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A contribuição das frações de fósforo nos esgotos sanitários

Resumo

Este trabalho busca apresentar o cenário atualmente vivenciado no Brasil a respeito da presença de fósforo nos esgotos, abrangendo as diferentes frações do elemento. Com base em resultados de análises laboratoriais, apresenta dados relativos à concentração e contribuição per capita de fósforo, e discute a participação dos detergentes em pó. Para tanto, foram realizadas duas campanhas de coletas no esgoto afluente de 3 estações de tratamento de esgoto (ETEs) localizadas em diferentes regiões do estado de São Paulo, durante 24 horas, ao longo de 7 dias consecutivos. Também, foram levantadas informações a respeito da concentração de fósforo no esgoto afluente dessas ETEs ao longo dos últimos anos, obtidos a partir da rotina de monitoramento executada pelas estações, bem como, foram avaliados dados a respeito da presença de fósforo nos detergentes atualmente comercializados no mercado brasileiro. Os resultados obtidos demonstram que a concentração média de fósforo total (P-total) nas ETEs estudadas situam-se na faixa de 5,3 a 7,6 mg.P/L, apresentando uma tendência de redução ao longo dos anos, em especial a partir de 2011. A concentração do fósforo orgânico (P-org) tende a se manter superior à do fósforo inorgânico (P-inorg), com cerca de 64% do P-total, em média. Tais resultados divergem dos dados disponíveis na literatura clássica a respeito do assunto. Verificou-se que um dos fatores que pode ter contribuído para esse cenário é a introdução no mercado brasileiro dos detergentes em pó com reduzido teor de fósforo.

Introdução

Nos esgotos, assim como nas águas naturais, o fósforo apresenta-se como fosfato, podendo ser encontrado nas formas orgânica e inorgânica. A contribuição das diferentes frações de fósforo nos esgotos sanitários é variável de acordo com as disparidades nas condições culturais e socioeconômicas da população nas diversas localidades, mostrando-se suscetível a alguns fatores como intensidade da atividade urbana, acesso da população a produtos industrializados à base de fósforo e dieta alimentar.

Em decorrência disso, no Brasil, a literatura clássica acerca do assunto aponta para uma faixa de concentração típica de fósforo total (P-total) nos esgotos bastante ampla, da ordem de 5,0 a 20,0 mg.P/L, variável de acordo com diferentes autores. Considera-se que as frações desse elemento estejam distribuídas de acordo com a razão de 40% de fósforo orgânico (P-org) e 60% de fósforo inorgânico (P-inorg), em média (VON SPERLING et al., 2009; RANDALL et al., 2010; JORDÃO e PESSÔA, 2011).

Entender a dinâmica do fósforo nos esgotos e deter dados atualizados a respeito da contribuição das diferentes frações desse elemento é parte primordial das atividades envolvidas no delineamento e concepção de um sistema de tratamento, levando-se em conta os objetivos que se pretende atingir. Isto porque, os diferentes processos de tratamento possuem mecanismos diferenciados para remoção de fósforo, de forma que a análise do comportamento das frações P-total, P-org e P-inorg podem oferecer subsídios para o desenvolvimento de estudos visando à execução das eventuais melhorias operacionais a serem adotadas com vistas a obter uma maior eficiência do sistema.

Por meio da adição de sais metálicos, por exemplo, dependendo da composição do material afluente, pode-se otimizar o processo para remoção biológica do fósforo, precipitando o P-inorg presente nos esgotos por meio da cristalização de estruvita (MgNH4PO4), ou MAP. Além de resultar em ganhos ambientais, estes decorrentes da melhoria da qualidade do efluente e do aumento das taxas de recuperação do fósforo, tal processo pode oferecer vantagens comerciais, uma vez que a estruvita pode ser utilizada como matéria-prima para a indústria de fertilizantes.

Usualmente, conclui-se que a maior participação de P-inorg frente aos resultados de P-org seja resultante do nível de utilização doméstica de produtos industrializados contendo fósforo em suas formulações, em especial dos detergentes. Isto porque, a fração inorgânica desse elemento, representada pelas formas de ortofosfato (Porto) e de polifosfato (P-poli), tem como principal origem nos esgotos os produtos fosfatados utilizados nas residências, além dos lançamentos indevidos de efluentes de origem não doméstica nas redes coletoras.

A contribuição dos detergentes com relação ao total de fósforo presente nos esgotos é um assunto que evoluiu significativamente nas últimas décadas, principalmente devido à crescente expansão do nível de consumo do produto e à evolução das ferramentas regulatórias acerca do assunto. Isto porque, em face da deterioração da qualidade das águas devido à eutrofização, diversos países optaram por restringir ou até mesmo banir o uso de detergentes fosfatados (LITKE, 1999; GLENNIE et al., 2002; EUROPA, 2011; IJC, 2014).

A determinação da contribuição dos detergentes para o total de fósforo nos esgotos pode ser efetuada através de metodologias variadas, tendo como base a realização de procedimentos laboratoriais. Pode-se citar dentre elas, a realização de um estudo comparativo das concentrações de fósforo no esgoto afluente às estações de tratamento de esgotos (ETEs) situadas na localidade que se deseja estudar, antes e depois da adoção de medidas de restrição ou banimento do uso de fosfatos nos detergentes. Na Província de Ontário, no Canadá, por exemplo, calculou-se que a concentração de P-total nos esgotos tenha sido reduzida de 10,0 para 8,8 mg.P/L entre 1967 e 1970, quando foi estabelecida a limitação de 20% em peso para a presença de fósforo nos detergentes. Após dezembro de 1972, quando esse limite passou para 5% em peso, a concentração de P-total nos esgotos foi alterada para cerca de 6,8 mg.P/L (SCHMIDTKE, 1980).

Outra metodologia a ser citada, corresponde ao uso combinado de análises físico-químicas, dados de literatura e informações sobre comportamento de consumo, muitas vezes com base na aplicação de questionários. Através do desenvolvimento desse trabalho em uma sub-bacia hidrográfica da Escócia, no Reino Unido, GILMOUR et al. (2008) verificaram que a concentração média de P-total nos esgotos era de 13,8 mg.P/L e a de P-orto, de 8,8 mg.P/L. A contribuição dos detergentes com relação ao P-total nos esgotos foi dimensionada em 11%. Identificou-se que quase 100% dos produtos utilizados na lavagem de roupas continham fósforo nas formulações, com concentração na faixa de 2,5% em peso.

Ainda no Reino Unido, COMBER et al. (2013) calcularam a contribuição per capita das diversas fontes domésticas para aumento da concentração de fósforo nos esgotos sanitários, com base em dados sobre consumo e concentração típica de fósforo nos produtos. De acordo com esse procedimento, a contribuição dos detergentes foi calculada na faixa de 0,155 a 0,275 g.P/hab.d, o que foi calculado em cerca de 14% do total de fósforo presente nos esgotos.

Face ao exposto, o presente trabalho visa retratar o cenário atualmente vivenciado no Brasil a respeito da presença de fósforo nos esgotos e a dinâmica das diferentes frações desse elemento, levando-se em conta a composição dos detergentes atualmente comercializados no país. Desta forma, busca responder a algumas questões, como: “Qual a concentração de fósforo no esgoto afluente às estações de tratamento? Em quais formas, ou frações, esse elemento se apresenta? Qual é a contribuição dos detergentes?” O objetivo é oferecer uma visão atualizada sobre o assunto e oferecer subsídios para a identificação de alternativas para gerenciamento da presença desse nutriente nos esgotos sanitários.

Autores: Claudia Maria Gomes de Quevedo; Roque Passos Piveli e Wanderley da Silva Paganini.

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