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Geração de eletricidade com biogás: estudo de viabilidade em estação de tratamento de esgoto no Paraná

Resumo

A geração distribuída de energia elétrica produzida a partir da utilização de resíduos orgânicos é uma alternativa que precisa ser cuidadosamente analisada, devido às inúmeras vantagens associadas a esse processo. Considerando que toda atividade humana consome recursos e que ao final desta convertem-se em rejeitos, podemos classificar o esgoto urbano como resíduo de elevado poder poluidor, sendo o seu tratamento necessário para a comunidade e para o meio ambiente, uma vez que, remove os poluentes da água previamente usada pela população, de forma a devolvê-la aos corpos hídricos em boas condições e, bem como, se empregado um processo anaeróbico controlado, pode-se gerar biogás. Por seu elevado poder calorífico, o biogás tem potencial para ser utilizado com fonte primária para geração de energia elétrica, exigindo, assim, uma avaliação da viabilidade econômica da utilização de motores geradores para o aproveitamento do biogás produzidos nos reatores Upflow Anaerobic Sludge Blanket (UASB) já instalados nas estações de tratamento de esgoto. O levantamento do Valor Presente Líquido (VPL), a Taxa de Interna de Retorno (TIR), o payback e o custo nivelado da energia surgem como ferramentas apropriadas para realizar tal avaliação, tendo como referência a quantidade de habitantes que a tais estações podem atender. As simulações foram realizadas utilizando, como no caso de estudo, o volume de esgoto tratado de algumas cidades do Estado do Paraná, partindo da quantidade de população atendida com o esgotamento sanitário, assim estimando o potencial de produção de biogás nas estações e, por sua vez, o seu potencial de geração de energia elétrica. O método proposto figurou como ferramenta adequada para apontar e demonstrar a utilização do biogás como recurso energético e benéfico, conforme verifica-se o resultado da cidade de Curitiba que obteve o VPL de 87.834.069,69 reais, uma TIR de 18,04% a.m. com payback de 5 meses, bem como,seu valor de Levelized Cost of Energy (LCOE) de 34,53 R$/MWh.

Introdução

Historicamente, a energia sempre atuou como fator preponderante no desenvolvimento das civilizações. O avanço da urbanização favoreceu o consumo predatório dos recursos naturais potencializado pela busca por novas fontes energéticas capazes de sustentar o estilo de vida emergente (PEREIRA et al., 2012).

A demanda por energia elétrica é crescente em todo mundo, uma vez que o aumento populacional, a dependência a cada vez maior em equipamentos elétricos, que satisfazem diversas necessidades, e a importância da energia elétrica para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) tem despertado o interesse das nações em formas alternativas de geração de energia elétrica, dentro de um contexto sustentável e não poluente (PEREIRA et al., 2012).

Todo resíduo orgânico, seja ele de origem agrícola, pecuária, industrial, residencial ou dos comércios em geral, se sujeito a um processo de digestão anaeróbia controlada, gera como produto o biogás. Composto por 50 a 75% de metano, o biogás pode ser utilizado para gerar energia, biometano, ou ser queimado para atender a uma demanda térmica (FEAM, 2015; FACHAGENTUR, 2010; BLEY Jr., 2015).

No percorrer de milhares anos, a biomassa atendia a grande parte das necessidades de energia da humanidade. No entanto, com a introdução do uso de combustíveis fósseis, nos meados do século XIX, a sua utilização decaiu nos países industrializados (KLASS,1998). Com isso, surgiu o carvão sendo a principal fonte primária de na matriz energética mundial, sendo extrapolado pelo petróleo na década de 1960. Entretanto, a biomassa voltou a ser vista após dos choques do petróleo na década de 1970 como um recurso energético viável e doméstico, com grande potencial para amortizar a dependência do petróleo (SMIL, 2002).

Por distintas rotas tecnológicas, moldadas as diversas características físicas e químicas das matérias-primas e da utilização requerida, são utilizadas para transformar a biomassa em um produto energético final. Em meio às tecnologias utilizadas para a exploração da energia da biomassa, a digestão anaeróbica está ganhando espaço na utilização por consentir a recuperação da energia a partir do aproveitamento do biogás e nutrientes, bem como prevenir a poluição ambiental (IEA,2005).

Desde o século XIX na Índia, o biogás vem sendo utilizado como fonte de energia (CERVI, 2009; CETESB, 2006). Três décadas depois dessa primeira experiência, o biogás foi testado como fonte de energia para um pequeno sistema de iluminação pública na Inglaterra. Mesmo com tal iniciativa, somente no século XX, com a Segundo Guerra Mundial provocando insuficiências energéticas, o biogás volta à tona e conquista espaço (CETESB, 2006).

É notório que umas das fontes renováveis de energia que tem potencial para contribuir com a diversificação da matriz energética nacional é o biogás, assim como poderá reduzir a necessidade de construir grandes centrais elétricas convencionais. Os referidos empreendimentos causam impactos sociais em razão da área ocupada por eles, a proximidade com as áreas urbanas, dentre outros fatores. Do mesmo modo, em torno de 13,5% da energia brasileira é desperdiçada entre geração e consumo, assim como aproximadamente 70% desse total costuma ser perdido no sistema de distribuição (CURADO, 2015). O Brasil evidencia como vantagens para a utilização do biogás como fonte energética a grande quantidade de matéria orgânica de qualidade e o clima adequado, tornando-se uma geração local tendo uma perda reduzida (FURTADO, 2010).

Na Europa, a capacidade instalada em plantas de aproveitamento do biogás é superior a 2000 MW, concentrada principalmente na Alemanha e Reino Unido, enquanto nos Estados Unidos essa capacidade é de cerca de 1000 MW (IEA, 2005). No Brasil, o aproveitamento do biogás ainda é incipiente. Considerando a elevada concentração da população brasileira em grandes centros urbanos e a expressiva produção agropecuária e agroindustrial (e, portanto, de resíduos e efluentes domésticos, agropecuários e agroindustriais), é natural acreditar que o atual aproveitamento do biogás no país está bastante aquém do seu potencial (ZANETTE, 2009).

Com o aumento do consumo de recursos, a urbanização também culminou no aumento da emissão de resíduos e efluentes. Dentre eles, pode-se destacar o volume crescente de esgoto doméstico gerado. Para Costa (2006), a deficiência no tratamento do esgoto doméstico (efluentes líquidos residenciais) é um problema que atinge todo o Brasil. No Estado de São Paulo, que possui aproximadamente 32,5% do PIB do país, o esgoto é coletado nas áreas urbanas, e geralmente não recebe nenhum tipo de tratamento antes de ser despejado “in natura” nos cursos de água.

Com base no levantamento do SNIS (2018), apenas 46% do esgoto no país passa por algum tipo de tratamento. Há ainda 35 milhões de brasileiros sem acesso à água tratada, o que equivale a 17% da população.

Pecora (2006) destaca que a geração de resíduos sólidos urbanos, efluentes industriais ou comerciais e resíduos rurais são diretamente proporcionais à quantidade de habitantes e seus hábitos de consumo. A coleta, tratamento e disposição adequada destes resíduos se refletem na qualidade de vida da população e das águas superficiais e subterrâneas.

No entanto, o esgoto doméstico não deve ser considerado apenas como um causador de impactos ambientais, mas também como uma alternativa na geração de energia de forma renovável. A partir da degradação anaeróbia da matéria orgânica contida em materiais residuais como resíduos sólidos urbanos, dejetos de animais, efluentes industriais e esgoto sanitário é gerado um gás combustível chamado comumente de biogás (PECORA, 2006).

Para a produção de biogás, pode ser utilizada a matéria orgânica proveniente de resíduos sólidos, esgotos domésticos e resíduos rurais, como subprodutos agroindustriais e dejetos pecuários (CETESB, 2006). O aproveitamento energético de resíduos do processo de tratamento do esgoto objetiva a melhoria do desempenho global dele, reduzindo a emissão de gases efeito estufa, incentivando para aumentar a eficiência energética da estação de tratamento e, consequentemente, a viabilidade do saneamento básico do país.

A biodigestão anaeróbia é o processo de decomposição de matéria orgânica por organismos vivos (bactérias) em um meio no qual há ausência de oxigênio. Extremamente importante para a realização de atividades como o tratamento de resíduos (Estações de Tratamento de Esgoto), a digestão anaeróbia é também usada para a geração de biogás (por meio da decomposição de matéria orgânica em biodigestores), uma opção de combustível, principalmente para residências em meio rural (CHERNICHARO, 2007).

A utilização do biogás como fonte primária para geração de energia elétrica também colabora com a redução das emissões de gases de efeito estufa, já que o biogás gerado pela decomposição anaeróbia de matéria orgânica é composto, em sua maior parte, por metano, que contribui 21 vezes mais para o efeito estufa que o dióxido de carbono (CETESB, 2006; BLEY Jr., 2015). Além de metano, o biogás tem em sua formação dióxido de carbono e, por volta de 1 a 5% de gases traços, dentre eles o ácido sulfídrico (BlLEY Jr., 2015; COELHO et al., 2006). Assim, nota-se que a utilização do biogás como fonte primária de energia, além do potencial econômico, possui também um grande potencial de caráter ambiental, mostrando que os benefícios de seu uso devem ser analisados de uma maneira global, a fim de se considerar todos os aspectos envolvidos.

Nesse contexto, faz-se necessária o estudo que englobe aspecto de potencial de geração de biogás e a geração eletricidade em estações de tratamento de esgoto urbano sendo, então, realizada uma avaliação econômico-financeira de sua geração e utilização (COELHO et al., 2003).

Autor: Karl Haruo Kimura de Moraes.

 

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