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Reatores de leito fluidizado eletroquímico microbiano: Ecoinovação no tratamento industrial da água

 Sara Tejedor Sanz

Pesquisadora pós-doutorado da IMDEA Água (www.agua.imdea.org)

O processo para implementar tecnologias eletroquímicas microbianas em escala real (TEMs) requer o estudo de novos cenários que superam as limitações de processos catalíticos em biofilmes eletroativos. Neste contexto, os reatores de leitos fluidizados eletroquímicos microbianos são apresentados como um novo design para estimular a degradação da matéria orgânica nas águas residuais. O desenvolvimento de tais configurações permitiria que os protótipos simples fossem instalados em larga escala para avaliar novas tecnologias, como TEMs, que de outra forma estariam estagnadas em escala laboratorial.

A eletroquímica microbiana ou eletromicrobiologia emergiu como uma nova subdisciplina de biotecnologia baseada no estudo das interações entre microorganismos e eletrodos. As propriedades catalíticas desses microorganismos são muito versáteis e uma variedade de campos podem se beneficiar com o desenvolvimento de tecnologias eletroquímicas microbianas (TEMs). Os dispositivos utilizados nessas tecnologias tornaram-se sistemas inovadores que refletem perfeitamente a relação água-energia devido às suas aplicações atraentes no tratamento de águas residuais e dessalinização da água. No entanto, a aplicação dos TEMs à escala real depende da resolução de desafios microbiológicos, tecnológicos e econômicos.

Até agora, os TEMs foram entendidos como sistemas em que a catálise está localizada na superfície do eletrodo devido à necessidade de adesão microbiana formando um biofilme sobre ele. A otimização desta interação é o principal desafio desta disciplina e se concentra principalmente na melhoria do design do reator e dos eletrodos, bem como dos mecanismos de transferência eletrônica extracelular. O estudo dos fundamentos da interação bacteria-eletrodo e o processo catalítico são essenciais para maximizar o desempenho dos sistemas bioelétroquímicos. Geobacter sulfurreducens é considerado o microorganismo modelo para se estudar a transferência extracelular direta de elétrons para um eletrodo e, portanto, é amplamente utilizado em testes de prova do conceito. Esta bactéria tipicamente forma biofilmes de multicamadas nos eletrodos dos TEMs. No entanto, Geobacter, em seu habitat natural, está em estado planctônico ao respirar receptores insolúveis de elétrons, como óxidos de ferro. A configuração do biofilme limita-se ao desempenho deste tipo de sistema devido à restrição da reação à interface eletrodo-biofilme e também apresenta problemas associados à atividade das células dentro do biofilme.

Desenvolvimento de um reator de leito fluidizado eletroquímico microbiano

A fim de maximizar a área de superfície do eletrodo disponível para os microorganismos eletroativos e melhorar a cinética da biocatálise usando um ambiente com boas propriedades de mistura, a equipe de Bioeletrogênese da Universidade de Alcalá e IMDEA Água projetou um reator de leito fluidizado eletroquímico microbiano (do inglês, ME-FBR) (Tejedor-Sanz, 2017). Este protótipo surge da fusão de um reator de leito fluidizado clássico com um TEM, de modo que um ânodo fluidizado 3D, composto por micropartículas eletricamente condutoras, serve como o receptor final de elétrons para microorganismos eletroativos como o Geobacter (Figura 1). O uso de um eletrodo fluidizado é um avanço em relação ao uso de eletrodos planos e estáticos em sistemas TEM, pois ele otimiza o contato da bactéria-eletrodo-meio, melhorando a transferência de massa e calor em cada uma dessas interfaces e proporcionando uma alta área da superfície do ânodo (aumento da área de superfície para a catálise microbiana).

me-fbr

Reator de leito fluidizado eletroquímico microbiano (ME-FBR) para degradação Bioeletroquímica da matéria orgânica presente em águas residuais

Curiosamente, verificou-se que este eletrodo fluidizado formado por partículas em suspensão pode estimular a interação entre bactéria e eletrodo no estado planctônico de ambos os elementos (Tejedor-Sanz et al, 2017). Isso supõe um novo paradigma na transferência direta de elétrons no campo dos TEMs, em que as bactérias eletrogênicas de forma individual, são transitórias e diretamente conectadas com uma partícula anódica em suspensão.

Aplicações de ME-FBR

Uma das principais aplicações do ME-FBR é o tratamento da matéria orgânica presente nas águas residuais da indústria agroalimentar. Entre elas, as águas residuais das fábricas de cerveja têm recebido muita atenção desde os componentes orgânicos da água residual (principalmente açúcares, amido solúvel, etanol e ácidos graxos voláteis) são geralmente facilmente biodegradáveis. A digestão anaeróbica é tipicamente a tecnologia usada pelas cervejarias para remover a matéria orgânica, enquanto os nutrientes geralmente são removidos em um tanque de aeração. Tanto a digestão anaeróbia quanto os processos de eletrogênese microbiana compartilham vantagens comuns: baixa produção de biomassa, baixo consumo de energia e possível recuperação dos mesmos, como corrente ou outros vetores, tais como hidrogênio ou metano. No entanto, um fator problemático de digestores anaeróbicos é a baixa estabilidade do processo biológico.

A presença de compostos inibidores em águas residuais e lodo (amônia, enxofre, metais pesados, compostos orgânicos halogenados), o lento crescimento e a alta sensibilidade dos metanogênicos a diferentes agentes externos podem produzir um acúmulo de ácidos graxos voláteis e uma queda de pH (Chen et al., 2008). Todas essas vulnerabilidades podem produzir distúrbios, como uma mudança na carga, falha em todo o processo de digestão anaeróbica e, portanto, o reator precisa ser interrompido. Neste contexto, os TEMs e, especificamente, os sistemas bioelétroquímicos de leito fluidizado, pretendem ser uma alternativa ou complemento aos sistemas de digestão anaeróbica para degradar a matéria orgânica deste tipo de efluente. Por outro lado, os TEMs oferecem a possibilidade de recuperar e reutilizar subprodutos gerados no processo, como o hidrogênio produzido nos cátodos à partir da hidrólise da água.

Os TEMs mostraram que a biodegradação da matéria orgânica pode ser estimulada quando microorganismos eletroativos encontram um ânodo como terminal receptor elétrico. No entanto, para realização do tratamento de águas residuais completo é necessário apoiar estes sistemas com uma tecnologia complementar para remoção de nutrientes e/ou matéria em suspensão. Uma das estratégias que podem complementar os TEMs é a sua integração com um pré-tratamento de eletrocoagulação (EC) para eliminar nutrientes e matéria insolúvel (Figura 2). Assim, separa-se da fase de biodegradação da matéria orgânica solúvel a matéria em suspensão que muitos tratamentos biológicos são incapazes de eliminar. Na etapa de eletrocoagulação, a concentração de nutrientes no efluente pode ser controlada por parâmetros variáveis, como a densidade de corrente aplicada ou o tempo de reação na EC. A integração destes dois tipos de técnicas eletroquímicas (EC e ME-FBR), resulta em uma estratégia eficaz para o tratamento completo de efluentes industriais (Tejedor Sanz, 2017).

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Projeto ANSWER

Atualmente através do Projeto europeu ANSWER (Advanced Nutrient Solutions With Electrochemical Recovery) (LIFE15ENV/ES/000591)  do programa LIFE Environment and Resource Efficiency, está se desenvolvendo em escala piloto um sistema de tratamento de efluentes indústriais  oriundos de cervejaria, baseado na integração da EC com um ME-FBR. Este projeto tem como parceiros a cervejaria Mahou (coordenadora), a empresa de águas FCC Aqualia, a Universidade de Alcalá e a empresa de reciclagem de metal Recuperaciones Tolón. O objetivo do projeto ANSWER é a demonstração da técnica e a viabilidade econômica de um sistema de tratamento de água residual na indústria cervejeira com recuperação de recursos. O projeto será desenvolvido em uma das maiores fábricas de cerveja da Europa (Alovera, MAHOU), em um sistema de demonstração que tratará água proveniente da planta existente. Um dos aspectos mais atraentes da ANSWER é o vínculo entre a eletrocoagulação-TEM com a relação entre água-energia e o conceito de energia circular, um dos pilares centrais da estratégia económica europeia.

Embora a eletrocoagulação seja uma técnica conhecida há mais de um século, o campo da eletroquímica microbiana foi explorado por apenas alguns anos. E é, pela primeira vez, no projeto ANSWER, onde essas duas tecnologias convergem, formando parceria para criar um conceito inovador no tratamento de águas residuais industriais, minimizando o consumo de energia e maximizando a recuperação de recursos.

Adaptado por Portal Tratamento de Água – www.tratamentodeagua.com.br

Traduzido por Pedro Carvalho Oliveira

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