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Por que o Rio Grande do Sul é tão vulnerável aos extremos do clima?

Em três décadas, estado sofreu cerca de 65 bilhões de reais em prejuízos pelo clima inclemente, recorde no Brasil

O desastre que se abate sobre Porto Alegre e a quase totalidade do Rio Grande do Sul já entrou para a história do Brasil como um dos mais graves já enfrentados pelo país.

Em 10 dias, o equivalente a um ano de chuva desabou sobre o estado, causando uma situação de colapso social.

O novo cataclisma climático acontece pouco tempo depois de outros desastres traumatizarem a população gaúcha.

As chuvas já causaram ao menos 85 mortes, 111 desaparecidos e 121.000 desalojados, números considerados sem precedentes.

Em setembro, o Rio Grande do Sul já havia enfrentado enxurradas consideradas sem precedentes, situação que aconteceria pouco tempo depois, em novembro.

Essa repetição, afirmam especialistas, acontece porque o Rio Grande do Sul é extremamente vulnerável aos extremos do clima, cada vez mais frequentes graças ao aquecimento global.

De acordo com levantamento do Atlas Digital de Desastres no Brasil, que serve como base de dados oficial do Brasil para esse tipo de informação, o Rio Grande do Sul é o segundo estado com mais registro de catástrofes do clima nos últimos 30 anos. Em primeiro está Minas Gerais, e em terceiro, Santa Catarina.

A pesquisa considera considera como situações extremas os registros de temporal, vendaval, granizo, enxurrada, inundação, alagamento, seca e estiagem. Os dados apontam que, entre  1991 e 2022, o estado enfrentou 7 565 desastres registrados.

Esse total representa assim 12% de todas ocorrências no Brasil durante o período. Esses números utilizam dados da Defesa Civil Nacional, que reconhece 65 tipos de eventos segundo a Classificação e Codificação Brasileira de Desastres (Cobrade).

Rio Grande do Sul na dianteira

Já quando considerados os prejuízos impostos pelo clima, o Rio Grande do Sul assume assim a dianteira.

Somados os custos públicos e privados impostos por desastres entre 1994 e 2022, foram então R$ 64,6 bilhões em prejuízos.

Desta quantia, R$ 63,1 bilhões são privados e R$ 1,4 bilhão é dinheiro público, segundo o levantamento do Atlas Digital.

De acordo com meteorologistas, tamanha instabilidade climática acontece porque o RS enfrenta com frequência choques de massas de ar quente e frio, o que favorece a formação de eventos meteorológicos intensos.

Esses choques estão cada vez mais intensos graças ao efeito estufa. Para se ter ideia, a massa de ar quente que cobre que bloqueia a atmosfera e impede a dispersão das chuvas está 5 graus acima do normal para esta época do ano.

Segundo climatologistas, modelos matemáticos apontam que o Rio Grande do Sul experimenta tendência de aumento da precipitação média anual e da precipitação extrema, ou seja, quando acontecem chuvas concentradas e torrenciais.

De acordo com pesquisa realizada pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), órgão que pertence ao Ministério da Ciência e Tecnologia,  essa mudança no clima gaúcho teve início há seis décadas, ou seja, está longe de ser novidade para estudiosos e autoridades.

Ainda de acordo com o Cemaden, o Rio Grande do Sul é o quarto estado com mais cidades sob risco de catástrofes naturais. Em primeiro está Minas Gerais, seguida por Santa Catarina.

Em outubro de 2023, outro levantamento, este feito então pelo governo federal, mapeou 142 municípios gaúchos vulneráveis a desastres. O estudo incluiu a capital, Porto Alegre.

Pesquisa apontava que 313 000 pessoas estavam em áreas de risco

Essa pesquisa publicada pelo governo federal estimava, com base na população dessas cidades, que 313 000 pessoas estavam em áreas de risco.

Para se ter uma ideia do tamanho do desastre que o Rio Grande do Sul enfrenta, a Defesa Civil afirma que quase 1 milhão de pessoas foram atingidas pelas enchentes, o triplo do número levantado pelo governo federal.

Em outro relatório, este publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, fica clara a projeção de aumento de episódios de precipitação intensa para a região sudeste da América do Sul, que compreende justamente o estado do Rio Grande do Sul.

“Não há dúvida que esse aumento de enchentes, essas chuvas muito torrenciais, são associadas com as mudanças climáticas e a aceleração dessas mudanças no nosso planeta”, afirma o cientista Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP).

Para piorar, o Rio Grande do Sul também se encontra numa faixa que costuma ser duramente atingida pelo El Niño, e a La Niña.

Os dois fenômenos são naturais.

O El Niño, que está em atividade no momento, consiste no aquecimento das águas superficiais do Oceano Pacífico próximo à costa do Peru.Ele costuma desencadear chuvas torrenciais sobre o Sul e o Sudeste brasileiros.

Já a La Niña, que deve ter início até o fim do ano, acontece quando há resfriamento das águas do Pacífico, e provoca estiagem no Sul e maior incidência de geadas.

Temperatura média do globo bate recorde

De acordo com o Relatório do Estado do Clima Global, publicado em março pela Organização Meteorológica Mundial (WMO), a temperatura média global em 2023 ficou 1,45°C mais quente, comparada aos níveis pré-industriais.

É muito próximo do limite de 1,5°C estabelecido pelo Acordo de Paris e considerado um limite seguro para evitar um colapso do clima global.

No ano passado, o planeta quebrou todos os recordes dos indicadores climáticos, com oceanos e atmosfera superaquecidos.

Esse calor excessivo, como se sabe, fornece energia para formação de tempestades, como a que se vê no Sul, e a multiplicação de tormentas mundo afora, incluindo os furacões do Oceano Atlântico.

E o caos climático se alastra pelo Brasil

Em outro sinal inequívoco de que o Brasil entrou na era de extremos do clima, em 2023 o Cemaden registrou 1.161 eventos climáticos nos 1.038 municípios que estão sob seu monitoramento, um recorde jamais visto.

Destes, 716 foram ocorrências hidrológicas, como transbordamento de rios, e outras 445 foram geológicas, como deslizamentos de terra.

O Cemaden também mantém um ranking anual de cidades com mais registros de eventos extremos.

No ano passado, essa lista foi liderada por Manaus (AM), com 23 eventos climáticos graves. Na sequência São Paulo(SP) com 22, e Petrópolis (RJ) com 18. Veja a seguir lista de 10 cidades com mais eventos extremos no ano passado:

  1. Manaus (AM) – 23
  2. São Paulo (SP) – 22
  3. Petrópolis (RJ) – 18
  4. Brusque (SC) – 14
  5. Barra Mansa (RJ) – 14
  6. Salvador (BA) – 11
  7. Curitiba (PR) – 10
  8. Itaquaquecetuba (SP) – 10
  9. Ubatuba (SP) – 9
  10. Xanxerê (SC) – 9

Fonte: Veja


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