BIBLIOTECA

Conflitos de um manancial Periurbano, o caso da bacia do Rio Guaió

Resumo

Instituída pela Lei Estadual nº 898 de 1975 como área de proteção de manancial de interesse para a Região Metropolitana de São Paulo, a bacia do rio Guaió enfrenta, desde então, uma série de conflitos relacionados ao uso e ocupação do solo. Muitos deles, derivados das dificuldades para a implantação de estruturas urbanas e regularização de atividades, impostas pela própria legislação de proteção aos mananciais, e pela falta de alinhamento entre entidades das diferentes esferas de governo no que cabe ao gerenciamento do território. Diversos instrumentos legais se sucederam na tentativa de ordenar a gestão e viabilizar o desenvolvimento sustentável do manancial, a partir de empreendimentos e tipologias de ocupação compatíveis com a preservação e manutenção da qualidade ambiental. No entanto, nenhuma delas resultou em uma solução efetiva para o fim dos conflitos e melhoria da qualidade ambiental do território. Atualmente, a bacia recebe pressão do crescimento de borda decorrente da expansão urbana metropolitana, caraterizada por ocupações irregulares e de baixo padrão. Todo esgoto produzido nessas áreas, incluindo o que é coletado, é despejado no rio Guaió sem nenhum tratamento. Sobre essas dificuldades citadas, pesa o fato da baixa disponibilidade hídrica do manancial, que só passou a integrar o Sistema Integrado de Produção Metropolitana em decorrência de crise hídrica registrada entre 2014 e 2015. Nesse contexto, vê-se a eminência da implantação da nova alça do Rodoanel, no município de Suzano, que implicaria na transformação dos atuais padrões de ocupação rurais e de baixa densidade por usos industriais e residenciais de maior intensidade, com o aumento da população e das cargas de esgotos lançadas no manancial. Tais mudanças poderiam impedir a utilização da área para os fins propostos na legislação citada. No cerne da discussão que se apresenta estão os impedimentos impostos ao desenvolvimento econômico, que resultaram, também, em dificuldades para regularização das ocupações existentes e para a implantação de estruturas urbanas e de saneamento. Impedimentos, que se dobram agora aos interesses privados, com a redução das áreas sob proteção da Lei e com a aprovação da implantação da alça do Rodoanel. Definida a opção por alterar a função deste território, diminuindo os critérios de preservação e, na prática, dificultando a utilização de seus recursos como manancial, deve-se prever a recuperação da área e a remediação de políticas equivocadas, atribuindo-se os custos àqueles que se beneficiam diretamente dessas alterações.

Introdução

A bacia do Rio Guaió está localizada na porção leste da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), limitando-se ao sul com a Área de Proteção e Recuperação do Manancial Billings (APRM-B) e a leste com a APRM Alto Tietê-Cabeceiras (APRM-ATC). Seu principal corpo hídrico, o rio Guaió, nasce no município de Mauá e desagua no município de Suzano. A área da bacia é de 84,4 km², abrange parte dos territórios dos municípios de Ferraz de Vasconcelos, Mauá, Ribeirão Pires, Suzano e Poá. As principais vias de circulação são a Estrada dos Fernandes, a Avenida Henrique Eroles, a Avenida Sapopemba – as quais dão vazão para a Rodovia Índio Tibiriçá -; a Avenida Jacú-Pessêgo e a Rodovia Ayrton Senna. Além disso, possui em seu extremo norte, no município de Poá, a estação Calmon Vianna, pela qual passa a linha 11 Coral da CPTM, que liga a região ao centro de São Paulo. A bacia é cortada, também, pelo Trecho Leste do Rodoanel Mario Covas, que cruza toda sua extensão, de norte a sul, do qual cerca de 6 Km de extensão são elevados. Atualmente, a alça de acesso mais próxima fica a norte no município de Suzano, fora do manancial.

A principal questão que envolve a dinâmica do uso do solo nesse território decorre da implantação da nova alça de acesso ao Rodoanel, que irá interligar o complexo viário à Estrada dos Fernandes, em Suzano. A obra consiste em um trecho rodoviário composto por duas pistas (uma em cada sentido) com duas faixas de rolamento cada, com 2,5 quilômetros de extensão, seis viadutos e um quilômetro de vias marginais. O empreendimento passará a ser o principal vetor de expansão urbana e aumento de população residente nas áreas do manancial, somando-se ao crescimento dos municípios que se deslocam das extremidades da bacia em direção à região central. Atualmente, o crescimento populacional médio no manancial já supera a média da RMSP.

Segundo dados dos últimos Censos Demográficos (IBGE, 2000 e 2010) e das projeções populacionais da Fundação Seade (SEADE, 2011), o crescimento médio anual da população residente no manancial Guaió foi de 1,5% entre 2010 e 2015, período anterior ao anúncio da alça do Rodoanel. As últimas previsões para a região, que consideram o impacto causado pela implantação e operação do empreendimento, estimam crescimento médio de 4,2% ao ano, no período entre 2015 e 2035 (SÃO PAULO, 2017).

A expectativa é de que a implantação da nova alça do Rodoanel irá induzir a proliferação das atividades econômicas na região, convertendo áreas atualmente preservadas em outros usos. Destaca-se que essa intensificação do uso do solo, ocorrerá a partir do atual cenário de carência de infraestrutura de coleta e tratamento de esgoto, sendo que 100% do esgoto produzido nas áreas urbanizadas dos municípios de Mauá, Ribeirão Pires, Ferraz de Vasconcelos e Suzano inseridas nesse manancial é vertido para o rio Guaió, incluindo o percentual atendido por rede coletora. Isso ocorre por não haver sistemas de exportação ou tratamento implantados.

A Lei n° 898, publicada em 18 de dezembro de 1975, deu início à legislação estadual de proteção aos mananciais, disciplinando o uso do solo para a proteção das áreas de drenagem dos cursos e reservatórios de água e demais recursos hídricos de interesse da Região Metropolitana da Grande São Paulo. Em seu Artigo 2º define 13 áreas de proteção de mananciais, dentre elas o “Rio Guaió, até o cruzamento com a Rodovia São Paulo – Moji das Cruzes, na divisa dos Municípios de Poá e Suzano”. Essa determinação ocorre no âmbito do planejamento metropolitano, uma vez que atende ao disposto nos incisos II e III do Artigo 2º e inciso VIII do Artigo 3º da Lei Complementar nº 94, de 29 de maio de 1974, que dispõe sobre a Região Metropolitana de São Paulo. Nela são declarados de interesse metropolitano, comum aos municípios que compõem a RMSP, entre outros, o saneamento básico, notadamente, abastecimento de água, rede de esgotos e limpeza pública, e o uso do solo metropolitano, definindo-se as competências do Estado sobre eles, incluindo a declaração e reserva de áreas de interesse metropolitano, bem como o estabelecimento de limitações administrativas sobre essas áreas de conformidade com as normas reguladoras do uso do solo metropolitano.

Até o ano de 2015 não havia aproveitamentos hídricos na bacia. No entanto, em função do cenário de crise hídrica observado a partir de 2014, a bacia do rio Guaió foi incluída no Plano Estratégico Emergencial do Governo do Estado de São Paulo pela possibilidade de fornecer até 1,0 m³/s de água para o Sistema Produtor Alto Tietê – SPAT, através da transferência para a Represa Taiaçupeba (SABESP, 2015).

(…)

Autores: Heitor Angelini; Sávio Mourão Henrique; Pedro Luis Napolitano Souguellis; Ricardo Tierno e Claudio Evaldo de Sousa Junior.

ÚLTIMOS ARTIGOS: