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Análise da ocorrência de fármacos no rio Doce e avaliação da retenção desses compostos por nanofiltração

Resumo

A ocorrência dos fármacos em corpos d’água é facilitada pela ingestão de medicamentos. Após o uso, o fármaco passa por processos metabólicos no organismo e frações significativas do composto de origem são excretadas através das fezes e urina seguindo assim, pela rede coletora de esgoto até a estação de tratamento de efluentes (ETE) municipal. Porém, o tratamento convencional de efluente, que é predominante no Brasil, não é capaz de remover os fármacos por completo. Como conseqüência, os produtos farmacêuticos são incorporados nas águas dos mananciais que serão tratadas e utilizadas para o abastecimento público. Entretanto, o tratamento convencional da água também não é capaz de remover esses compostos. A situação é ainda mais preocupante em algumas cidades brasileiras que não são contempladas por tratamentos de esgoto, como é o caso da cidade de Governador Valadares, onde foi confirmado pela análise de espectrometria de massa a possível ocorrência de Ácido Mefenâmico, Diazepan, Gemfibrozill e Atenolol na água do rio Doce. Essa realidade contribui para o investimento em pesquisas visando aprimorar as tecnologias de tratamentos adicionais para garantir a qualidade da água, principalmente, a destinada ao consumo humano. Dentre essas tecnologias, destaca-se o emprego de membranas, que combinam a estabilidade do processo com a excelente qualidade do tratamento. Neste contexto, este estudo tem como objetivo analisar a ocorrência dos fármacos na água bruta e tratada do rio Doce e avaliar a eficiência de remoção desses compostos por membranas de nanofiltração (NF) 90 e 270.

Introdução

Os fármacos pertencem ao grupo dos micro contaminantes emergentes que representam um conjunto diversificado de moléculas biologicamente ativas utilizadas na medicina humana e na veterinária com a finalidade de tratar, curar e prevenir doenças (MINGUEZ et al.,2016; JELIC et al., 2011). Dentre as classes que constituem os fármacos, destacam-se os antiinflamatórios, antibióticos, analgésicos, reguladores lipídicos, antidepressivos, agentes quimioterápicos e hormônios. O aumento consistente do consumo desses medicamentos deve-se às descobertas de novos compostos, crescimento populacional, aumento da expectativa de vida da população e à expiração de patentes disponibilizando assim, genéricos menos caros, o que amplia o acesso das pessoas aos medicamentos (DAUGHTON, 2003).

Esse aumento do consumo de medicamento contribui com a ocorrência constante de fármacos em ambientes aquáticos naturais e nos efluentes de estações de tratamento de esgoto (ETEs), fato que tem incentivado a expansão das investigações cientificas sobre os possíveis impactos desses compostos no ecossistema e na saúde humana (BEBIANNO et al.,2016; SHAO et al., 2009).A investigação extensiva sobre o tema iniciou-se na década de 1990 com o desenvolvimento dos métodos analíticos, principalmente o espectrômetro de massas e a cromatografia de alta resolução, que possibilitaram determinar e quantificar os fármacos em concentrações de ng/L ou μg/L em matrizes aquosas (LÖFFLER et al., 2005;CALISTO et al., 2009).

Apesar do crescente número de estudos publicados sobre este assunto nos últimos anos, ainda há muito a ser compreendido sobre as transformações ambientais, os efeitos destes compostos e seus metabolitos, bem como as suas propriedades bio acumuladoras nos organismos e os possíveis efeitos causados pelo sinergismo desses diferentes elementos presentes na água (FATTA et al., 2011; ZENKER et al., 2014). De acordo com Jelic et al. (2011), após a ingestão do medicamento, o fármaco passa por processos metabólicos no organismo e frações significativas do composto de origem são excretadas através das fezes e urina seguindo assim, pela rede coletora de esgoto até a ETE. Esse fato ocorre devido à baixa volatilidade dos fármacos que indica que a sua distribuição no meio ambiente ocorre principalmente através do transporte aquoso (BILA et al.,2003; CANDIOTI et al ., 2008).

Os fármacos são extremamente resistentes aos processos de degradação biológica e geralmente passam intactos por estações convencionais de tratamento de água e esgoto, permanecendo bioquimicamente ativos depois de atingir o ecossistema aquático (CHIFFRE et al., 2016). As ETES de tratamento convencional apresentam o processo de lodos ativados ou o reator anaeróbio de fluxo ascendente (RAFA), são amplamente utilizados para o tratamento de esgoto, visto que produzem efluentes que atendem aos padrões exigidos de qualidade com baixo custo operacional e são os sistemas predominantes em tratamento de esgoto no Brasil. Entretanto, como mencionado anteriormente, este tipo de tratamento tem capacidade limitada de remoção dos produtos farmacêuticos (KASPRZYK-HORDERN et al., 2009; WICK et al, 2009). Assim, as ETE’s contempladas apenas pelo sistema convencional de tratamento estão sendo consideradas como um foco de disposição de fármacos nos ambientes hídricos, visto que grande parte de produtos de medicamentos presentes nos esgotos não são removidos e sim concentrados no lançamento do efluente tratado nas águas à jusante da ETE. Desse modo, os fármacos não removidos após o tratamento entram novamente nos corpos d’água, onde ocorrerá a captação de água pelas estações de tratamento de água (ETA’s) para ser potabilizada visando o consumo humano. Para essa potabilização, no Brasil predomina o tratamento de ciclo completo que compreende as etapas de coagulação, floculação, sedimentação ou flotação, filtração e desinfecção. Porém, esse tipo de tratamento também é ineficiente na remoção dos fármacos, pois essas ETA’s são projetadas para realizar elevada remoção de material particulado, microrganismos e outros parâmetros estabelecidos pela Portaria nº 2914 de 2011, a qual não contempla padrões limites para a ocorrência de fármacos (LIMA et al., 2014).

No Brasil, a situação é ainda pior, visto que algumas cidades brasileiras não são contempladas por tratamentos de esgoto, como é o caso da cidade de Governador Valadares, localizada no estado de Minas Gerais. A cidade apresenta quase 300 mil habitantes na zona urbana, porém, de acordo com o Ranking do Saneamento – As 100 maiores cidades do Brasil, a cidade não apresenta sistemas de tratamento de esgoto, dessa forma, todo o efluente gerado no município é canalizado para o rio Doce que abastece a região.

Esse cenário de Governador Valadares é preocupante, pois pouco se sabe sobre os efeitos causados pelo consumo de fármacos residuais na água potável a longo prazo (STACKELBERG et al., 2004). Dessa forma, têm-se proposto a utilização de tecnologias físico-químicas de tratamento adicionais, os chamados tratamentos terciários ou avançados, tal como uso de ozonização, processos oxidativos avançados e membranas, para a remoção eficaz desses micro poluentes recalcitrantes (TAMBOSI, 2008). Dentre essas tecnologias, destaca-se o emprego de membranas que combina a estabilidade do processo com a excelente qualidade do tratamento, fato que contribui para o aumento do seu uso nas ETA’s. Dentre as filtrações assistidas por membrana ressaltase a técnica de nanofiltração (NF) que apresenta maior capacidade na retenção dos fármacos (URTIAGA, 2013). A NF é amplamente utilizada para a obtenção de água de reúso e dessalinização visando a potabilidade da água para consumo humano. Além disso, têm-se empregado essa técnica para a retenção de fármacos que ocorre por exclusão do tamanho das partículas e por interações químicas entre a membrana e os fármacos. O processo de separação do soluto feito pela membrana de NF acontece, principalmente, por meio da exclusão de tamanho das moléculas. Os elementos presentes na solução de alimentação que apresentam diâmetro maior do que os poros da membrana são retidos, e os compostos de dimensões menores transpassam a membrana. De um modo geral, a exclusão por tamanho na membrana de NF predomina quando os solutos presentes na alimentação não estão ionizados e apresentam maior afinidade com a água. Nessas condições, a retenção dos elementos por tamanho são mais elevadas, podendo predominar cerca de 85 % de rejeição comparando aos demais mecanismos de retenção (TAHERAN et al., 2016). Entretanto, para afirmar essa predominância é necessário também conhecer as condições operacionais do processo, como o fluxo, pressão transmembranar e temperatura (YÜKSEL et al., 2013). Além da comprovada eficiência na retenção de fármacos, os benefícios das tecnologias de membrana incluem a facilidade de operação, destacando a possibilidade de aplicação em temperatura ambiente, tornando o processo mais viável.

Dessa forma, esse estud tem como objetivo identificar os fármacos presentes na água bruta do Rio Doce em Governador Valadares-MG, bem como avaliar a retenção desses compostos por nanofiltração utilizando as membranas de NF 90 e 270 da empresa Dow Chemical Company.

Autores: Ana Flávia Souza Foureaux; Eduarda Oliveira Reis; Lucilaine Valéria de Souza Santos; Liséte Celina
Lange e Miriam Cristina Santos Amaral.

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