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Avaliação da sustentabilidade do processo de dessalinização de água no semiárido potiguar: Estudo da comunidade Caatinga Grande/RN

Resumo

Embora a água subterrânea seja uma alternativa para o abastecimento humano, muitas vezes apresenta-se imprópria para o consumo devido aos altos índices de sais dissolvidos. Assim, o tratamento de água por osmose reversa surge como alternativa para a obtenção de água potável. O objetivo deste estudo foi avaliar a sustentabilidade ambiental, econômica e social do processo de dessalinização de água subterrânea na comunidade Caatinga Grande em São José do Seridó/RN. Foram realizadas visitas técnicas à comunidade a fim de levantar dados sobre o sistema, verificar a percepção ambiental dos moradores e realizar coletas das fontes principais de água disponíveis no sistema de tratamento hídrico da comunidade. Por meio dos dados coletados constatou-se que o sistema é socialmente sustentável, uma vez que favoreceu a convivência da população com a realidade local. A sustentabilidade econômica e ambiental, apesar dos custos elevados com a manutenção e produção de rejeitos, depende de intervenções políticas e pesquisas avançadas para beneficiar a comunidade, a fim de tornar o sistema autossustentável. Conclui-se que, para o desenvolvimento de comunidades rurais, o sistema de dessalinização de águas subterrâneas é uma metodologia viável quando se emprega técnicas pós-tratamento e recursos financeiros de maneira sustentável.

Introdução

A oferta de água no semiárido é um dos maiores desafios para os governos e para a sociedade, no que tange à escassez para a produção de alimentos e para o abastecimento. O crescimento populacional nessas áreas tem exigido enormes volumes de água, inclusive nos anos de seca. No embasamento cristalino, o problema agrava-se ainda mais, visto que o solo da depressão sertaneja é raso, pedregoso e com pouca drenagem, afetando a quantidade e a qualidade da água subterrânea.

Diante deste quadro, a exploração das águas subterrâneas tem se tornado uma alternativa para o abastecimento humano e animal. Em contrapartida, as águas comumente encontradas possuem altos índices de sais dissolvidos, ultrapassando os limites máximos permitidos deste parâmetro na água para o consumo humano, de acordo com a Portaria MS Nº 2.914 de 2011 (BRASIL, 2011). Por conseguinte, a dessalinização por osmose reversa representa uma opção para que essa água possa ser consumida com segurança pela população, uma vez que o processo de tratamento de água pelo sistema de dessalinização não permite a passagem de bactérias e reduz os teores de sais.

A dessalinização de água por osmose reversa é um processo de hiperfiltração que retira parte dos sais de água salobra, proveniente de poços ou do mar. Essa filtração é do tipo cruzada, a qual movida por uma força motriz de pressão permite a passagem da água da região concentrada para menos concentrada acompanhada por pequena quantidade de sais, originando uma corrente de água purificada compatível com os padrões de potabilidade (SOARES et al., 2005; MONTEIRO, 2009). Deste modo a água produzida em comunidades que possuem este sistema apresenta reduzidos o teor de sais e os contaminantes microbiológicos prejudiciais à saúde humana (MONTEIRO, 2009).

No entanto, independentemente da eficiência da membrana e da estrutura instalada dos dessalinizadores, o sistema produzirá a água potável, mas também irá gerar um rejeito altamente salino e de poder poluente elevado que precisa de um manejo adequado sobre pena do efeito na salinização do solo ameaçar o bem-estar da população (SOARES et al., 2005).

Neste contexto, a busca pelo desenvolvimento sustentável não deve ser entendida apenas pela dimensão física, pois os aspectos ambientais precisam se fundamentar, sobretudo, aos aspectos sociais, já que ambos poderão alterar ou proteger os modos de vida da população (OJIMA, 2013). Buarque (2002 p.15) acrescenta que os discursos sobre modelos para enfrentamento dos desafios atuais têm levado à “formulação de novas concepções de desenvolvimento – endógeno, humano, local – entre as quais a proposta de desenvolvimento sustentável”. O autor cita a relevância do planejamento dessas ações no escopo local pela proximidade do cidadão, com seus problemas e a efetivação de mecanismos de participação.

O desenvolvimento sustentável envolve as dimensões do plano social, ambiental e econômica (SACHS, 2008; SEN, 2010). Requer a adoção de padrões mais justos e com maior respeito pela natureza aonde a política tem um papel importante (SACHS, 2008). Para Amarthy Sen (2010) o desenvolvimento compreende um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas gozam. As liberdades são fins e meios do desenvolvimento no qual se assegura a remoção das principais fontes de privação de liberdade: pobreza, disparidades sociais e autoritarismo. Sachs (2008) considera a cultura, as políticas nacionais e internacionais e as dimensões ecológicas e territoriais como critérios para a sustentabilidade.

Para estimar a sustentabilidade no tratamento da destinação do rejeito da dessalinização, implica considerar características locais e regionais, como geologia, clima, terra, disponibilidade hídrica, distância, assim como o volume de concentrado, os custos envolvidos, a opinião pública e a permissibilidade. Pesquisas avaliam o uso de rejeito em sistemas construídos para habitat de peixes e plantas (AMORIM et al., 2001). Dubon e Pinheiro (2001) observaram resultados promissores ao investigar o crescimento da tilápia (Oreochromis) em águas de elevada salinidade.

Na comunidade Caatinga Grande localizada no município de São José do Seridó/RN, a água para consumo humano era fornecida por um dessalinizador de osmose reversa. No entanto, os rejeitos oriundos da atividade geraram poluição do solo, ocasionando em problemas com a população, órgãos ambientais e, sobretudo preocupação dos beneficiários que temiam a paralisação do projeto (MEDEIROS, 2008).

Diante desta problemática, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) desenvolveu um projeto junto à comunidade, no qual o rejeito do dessalinizador era enviado para tanques de criação de tilápia e, após ser enriquecido com matéria orgânica do pescado, o efluente seria aproveitado para a irrigação da erva sal (Atriplex nummularia), e finalmente o uso da forragem na produção de feno para a engorda de ovinos e/ou caprinos. O referido projeto é considerado na região um avanço socioeconômico e socioambiental, além de compreendido como uma proposta que contribui para o desenvolvimento em bases sustentáveis pelo foco na permanência e continuidade dos avanços na melhoria da qualidade de vida da população (BUARQUE, 2002).

Para os propósitos deste estudo, o foco é a avaliação de um sistema de dessalinização de água subterrânea gerido pela comunidade usuária, superando-se o determinismo, com ênfase no protagonismo de pessoas que habitam as terras, atores histórico-sociais de um cenário recorrente de análises das possibilidades de desenvolvimento humano endógeno (SANTOS, 1991; DIEGUES, 2000; BUARQUE, 2002; MORIN, 2003). Esses autores têm mencionado nas suas abordagens o processo de ebulição de movimentos locais pelo mundo, dando visibilidade ao viés emancipatório desses movimentos e como uma contraposição ao caráter uniforme imposto pelo globalismo.

O sistema de dessalinização de água subterrânea na comunidade Caatinga Grande é um projeto socialmente conceituado, ao permitir o acesso à água potável por parte da comunidade que convive com a escassez de água do semiárido, mesmo sem chuvas. Então, elaborou-se o presente estudo com o objetivo de avaliar a sustentabilidade no âmbito ambiental e socioeconômico do processo de dessalinização de água subterrânea na comunidade Caatinga Grande, através do repertório da contaminação ambiental pela deposição do rejeito salino nos corpos receptores, da qualidade da água dessalinizada por osmose reversa e da percepção dos moradores da comunidade com relação à relevância do sistema.

Autores: Lidiane Gomes Pinheiro; Douglisnilson Morais Ferreira; Fernanda Lourenço da Silva; Josimar Araújo Medeiros; Luciana Castro Medeiros; Paula Dorti Peixe e Sueli Aparecida Moreira.

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