liberação de lixiviado e é necessário um controle deste, de modo a evitar sua percolação no solo e, consequentemente, a contaminação de águas superficiais e subterrâneas.

Os aterros sanitários são sistemas de disposição final de resíduos bastante utilizados no país e no mundo. Contudo, o lixiviado contém em sua composição uma diversidade de substâncias tóxicas e altamente poluentes, tornando seu tratamento complicado e oneroso.

Deste modo, a fim de solucionar a dificuldade de tratamento do lixiviado, uma alternativa encontrada foi misturar parte do volume do lixiviado ao esgoto sanitário para tratamento em Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs). Esta medida é conhecida como tratamento combinado (ou cotratamento).

O tratamento combinado de lixiviado de aterro sanitário em esgoto doméstico consiste na mistura de parte do primeiro no segundo em proporções volumétricas (%v/v) ideais para que a eficiência do tratamento alcance os padrões exigidos para descarte. Embora necessite de maiores estudos no ponto de vista operacional e em relação a proporção lixiviado/esgoto, vem surgindo como uma alternativa viável para dar destino ao lixiviado produzido nos aterros (NASCENTES, 2013). Além disso, encaminhar o lixiviado para o tratamento combinado tem se mostrado uma solução interessante do ponto de vista operacional e econômico e tem sido adotada por muitos países, inclusive no Brasil (MANNARINO, 2010).

Segundo Mannarino (2010), a eficiência do tratamento combinado reside no estabelecimento de faixas de cargas orgânicas e nitrogênios provenientes do lixiviado a ser misturado com esgoto doméstico. Devido à variabilidade dos lixiviados entre os diferentes aterros, o percentual em volume de lixiviado a ser recebido em ETE pode variar.

Com o avanço tecnológico e o crescimento de estudos voltados à qualidade ambiental, a cada dia detectam-se diferentes substâncias nocivas que são eliminadas no meio ambiente, sem que haja prévio tratamento. Assim, o descarte de efluentes, sejam in natura ou tratados, são os principais meios de contaminação da água e solo, podendo ser devido à falta de infraestrutura das plantas que a produzem ou pela ineficiência (tecnológica e/ou operacional) das estações de tratamento (SCHIAVINI et. al., 2011).

A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (US Environmental Protection Agency – U.S. EPA) divulgou em 2015 uma lista de compostos candidatos a contaminantes do corpo d’água para consumo humano. Dentre elas, estão o 17β-estradiol (E2), o Estriol (E3), a Estrona (E1) e o 17α-etinilestradiol (EE2), estrogênios encontrados normalmente em fármacos (U. S. EPA, 2015). Estas e uma diversidade de outras substâncias podem atuar como desreguladores endócrinos.

Os desreguladores endócrinos (DE) são compostos que podem afetar negativamente o funcionamento do sistema endócrino dos seres vivos, crescimento e reprodução, além de evolução de doenças como câncer, distúrbios de fertilidade, desenvolvimento sexual anormal e etc. Ainda não são totalmente conhecidos os mecanismos que levam essas substâncias a atuar na desregulação do sistema endócrino de animais e dos seres humanos. Entretanto, sabe-se que os DEs interagem com os receptores hormonais, modificando suas respostas (FILALI-MEKNASSI et al., 2004). Substâncias que possuem atividade estrogênica podem atuar na desregulação do sistema endócrino de animais e dos seres humanos. Os DEs podem ser encontrados em diferentes matrizes ambientais, tais como água potável e superficial, esgoto bruto e tratado, lixiviado, lodo biológico e sedimentos.

Embora muitos estudos sejam realizados sobre os DEs, pouco é levantado sobre a que concentração essas substâncias se tornam nocivas, uma vez que são frequentemente descartadas em diversas matrizes (GUITART e READMAN, 2010; SCHNEIDER, 2015). Chang et. al. (2009) apresentaram um estudo sobre a presença de hormônios em rios urbanos de Beijing (China), as contribuições para as contaminações dos desreguladores endócrinos foram de 62,7% de hormônios provenientes de esgotos lançados in natura, 29,4% de esgotos sanitários e 7,9% de fontes desconhecidas (de provável origem da indústria farmacêutica). Foram utilizadas 45 amostras de rios e a concentração máxima de estrogênios detectada foi de 9,8 ng/L.

Nos lixiviados, estudos mostram que a quantidade de substâncias que apresentam atividade estrogênica pode ser elevada. Gong et. al. (2014) estudaram cinco xenoestrogênios: 4-t-octilfenol (4-t-OP), Bisfenol A (BPA), dietil ftalato (DEP), di-n-butil ftalato (DnBP), e dietil-hexil ftalato (DEHP) em amostras de lixiviado de aterros sanitários na China, foram encontradas concentrações médias de 6153 ng/L, 3642 ng/L, 2139 ng/L, 5900 ng/L, e 9422 ng/L, respectivamente. Desta forma, é essencial a detecção e tratamento dos desreguladores endócrinos, de maneira a garantir a qualidade ambiental e evitar danos a saúde humana e de outros animais.

As ETEs não foram projetadas para tratar e monitorar os desreguladores endócrinos, especificamente. Portanto, esses, por muitas vezes, são removidos parcialmente do efluente final e acabam sendo incorporados no ecossistema quando são descartados (SCHNEIDER, 2015).

Entretanto, segundo levantamentos da literatura relatados por Coors et. al. (2003), resultados apresentados em estudos de diferentes países mostram que ETE que empregam o tratamento biológico por lodos ativados, um dos mais utilizados, apresentam eficiência de remoção diferente entre os DEs. O tratamento biológico por lodos ativados é um dos processos mais investigados no que diz respeito à remoção desses compostos.

Diante do cenário apresentado, observa-se a importância de se investigar a eficiência de remoção desses compostos no tratamento combinado de lixiviado no esgoto, de modo a observar a presença de atividade estrogênica no efluente tratado.

A combinação de métodos de ensaios químicos e bioensaios permitem uma identificação completa desses compostos. O Yeast Estrogem Screen, YES, é um dos bioensaios in vitro mais utilizados para identificar e quantificar substâncias que apresentam atividade estrogênica presentes em diversas matrizes. Esta ferramenta se mostra prática, relativamente barata e fornece resultados satisfatórios ao que se propõe (BECK et. al., 2006; DIAS et. al., 2015).

A cromatografia é um dos vários métodos de análise química, dentre elas tais, pode-se citar a cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE). Elas têm sido desenvolvidas para identificar e quantificar DE em matrizes ambientais. Com base em diversas combinações de instrumentos e detectores, os resultados analíticos podem proporcionar excelentes informações quantitativas de um ou mais compostos alvos do estudo (GONG et. al., 2014).

O objetivo deste trabalho é avaliar a presença de desreguladores endócrinos que conferem atividade estrogênica, os estrogênios naturais 17β-estradiol (E2) e estriol (E3) e o estrogênio sintético 17α-etinilestradiol (EE2), no tratamento combinado de lixiviado de aterro sanitário com esgoto doméstico. Desta forma, é avaliado o tratamento biológico de lodos ativados em regime de batelada quanto aos parâmetros físico-químicos, bem como a biodegradação dos compostos estrogênicos e a remoção da atividade estrogênica no tratamento combinado com diferentes porcentagens (1; 2,5 e 5%) de lixiviado na mistura de esgoto doméstico.

Autores: Camila Pesci Pereira; Tainá Pereira; Juacyara Carbonelli Campos e Daniele Maia Bila.

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