BIBLIOTECA

Remoção de etinilestradiol de água por processos de clarificação e pré-oxidação em escala de bancada

Resumo

No presente trabalho, foi avaliada a remoção do hormônio sintético 17α-etinilestradiol (soluções-estoque de etinilestradiol foram preparadas a partir do composto puro e pílulas anticoncepcionais, e, em seguida, devidamente diluídas para preparar soluções de trabalho contendo 1 ou 7 μg.L-1, respectivamente), para duas águas de estudo (10,0 ± 0,5 uT e 100 ± 5 uT), simulando, em escala de bancada: a) a clarificação da água com as etapas de mistura rápida, coagulação com sulfato de alumínio ou cloreto férrico, floculação e sedimentação, e b) a etapa de pré-oxidação com hipoclorito de sódio. Um total de 152 amostras foi coletado a partir desses estudos e, para detecção e quantificação de 17α-etinilestradiol, foi utilizada a técnica de cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas (LC-MS). A sedimentação, para ambos os coagulantes e independente da turbidez da água bruta, não apresentou potencial de remoção do 17α-etinilestradiol. Por outro lado, a pré-oxidação se mostrou uma ferramenta eficiente, alcançando, para condições operacionais usuais em estações de tratamento de água (concentrações de hipoclorito de sódio de 1 e 3 mg.L-1 e tempos de contato de 5, 30 e 60 min), eficiências de remoção do 17α- etinilestradiol que variaram de 40,9 a 99,2%. Para as condições estudadas, a turbidez da água não se apresentou como fator interveniente no tratamento de águas com 17α-etinilestradiol.

Introdução

São diversos os nomes reportados na literatura para os compostos que, segundo Wang et al (2005), “constituem uma classe de substâncias definidas não por sua química natural, mas pelos seus efeitos biológicos”. Alguns destes nomes são: Perturbadores Endócrinos (PE), Disruptores Endócrinos (DE), Desreguladores Endócrinos, Interferentes Endócrinos (IE), Agentes Hormonalmente Ativos (AHAs). Pela natureza mais abrangente do termo, optou-se pela adoção neste trabalho da nomenclatura Agentes Hormonalmente Ativos.

Os AHAs representam um grupo de compostos químicos que atuam sobre os organismos humanos e de animais, simulando ou alterando a atividade hormonal. Eles perturbam o sistema endócrino simulando a ação de hormônios naturais, inibindo-os ou alterando as funções regulares normais dos sistemas imunológico, nervoso e endócrino (CASTRO, 2002).

Neste contexto, a perturbação endócrina dá-se como uma interferência na síntese, secreção, transporte, ligação, ação ou eliminação dos hormônios naturais dos organismos. Esta perturbação pode ser através de um estímulo falso de forma exagerada ou fora de tempo, e é conhecida como efeito agonista. Ou ainda, ela pode bloquear um receptor, reduzindo ou anulando os estímulos, sendo conhecida como efeito antagonista. Segundo Veras (2006), baixos teores exógenos podem representar perigo, pois são necessárias concentrações pequenas, da ordem de partes por bilhão (ppb) ou mesmo partes por trilhão (ppt), para estimular o sistema hormonal.

Uma das características dos AHAs reside no seu potencial de alterar o sistema reprodutor de organismos aquáticos. Muitos são os relatos sobre os diversos impactos em organismos vivos (animais aquáticos e marinhos, répteis, mamíferos e aves) expostos a esses compostos, seja pela contaminação do ecossistema no qual habitam, seja por meio da alimentação. Vários dos impactos relatados foram detectados concomitantemente com verificação de poluições ambientais, sejam constantes (por exemplo: despejos de esgotos) ou até eventos isolados (grandes derramamentos acidentais). Há ainda relatos de perturbações evidenciadas após a realização de experimentos “in vivo”. Acredita-se, ainda, na possibilidade dessas substâncias estarem relacionadas com doenças como cânceres de mama, testicular e de próstata, e redução da fertilidade masculina. A revisão da literatura sobre o tema mostra a realização de um esforço internacional com o objetivo de investigar os efeitos destes compostos sobre os organismos vivos, como a possível relação entre sua presença em águas de abastecimento e o desenvolvimento de doenças como cânceres de mama e de próstata, anormalidades no desenvolvimento, queda da imunidade, alterações sexuais, neurocomportamentais e de glândulas (BILA E DEZOTTI, 2003; CASTRO, 2002; COMMITTEE ON HORMONALLY ACTIVE AGENTS IN THE ENVIRONMENT, 1999; DAMSTRA et al., 2002; EERTMANS et al., 2003; GREENPEACE BRASIL, 2004; PALANZA et al., 1999; RAIMUNDO, 2007; SNYDER et al., 2003).

A origem dos agentes hormonalmente ativos pode ser natural (fitoestrógenos produzidos por plantas) ou sintética (compostos químicos presentes em produtos de limpeza, pesticidas, plásticos, aditivos alimentares, fármacos, cosméticos, tintas, ou ainda, subprodutos dos processos industriais). Sendo assim, os seres vivos podem ser expostos aos AHAs pela alimentação e consumo de água potável, pelo contato com ar e solo contaminados, ou pelo consumo ou manuseio de produtos industrializados.

Dentre os compostos com grande potencial de atuar como AHA está o 17α-etinilestradiol, hormônio sintético utilizado em tratamentos de reposição hormonal e como constituinte das pílulas anticoncepcionais. Há vários relatos de sua detecção em mananciais e, apesar da baixa prevalência, possui alta estrogenicidade. Relatos da literatura associam a exposição ao etinilestradiol com alterações na biota aquática, como mortalidade e declínio da reprodução de peixes e indução da vitelogenina em peixes-machos (BILA E DEZOTTI, 2007). Acredita-se na possibilidade deste composto afetar a saúde dos homens.

Os efluentes domésticos apresentam presença destes compostos químicos provenientes das atividades antrópicas e, caso os tratamentos de esgoto sanitário sejam insuficientes para removê-los, ocorrerá um aporte destes AHAs nos corpos receptores. Se as águas deste corpo receptor forem captadas para abastecimento humano, a jusante do ponto de lançamento, novas pessoas estarão expostas aos seus efeitos, no caso das estações de tratamento de água (ETAs) também não apresentarem remoção eficiente para os AHAs. Ou ainda, se o efluente ou o lodo de uma estação de tratamento de esgotos for utilizado para irrigação ou piscicultura, novas fontes de exposição estarão configuradas. Os excrementos animais também representam um veículo desses compostos, aumentando o risco de contaminação do solo e dos recursos hídricos.

O monitoramento dos AHAs no meio ambiente e os seus possíveis efeitos deletérios têm atraído o interesse da comunidade científica pelo fato de que muitas dessas substâncias são frequentemente encontradas, em concentrações na faixa de ng.L-1 a μg.L-1, em águas naturais que recebem efluentes de estações de tratamento de esgoto (ETEs) ou o esgoto “in natura”. Snyder et al. (2003) alertam para o aumento, nas últimas décadas, da variedade e das concentrações dos agentes hormonalmente ativos nos corpos d’água para abastecimento humano que recebem despejos industriais ou efluentes de estações de tratamento de esgotos.

Assim, o abastecimento público poderá representar uma via adicional e significativa de exposição da população aos efeitos nocivos dessas substâncias, caso as tecnologias existentes para tratamento de água para consumo humano não consistirem em uma barreira eficaz de remoção ou redução da concentração afluente, em especial o tratamento convencional ou de ciclo completo, solução amplamente empregada.

Como há poucos relatos sobre a eficiência do tratamento convencional na remoção dos AHAs, faz-se necessária a avaliação de suas potencialidades, seja do processo completo ou de suas etapas.

Isto posto, através desse trabalho, objetivou-se avaliar a eficiência de duas etapas componentes do tratamento de água, em escala de bancada, na remoção do 17α-etinilestradiol. As etapas de processos de tratamento de água escolhidas foram a pré-oxidação e a clarificação da água por coagulação, floculação e decantação. A précloração foi realizada com cloro, por meio do NaOCl (hipoclorito de sódio) e a coagulação com sulfato de alumínio e cloreto férrico. As técnicas de tratamento e produtos químicos utilizados foram escolhidas pelo seu baixo custo e larga aplicação em nosso país.

Autores: Fábio José Bianchetti; Valter Lúcio de Pádua; Sergio Francisco de Aquino; Danusa Campos Teixeira dos Santos e Diego Roberto Sousa Lima.

ÚLTIMOS ARTIGOS: