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A remoção do fármaco paracetamol dos esgotos comparando três processos de tratamento biológico em nível secundário

Resumo

Processos biológicos de tratamento de esgotos são largamente utilizados mundialmente e, apesar de serem eficientes na remoção de matéria orgânica, têm capacidades limitadas na remoção de poluentes orgânicos emergentes, principalmente fármacos. Este trabalho avaliou a eficiência dos processos de tratamento de esgotos por lodos ativados com oxigênio puro, lagoas aeradas e reator anaeróbio de fluxo ascendente (RAFA) na remoção de paracetamol, devido aos seus altos índices de utilização pela população. Para isto, foram analisadas amostras de esgoto bruto e de esgoto tratado oriundas de três estações de tratamento de esgotos em operação no Estado de São Paulo, sendo realizadas quatro campanhas de coleta, durante dois anos, em períodos hidrológicos de seca e chuva. A técnica analítica utilizada foi a cromatografia líquida de alta eficiência acoplada à espectrometria de massas (LC-MS/MS), através de método estabelecido e validado para a execução desta pesquisa. O paracetamol foi detectado em todas as estações estudadas, observando-se remoção e liberação dele durante todos os processos de tratamento. A estação que adota o processo por lagoas aeradas mostrou maior eficiência na remoção deste fármaco, sendo que um elevado tempo de detenção hidráulico empregado nela parece ter influenciado positivamente na eficácia de remoção desta substância. Já a estação que utiliza lodos ativados com oxigênio puro apresentou remoções inferiores e maiores taxas de liberação do paracetamol. E, por fim, a estação que adota RAFA apresentou eficiência intermediária na remoção desta substância.

Introdução

Os processos biológicos de tratamento de esgotos, ditos em níveis secundários, são os mais utilizados mundialmente e se baseiam na degradação da matéria orgânica por microrganismos naturalmente presentes no ambiente. Em geral eles apresentam alta eficiência na remoção de matéria orgânica, mas as suas capacidades de remoção de fármacos se mostraram bem variadas, nas literaturas disponíveis, dependendo da substância em questão e das particularidades da planta de tratamento avaliada. (LOOS et al, 2012; VELICHI et al, 2012).

O processo de lodos ativados com oxigênio puro consiste basicamente em tanque de oxigenação, onde ocorre injeção de oxigênio puro, e o efluente é introduzido e misturado com o lodo rico em microrganismos, ocorrendo a oxidação da matéria orgânica. Posteriormente há o tanque de sedimentação, utilizado para a sedimentação dos flocos microbiais produzidos durante a fase de oxidação. No processo de lodos ativados convencional ocorre a diminuição do nível de oxigênio no meio à medida que ocorre a oxidação da matéria orgânica e a sedimentação, havendo decréscimo da atividade de bactérias aeróbias e desenvolvimento de bactérias anaeróbias. No processo com oxigênio puro, o desenvolvimento de microrganismos anaeróbios é impedido, ocorrendo somente a degradação aeróbia. (FREIRE et al, 2000) Uma importante característica do processo por lodo ativado é a recirculação de grande quantidade de biomassa, o que faz com que grande número de microrganismos permaneça por longo tempo no meio, facilitando o processo de oxidação dos compostos orgânicos e diminuindo o tempo de retenção do efluente. Este sistema apresenta alta eficiência (a eliminação de DBO alcança a faixa de 90% a 95%) em um período de tempo reduzido e suportando altas cargas de matéria orgânica. Outros aspectos positivos são a produção reduzida de lodo, uma menor área necessária para instalação e um consumo de energia menor que o método convencional, porém os custos do oxigênio puro ainda encarecem o processo (GANGHIS & PESTANA, sem data). A planta de tratamento de esgoto utilizada para a coleta das amostras deste estudo opera com uma vazão média de 380 L/s.

No sistema de tratamento por lagoas aeradas ocorre, também, o processo de degradação biológica da matéria orgânica, sendo essencialmente por via aeróbia. Consiste em lagoas com profundidade variando de 2,5 até 4,0 metros de profundidade, dotadas de aeradores que promovem, ao mesmo tempo, o suprimento de oxigênio e a completa mistura do líquido na lagoa. A qualidade do esgoto que vem da lagoa aerada não é adequada para lançamento direto, pelo fato de conter grande quantidade de sólidos. Por esta razão elas são geralmente seguidas de lagoas de decantação, que permitem a sedimentação dos sólidos contidos nos efluentes das lagoas aeradas (NTS 230, 2009). A planta de tratamento de esgoto utilizada para a coleta das amostras deste estudo opera com uma vazão média de 29,32 L/s, e é composta por 3 lagoas aeradas e 3 lagoas de decantação.

Já o processo que utiliza reator anaeróbio de fluxo ascendente (RAFA) é um sistema fechado onde o tratamento biológico ocorre por microrganismos anaeróbios presentes em um manto de lodo. O processo anaeróbio de tratamento apresenta elevado grau de conversão da matéria orgânica, baixa produção de lodo, destruição de microrganismos patogênicos e geração de gases com elevada concentração de metano. O esgoto afluente entra pela base do reator e em seu movimento ascendente atravessa uma camada de lodo biológico que se encontra em sua parte inferior, passando por um separador de fases enquanto escoa em direção à superfície, sendo os gases direcionados para o topo e os sólidos e líquidos para as partes inferiores do reator (SILVA, 2007). Na planta de tratamento de esgoto utilizada para a coleta das amostras deste estudo existe ainda um filtro anaeróbio e um filtro aeróbio submerso associado ao RAFA. O filtro anaeróbio é um tanque preenchido com pedras britadas, ou outro material inerte, que serve de suporte para aderência e desenvolvimento de microrganismos, recebendo um fluxo de esgoto que pode ser horizontal, ascendente ou descendente, que sofre degradação anaeróbia da matéria orgânica, na medida em que percorre o filtro (SILVA, 2007). Finalmente, o filtro aeróbio submerso consiste em um tanque também preenchido por material inerte, e no seu interior é introduzido ar comprimido, ocorrendo o crescimento de microrganismos aeróbios no meio do suporte. As bolhas de ar promovem erosão do biofilme e previnem a colmatação do meio filtrante, e a turbulência assegura o bom contato entre o substrato e os microrganismos. Este filtro é muito utilizado como pós tratamento de efluentes anaeróbios (AISSE, 2001). Referida planta de tratamento foi projetada para uma vazão máxima de 57,27 L/s.

A preocupação com a presença de fármacos como contaminantes de ambientes aquáticos se iniciou na década de 1970 e, desde então, inúmeros estudos foram realizados e revelaram a presença de resíduos de tais substâncias, podendo-se citar antibióticos, hormônios, anestésicos, anti-inflamatórios, dentre outros, em diversas partes do mundo, sendo eles denominados atualmente contaminantes ambientais emergentes. Os fármacos, após passarem pelo organismo humano, irão atingir os esgotos devido à excreção humana, ou ainda podem chegar diretamente até eles devido ao aporte clandestino ou incorreto de medicamentos diretamente na rede de esgotos.

O Brasil é um grande consumidor mundial de medicamentos, e segundo o Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística (IBOPE), este mercado movimenta montantes superiores a R$ 70 bilhões por ano, sendo estimado um gasto médio anual, por brasileiro, em torno de R$ 430,92.

O Paracetamol é um analgésico e antitérmico largamente utilizado pela população, e está presente em medicamentos como Tylenol, Fluviral, Mioflex, entre outros. Sua dose terapêutica é alta, variando de 500 a 4000 miligramas por dia. Após a administração oral de paracetamol, aproximadamente 85% da dose terapêutica sofre metabolização de fase II, do tipo conjugação com sulfato e com ácido glicurônico, sendo os metabólitos eliminados na urina. Cerca de 10% do paracetamol absorvido segue a via de metabolização de fase I, do tipo oxidação com posterior conjugação à glutationa, e uma quantidade menor, cerca de 4%, é eliminada de forma inalterada na urina (HODGMAN e GARRARD, 2012). Em relação às características físico-químicas do paracetamol, ele é altamente hidrofílico, e seu log Kow é 0,46, o que significa que, devido à ampla solubilidade em água, não há tendência de adsorção a partículas de lodo, e ocorre incompleta transformação biológica durante os processos de tratamento de esgoto (KIM et al, 2007; BEDNER e MACCREHAN, 2006).

O objetivo deste trabalho é comparar a eficiência de remoção do fármaco paracetamol por três processos biológicos de tratamento de esgotos, em nível secundário: lodos ativados com oxigênio puro, lagoas aeradas e reator anaeróbio de fluxo ascendente (RAFA).

Este estudo apresenta elevada relevância por permitir conhecer a eficiência de remoção de processos de tratamento de esgotos utilizados no Brasil, em relação ao fármaco paracetamol, considerando-se as peculiaridades dos sistemas de tratamento aqui adotados e as características do esgoto local, em relação ao paracetamol.

Autores: Camila Delanesi Guedes e Wanderley da Silva Paganini.

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