Resíduos podem estar causando alergias e contribuindo para alterações hormonais e neurológicas em humanos e animais
Minúsculas partículas presentes na água que sai das torneiras, os contaminantes emergentes podem estar causando alergias e contribuindo para problemas graves como baixo peso em fetos e alterações hormonais e neurológicas em humanos e animais. Ainda pouco estudados e nem sempre detectados pelos sistemas de tratamento convencionais, geralmente não são removidos e chegam às redes de abastecimento.
Os contaminantes emergentes consistem em resíduos de medicamentos e cosméticos, produtos de higiene pessoal e limpeza doméstica, cafeína, drogas ilícitas, microplásticos (fragmentos sintéticos de diâmetro inferior a 5 milímetros), entre outros, além dos chamados PFAs (perfluoroalquil e polifluoroalquil), compostos de produtos como espuma de extintores de incêndio, colchões, estofados, carpetes, antiaderentes de panelas e pesticidas.
No Brasil, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) monitora os contaminantes desde 2011. Um estudo abrangente conduzido por Maria Tominaga, gerente da divisão de análises físico-químicas da empresa, está em vias de conclusão. Iniciada em 2014, com investimento de R$ 2 milhões em equipamentos, a pesquisa analisa 500 substâncias em águas superficiais e subterrâneas de 13 bacias hidrográficas. Na próxima etapa, toxicologistas vão determinar as concentrações e riscos.
“Estamos tentando elucidar as estruturas químicas, principalmente prestando atenção nos PFAs”, diz Tominaga. Gilson Alves Quináglia, assessor da diretoria de qualidade ambiental da Cetesb, lembra que, em meados dos anos 2000, estudos já relatavam que bisfenol A, presente em plásticos, poderia ser nocivo à saúde. “Somente em 2011 ocorreu a conclusão, com o Ministério da Saúde proibindo a substância na composição de mamadeiras”, diz.
Os pesquisadores da Cetesb acreditam que o número de estudos poderá crescer com a implementação da Lei 15.022, de novembro de 2024, na qual o Ministério do Meio Ambiente estabelece que seja feito o inventário nacional de substâncias químicas que possam impactar a saúde e o meio ambiente, incluindo aquelas diluídas nos corpos hídricos.
Estudos da Universidade Federal de São Paulo detectaram recentemente grande concentração de cocaína nas águas da Baía de Santos, e a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo publicou em fevereiro pesquisa sobre potenciais danos neurológicos causados por microplásticos.
“Ainda não há no país legislação específica que limite a quantidade de contaminantes emergentes em águas potáveis, ou esgotos, justamente porque não são amplamente monitorados”, afirma Paula Vilela, pesquisadora na área de saneamento na Universidade de São Paulo e diretora técnica da Chart Industries.
Não há legislação específica que limite quantidade de contaminantes emergentes em águas ou esgotos” — Paula Vilela
“A crescente urbanização tende a agravar o problema”, diz Vilela, citando o estudo feito por cientistas da Universidade americana de Albany, publicado em 2023 na revista científica Environmental Health, cujos resultados revelaram que os PFAs estão associados a problemas de saúde em gestantes e bebês, incluindo pré-eclâmpsia e baixo peso ao nascer. “Seria interessante termos campanhas de conscientização da população sobre o descarte correto de medicamentos.”
Diogo Taranto, diretor de desenvolvimento de negócios da Opersan, que atua no segmento de tratamento de água e efluentes, vê com bons olhos o avanço nos diagnósticos sobre os contaminantes emergentes.
“Fica difícil ter claridade sobre o problema sem dados precisos. Sabemos que no Brasil os pesticidas podem estar contribuindo muito para deteriorar as águas, mas temos 27 unidades da federação, cada uma com sua legislação própria para o tema. Se conseguirmos atualizar e unificar os números será de grande ajuda.”
A empresa oferece o serviço de mitigação dos contaminantes emergentes com uso de tecnologia de filtração sofisticada, como a osmose reversa. Poucas companhias, no entanto, procuram Opersan para essa finalidade. “A maioria só quer cumprir a lei, que é de 1976 e não prevê grande parte das substâncias hoje presentes nos corpos hídricos.”
De acordo com Fernanda Tanure, sócia de ambiente e clima do BMA Advogados, o valor da multa por poluir a água pode chegar a R$ 50 milhões.
“A empresa infratora pode ainda sofrer suspensão das atividades e responsabilização criminal pelos eventuais danos ambientais causados”, diz. Ela cita um caso recente, de 2024, em que uma empresa foi multada em R$ 414 mil por lançamento irregular de efluentes no Rio Mogi Guaçu (SP). “Ficou constatado que a água devolvida não cumpria os padrões exigidos pela lei.”
Fonte: Valor
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