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Efeito da diluição de lixiviado de aterro sanitário no desenvolvimento de biomassa Anammox

Resumo

Anammox é um processo biológico autotrófico de conversão do nitrogênio amoniacal a gás nitrogênio na ausência de oxigênio. O nitrito, também substrato do processo, atua como receptor final de elétrons. Apresenta grandes benefícios econômicos em relação aos processos biológicos convencionais de remoção de nitrogênio, principalmente para águas residuárias com elevados níveis de nitrogênio amoniacal. No entanto, devido ao lento crescimento da biomassa, o processo ainda exibe dificuldades e restrições para aplicação em larga escala. O objetivo desse estudo foi avaliar o enriquecimento de biomassa anammox a partir de diferentes diluições de lixiviado maduro de aterro sanitário. Foram testadas três diferentes diluições (10, 25 e 50%; v/v) em duplicata, operando-se, portanto, seis reatores em batelada e em paralelo. NaNO2 foi adicionado como substrato complementar para os microrganismos. Verificou-se, ao final do experimento (aproximadamente 520 dias de operação), que somente a duplicata operada com as maiores diluições (10% de lixiviado, o que representa aproximadamente 200 mg N-NH4+ L-1) apresentou atividade anammox, constatada através da comparação entre os coeficientes estequiométricos experimentais e teóricos do processo. Nos demais reatores, alimentados com menores diluições, a biomassa sofreu forte inibição pelo nitrito e não se desenvolveu. Esse comportamento também foi reportado em outros trabalhos recentes sobre enriquecimento anammox. Foram realizados ensaios cinéticos com a biomassa da duplicata que apresentou atividade anammox. Os reatores apresentaram as seguintes velocidades específicas de consumo de substrato: 0,58 e 0,64 mg N-NH4+ (g SSV-1) h-1 para nitrogênio amoniacal; 0,49 e 0,63 mg N-NO2- (g SSV)-1 h-1, para nitrito. Verificou-se, portanto, que o enriquecimento de biomassa anammox, utilizando-se lixiviados de aterros sanitários como meio, é possível, desde que sejam adotadas maiores diluições. As diluições de 25 e 50% (500 e 1000 mg N-NH4+ L-1, aproximadamente) não propiciaram condições favoráveis para o crescimento da biomassa, mesmo após 520 dias de operação.

Introdução

O processo anammox (Anaerobic Ammonium Oxidation) consiste na conversão biológica do nitrogênio amoniacal (N-NH4+) a gás nitrogênio (N2) e uma pequena parcela de nitrato (N-NO3-) na ausência de oxigênio, conforme equação 1. É realizado por bactérias quimioautotróficas, pertencentes ao filo Plactomycetes, que utilizam N-NH4+ como fonte de energia (doador de elétrons) e nitrito (N-NO2-) como receptor final de elétrons (TCHOBANOUGLOUS et al., 2013; LI et al., 2014). Sua ocorrência foi confirmada por Mulder et al. (1995)em meados da década de 1990 na Holanda e ainda é objeto de estudo de diversas pesquisas, principalmente na área de tratamento de águas residuárias.

1,0 NH4+ + 1,32 NO2- + 0,066 HCO3- + 0,13 H+
→ 1,02 N2 + 0,26 NO3 + 0,066 CH2O0.5N0.021 + 2,03 H2O equação (1)

Os processos convencionais de remoção biológica de nitrogênio em águas residuárias são baseados nas reações sequenciais de nitrificação e desnitrificação convencional. No entanto, esta última reação é heterotrófica e demanda, portanto, fonte orgânica de carbono prontamente biodegradável. Essa pode ser uma grande limitação para águas residuárias com elevados níveis de N-NH4+, mas pouca ou nenhuma matéria orgânica biodegradável, como lixiviado maduro (mais de 10 anos) de aterro sanitário. Nesses casos é necessário realizar a adição de fontes exógenas de carbono, encarecendo e muitas vezes inviabilizando a técnica. Dessa maneira, o processo anammox, por ser completamente autotrófico, apresenta grande potencial para águas residuárias com baixa relação carbono/nitrogênio (C/N) (WANG et al., 2010; TCHOBANOUGLOUS et al., 2013; LI et al., 2014).

Para aplicação do processo anammox, é necessário que o meio apresente N-NH4+ e N-NO2- em proporção próxima a 1:1. Para isso, normalmente realiza-se a nitritação (conversão de N-NH4+ a N-NO2-) parcial da água residuária a montante (sistema SHARON + Anammox) ou até mesmo simultaneamente ao processo anammox (sistemas CANON e OLAND). A adoção dessas novas tecnologias completamente autotróficas pode resultar em uma economia de 60% no consumo de oxigênio (redução do consumo de energia), 100% em doadores de elétrons exógenos e grande redução da geração de lodo de excesso, resultando em até 90% de redução nos custos de manutenção do sistema (TCHOBANOUGLOUS et al., 2013; ALI; OKABE, 2015).

O grande empecilho da aplicação do processo em larga escala é a baixa velocidade de crescimento das bactérias anammox. O tempo de duplicação pode variar entre 2,1 e 11 dias, para uma temperatura média de 30°C (condição favorável), o que resulta em uma taxa de crescimento específico entre 0,065 e 0,334 d-1 (CONNAN et al., 2016). Segundo Yin et al. (2016), o tempo de duplicação pode ser ainda maior, entre 11 e 20 dias. Dessa maneira, o tempo de enriquecimento da biomassa anammox pode ser muito elevado quando realizado a partir de lodo convencional, variando entre 4 meses e 1 ano, mesmo para condições controladas (pH, temperatura, OD, entre outros) e ausência de substâncias inibidoras (CONNAN et al., 2016).

Lixiviados de aterros sanitários são efluentes líquidos gerados no interior das células de disposição de resíduos sólidos urbanos (RSU), a partir da biodegradação da matéria orgânica, da própria umidade do resíduo e da contribuição das infiltrações de águas pluviais. São águas residuárias com elevados níveis de material orgânico dissolvido (ácidos orgânicos e compostos mais refratários como ácidos húmicos e fúlvicos), macro compostos inorgânicos (Ca2+, Mg2+, Na+, K+, NH4+, Fe2+, Mn2+, Cl-, SO42- e HCO3-), com destaque para o N-NH4+, e podem apresentar também metais tóxicos (Cr3+, Cd2+, Cu2+, Pb2+, Ni2+ e Zn2+) e compostos xenobióticos (hidrocarbonetos aromáticos, fenóis, pesticidas, entre outros). Apresentam, portanto, grande potencial poluidor para os solos, águas superficiais e subterrâneas (GOMES, 2009; WANG et al., 2010; BOVE et al., 2015).

O tratamento do lixiviado de aterro sanitário ainda permanece como um grande desafio, principalmente em países emergentes como o Brasil, e o processo anammox surge como um potencial tratamento para remoção do excesso de N-NH4+. A presente pesquisa estuda e avalia o enriquecimento de biomassa anammox utilizando-se, como meio, diferentes diluições de lixiviado maduro de aterro sanitário.

Autores: Camilla Geraldi Menegon; Matheus Ribeiro Augusto; Marcelo Zaiat e Theo Syrto Octavio de Souza.

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