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Por que precisamos falar de água de reuso na indústria alimentícia e de bebidas?

Água de Reuso na Indústria Alimentícia e de Bebidas

Uma Análise Jurídica sobre Segurança, Potabilidade e Normativas no Contexto Brasileiro

Atualmente há um grande debate dentro dos times de sustentabilidade corporativa e Poder Público. Esse debate foca as questões de escassez de recursos hídricos e do uso racional deste recurso natural junto à indústria alimentícia e de bebidas.

Sabe-se que a água potável aparece nos relatórios de sustentabilidade das empresas como sendo um tema material para muitas operações econômicas. Dentre elas destaca-se para a indústria de bebidas. Dentro deste contexto é de grande importância que a água de reuso tenha um regulamento legal próprio e claro. Esse regulamento visaria permitir utilizar amplamente na indústria com segurança jurídica e sem gerar riscos à saúde pública, consumo humano e meio ambiente.

Para que possamos analisar o caminho a percorrer para que as empresas do ramo alimentício tenham segurança jurídica, precisamos responder a algumas questões. Essas questões seriam:

  • O que é água de reuso?
  • O que é água potável?
  • A origem da água de reuso impede o seu uso;
  • A água de reuso pode ser potável? e
  • Em quais situações posso utilizar a água de reuso?

O objetivo é para implantar em seus processos produtivos água de reuso.

O conceito de água de reuso está estabelecido na Resolução nº 54/2005 do IBAMA. Esta resolução estabelece as modalidades, diretrizes e critérios gerais sobre o reuso direto não potável de água. A referida Resolução dispõe sobre algumas definições importantes, sendo elas sobre água de reuso e água residuária. Nesse sentido, a água de reuso é a água residuária que se encontra dentro dos padrões exigidos para a sua utilização nas modalidades pretendidas. Em contrapartida, a água residuária é o esgoto, água descartada, efluentes líquidos de edificações, indústrias, agroindústrias e agropecuária, tratadas ou não.

Normativas e Padrões

Para tanto, a Resolução nº 54/2005 do IBAMA estabelece também as modalidades permissivas do reuso não potável de água. Essas modalidades são:

  • fins urbanos,
  • fins agrícolas e florestais,
  • fins ambientais,
  • fins industriais, e,
  • reuso na aquicultura.

Por essa perspectiva, a Associação Brasileira de Normas Técnicas, por meio da NBR 13969, dispõe sobre o reuso local de esgoto tratado, o qual define como a utilização local do esgoto tratado para diversas finalidades, exceto para consumo humano.

O Ministério da Saúde trata da questão da potabilidade da água por meio da Portaria GM/MS nº 888/2021. Esta Portaria dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. De acordo com a Portaria, a água potável para consumo humano é aquela que destina-se à ingestão, preparação de alimentos e à higiene pessoal, independentemente da sua origem. A esse respeito, também define a Portaria como água potável a água que atenda aos padrões de potabilidade estabelecidos e que não ofereça riscos à saúde, sendo o padrão de potabilidade o conjunto de valores permitidos para os parâmetros da qualidade da água para consumo humano. Nesse sentido, o padrão oficial de potabilidade definido pelo Ministério da Saúde é o padrão requerido no processo de fabricação de bebidas e alimentos.

Para aplicar esses dois parâmetros sem haver conflitos e gerar segurança jurídica na tomada de decisão das empresas e do Poder Público em admitir o uso de água de reuso em processos produtivos, precisa-se entender esses conceitos de forma integrada e alinhada com normas ambientais e sanitárias.

Desvendando os Desafios Legais

Apesar de a Portaria do Ministério da Saúde não condicionar a água para consumo humano e potável à sua origem, mas somente ao atendimento aos graus de potabilidade, as demais normas que tratam a respeito da água de reuso no Brasil não mencionam a possibilidade ou permissão do seu uso para fins potáveis. Inclusive, essas normas não mencionam sobre a potabilidade da água de reuso, mas sim sobre o seu uso para diversos fins, excluindo o consumo humano.

Assim, evidente que o ordenamento jurídico brasileiro não condiciona a potabilidade da água à sua origem, porém, também não permite expressamente a utilização da água de reuso para o consumo humano.

Resta, portanto, o questionamento a respeito das situações que tratam expressamente a respeito da utilização da água de reuso. De acordo com as normas do ordenamento jurídico brasileiro, há a menção expressa sobre as situações em que permite-se a a utilização da água de reuso na Resolução nº 54/2005 do IBAMA, bem como na NBR 13969.

O artigo 3º, da referida Resolução dispõe sobre o reuso não potável de água, em que permite o reuso para fins urbanos, para fins agrícolas e florestais, para fins ambientais e para fins industriais. Nesse mesmo sentido, a NBR retromencionada menciona, em seu item 5.6.2, que devem ser considerados todos os usos que o usuário precisar, tais como lavagens de pisos, calçadas, irrigação de jardins e pomares, manutenção das águas nos canais e lagos dos jardins, nas descargas dos banheiros etc. Atesta, ainda, que não deve ser permitido o uso, mesmo desinfetado, para irrigação das hortaliças e frutas de ramas rastejantes. Admite-se também o seu reuso para plantações de milho, arroz, trigo, café e outras árvores frutíferas, via escoamento no solo, tomando-se o cuidado de interromper a irrigação pelo menos 10 dias antes da colheita.

Desafios Regulatórios na Utilização da Água de Reuso na Indústria Alimentícia e de Bebidas

Assim, com a análise sistemática das normas federais, estaduais, bem como de casos práticos relatados em artigos e pesquisas científicas, ainda que exista a utilização da água de reuso na indústria alimentícia e de bebidas em outros países, no Brasil, não há norma que regulamente tal ação no sentido de determinar os critérios que devem ser seguidos.

Ainda que a condição de água potável não dependa da sua origem, as normas que tratam sobre os temas não mencionam o reuso como uma fonte de água potável, mas sim de água não potável, o que gera um risco de saúde humana e reputacional para as empresas que utilizam esse tipo de água no seu processo produtivo e incorpora nos seus alimentos ou bebidas.

Então, não há no ordenamento jurídico brasileiro norma que proíba ou autorize expressamente o uso da água de reuso nas indústrias de alimento ou bebidas, nem que relacione a possibilidade de potabilidade da água de reuso ser utilizada no produto final em si, alimento ou bebida. Assim sendo, a falta de normas regulamentadoras claras para a utilização da água de reuso na indústria alimentícia e de bebidas gera a necessidade aprofundada dos riscos envolvidos na incorporação de tal insumo nos produtos finais.

Por: Luciana Camponez Pereira Moralles e Isabela Corradini Antunes

Luciana Camponez Pereira Moralles é advogada especialista em Direito Ambiental e Regulatório do escritório Finocchio & Ustra, Sociedade de Advogados.

Isabela Corradini Antunes é advogada especialista em Direito Ambiental e Regulatório do escritório Finocchio & Ustra, Sociedade de Advogados.


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