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Por que conservar a natureza é parte dos negócios e da garantia da qualidade de vida?

Conservar a natureza

O desafio de salvar a Amazônia de sua aniquilação depende de uma mudança de percepção de desenvolvimento, na qual as áreas naturais devem ser reconhecidas como um bem de interesse coletivo, que atende a todos indistintamente

Com o passar dos anos, para quem atua na área da conservação da natureza no Brasil, a relação entre a exploração desenfreada, colocada em prática nos séculos passados, e o que se observa nos dias atuais, passa, cada vez mais, a se assemelhar. O que fizemos para tornar o bioma Mata Atlântica um dos mais ameaçados de todo o planeta, se difere do que ocorre nos demais biomas apenas no se se refere à cronologia e à velocidade de destruição. Em nenhum caso, conseguimos até aqui estancar a sangria que destrói nosso patrimônio natural, que ainda pode ser observada em diferentes situações, em todo o território nacional.

Seria de se esperar que os erros cometidos no passado, e que arrasaram quase por completo a Mata Atlântica, servissem de alerta e ensinamento para que a sociedade pudesse tornar as práticas de desenvolvimento menos impactantes, permitindo a manutenção de uma fração suficiente e necessária de remanescentes naturais bem conservados, dentro de uma distribuição coerente com boas práticas. O melhor mecanismo para possibilitar essa conduta foi a criação, na década de 1960 do Código Florestal Brasileiro, com a premissa de reconhecer que parte de uma propriedade privada seria destinada ao interesse público, tanto para o bem-estar de toda a sociedade, como para a viabilidade de atividades produtivas em cada propriedade, promovendo resiliência e garantia de longevidade.

De certa forma, o Código Florestal chegou tarde para mitigar a massiva destruição de alguns ecossistemas associados à Mata Atlântica, a exemplo da Floresta com Araucária, da Floresta Estacional, dos Campos Naturais, dentre outros. Ademais, depois de promulgada esta lei, seguiu de forma intensa a ampla utilização do território, ignorando as regras estabelecidas. Pesou mais a perspectiva do uso de amparo político para dar seguimento a geração de resultados econômicos imediatos, mesmo com os riscos inerentes do excesso de degradação.

A exploração de áreas naturais se inicia com a exploração de madeira nativa, que foi responsável por um processo gigantesco de destruição da Mata Atlântica, do nordeste ao sul do Brasil. Mesmo com o advento de regramentos por meio de Planos de Manejo licenciados pelo poder público, essa atividade representou uma forma de abrir frentes para a entrada da agricultura e pecuária, num processo de extrativismo predatório, sem perspectivas concretas de novos turnos de exploração, premissa mantida apenas na teoria. Difícil observar alguma diferença entre essas práticas do passado recente e o que ocorre hoje no bioma Amazônico, sendo que mais de 90% da madeira explorada por lá atualmente é considerada ilegal.

Agricultura, pecuária e plantações de monoculturas de árvores, em geral exóticas, são os impulsionadores do desenvolvimento rural que mais implicam em uso de território, o que pode ser reconhecido como uma importante geração de divisas e oportunidades de trabalho. Falta, no entanto, o respeito aos princípios de ecologia de paisagem nesta forma de desenvolver práticas em grande escala e sem o respeito à manutenção de áreas naturais conservadas em seus interstícios.

Os necessários holofotes que vêm se intensificando em relação ao futuro da Amazônia não podem ofuscar o atendimento a demandas de proteção da natureza nas demais regiões brasileiras, inclusive, ecossistemas marinhos, cada qual em seu momento próprio de emergência, desde ameaças de extinção de ecossistemas inteiros, exaustão de colheitas seletivas de espécies da flora e da fauna, contaminação biológica e a manutenção de processos de degradação.

Hoje, a perda de alguns milhares de hectares na Floresta Amazônica não pode ser comparada a uma fração similar em outros biomas, pela situação já muito crítica em muitos casos, em que restam apenas fragmentos. Em cada caso, uma prática de intervenção deve ser implementada, sendo todas de extrema importância. Cabe referência ao Cerrado, à Caatinga, ao Pampa e ao Pantanal todos sofrendo processos intensos de degradação nos dias atuais, atingindo negativamente uma fração crescente da população brasileira, que começa a perceber mais claramente os efeitos sinérgicos da perda da biodiversidade e das mudanças climáticas.

Seja em que bioma estivermos buscando um equacionamento que respeite os limites da natureza, é de extrema complexidade enfrentar uma condição econômica e política alinhada com os processos convencionais em curso, e que reproduzem de forma muito precisa, as práticas já proporcionadas no passado. Como mudar cenários frente a orçamentos gigantescos alimentando atividades em que a conservação da natureza vem sendo refutada a último plano, ao mesmo tempo em que as estruturas públicas responsáveis pelo controle e manutenção de nosso patrimônio natural sofrem com uma condição muito além das necessidades mínimas para o cumprimento de suas atribuições?

Está já bastante evidenciado que os rios voadores, gerados pela existência da Floresta Amazônica, podem estar sendo comprometimentos e afetando diretamente o agronegócio do sul e sudeste, ligando a conservação desse bioma com a resiliência nas atividades de produção agrícola de outras regiões do país. Mas esse exemplo, como também os eventos climáticos extremos, que se reproduzem de forma cada vez mais numerosa e intensa, não parecem ainda suficientes para mover de direção o nosso modelo de desenvolvimento, que segue avançando sem que exista uma visão mais crítica sobre o comprometimento de nosso futuro.

O desafio de salvar a Amazônia e os demais biomas brasileiros de sua aniquilação, depende de uma mudança de percepção de desenvolvimento, na qual as áreas naturais devem sem reconhecidas como um bem de interesse coletivo, que atende a todos indistintamente.

Há limites no uso da natureza, o que precisa ser percebido de forma determinante. Oportunidades de negócios que representem impactos ambientais e sociais incompatíveis, precisam ser melhor avaliadas. Cabe, enfim, perceber que atividades econômicas que exacerbam e aviltam o respeito à proteção adequada de áreas naturais, em troca de resultados econômicos mais significativos, se comportam como parasitas e não são aliados de um desenvolvimento consistente com garantias de qualidade de vida e perenidade dos negócios.

Fonte: o eco


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