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Avaliação do processo Anammox como pós-tratamento de efluente anaeróbio: efeito da temperatura sobre a remoção de nitrogênio amoniacal

Resumo

O processo anammox tem sido considerado uma alternativa bastante promissora para a remoção de nitrogênio amoniacal de efluentes. Este processo tem sido principalmente aplicado ao tratamento de efluentes ricos em amônio e com baixa relação Carbono/Nitrogênio, mas já se mostrou adequado ao tratamento de esgotos domésticos, e em temperaturas em torno de 30 ºC. Apesar dos avanços desta tecnologia, poucos estudos reportaram a aplicação do processo anammox para a remoção de N-amoniacal de efluentes provenientes de processos anaeróbios, como por exemplo, no pós-tratamento de efluentes de reatores UASB tratando esgoto doméstico e à temperatura ambiente.

Desse modo, a presente pesquisa avaliou a aplicação do processo anammox no pós-tratamento de esgoto doméstico proveniente de reator UASB, utilizando um RBS submetido às temperaturas de 35, 25 e 20 ºC. As condições operacionais testadas revelaram que as bactérias com atividade anammox se mostraram resistentes à rápida mudança de temperatura, mantendo seu metabolismo sem prejuízos à eficiência do processo. As eficiências de remoção de nitrito e amônio se mostraram elevadas nas três temperaturas testadas, notando-se maior estabilidade a 25 ºC. Os resultados indicaram que o processo pode ser aplicado com estabilidade ao pós-tratamento de reatores UASB tratando esgotos domésticos sem efeitos de inibição, em regiões onde o efluente a ser tratado apresente temperatura entra 20 e 35 ºC. Além disso, verificou-se que bactérias com atividade anammox e desnitrificantes puderam coexistir, indicando o processo como uma alternativa promissora ao pós-tratamento de esgotos domésticos.

Introdução

O nitrogênio (N), fundamental para os micro-organismos por compor diversas biomoléculas como ácidos nucleicos, proteínas e clorofila, quando em excesso no ambiente pode impactar negativamente o meio ambiente e a saúde pública. Impactos ao meio ambiente relacionam-se à eutrofização dos corpos d’água, toxicidade à vida aquática e depleção do oxigênio dissolvido devido à oxidação do íon amônio (VAN DE GRAAF et al., 1995; BERNHARD, 2012; HU et al., 2013). Com relação à saúde pública, relaciona-se o nitrato, que pode estar associado a doenças como a metahemoglobinemia em crianças (síndrome do bebê azul) e também à ocorrência de câncer gástrico em adultos (CASTAÑEDA-CHAVEZ et al., 2010; SCHEEREN et al. 2011; HU et al. 2013; JAISWAL et al., 2015).

Por isso, tecnologias e estratégias para a remoção de nitrogênio vêm sendo desenvolvidas empregando-se basicamente processos físicos, químicos e biológicos (KUNZ et al., 2009; LARA, 2009; SCHEEREN et al., 2011).

O processo de oxidação anaeróbia do amônio (anammox) tem sido considerado uma alternativa bastante promissora para a remoção de nitrogênio amoniacal de efluentes. Esse processo biológico consiste na oxidação anaeróbia do íon amônio (NH4+) diretamente a nitrogênio gasoso (N2) utilizando o nitrito (NO2-) como aceptor de elétrons, conforme a Equação 1 (MULDER et al., 1995), e é mediado por bactérias quimiolitoautotróficas, detentoras de metabolismo único (STROUS et al., 1998). Diferentes reatores vêm sendo utilizados com sucesso para desenvolver e reter bactérias com atividade anammox, destacando-se os reatores em batelada sequenciais (RBS) (LACKNER et al., 2014), e este processo tem sido principalmente aplicado ao tratamento de efluentes ricos em amônio e com baixa relação Carbono/Nitrogênio (C/N) (TOH e ASHBOLT, 2002; EGLI et al., 2003; DAPENA-MORA et al., 2007; TANG et al., 2011; LI-DONG et al., 2012; MAGRÍ et al., 2012, ALI e OKABE, 2015), mas já se mostrou adequado ao tratamento de esgotos domésticos (VLAEMINCK et al., 2012; LEAL et al., 2016).

1,32 NO2-+1 NH4+ → 1,02 N2 + 0,26 NO3- Equação (1)

As condições ambientais, operacionais e as características do esgoto, tais como concentração de oxigênio dissolvido, substratos como nitrito, nitrato, N-amoniacal, carbono orgânico e inorgânico, devem ser avaliados, pois os efluentes anaeróbios se diferem dos outros efluentes devido à presença de compostos orgânicos e baixas concentrações de N-amoniacal (ZHU et al., 2008; SCHEEREN et al., 2011; SANCHEZ et al., 2014).

De acordo com Oshiki et al. (2011) e Ali et al. (2015), a matéria orgânica remanescente do esgoto doméstico proveniente de tratamento anaeróbio pode inibir as bactérias com atividade anammox, ao passo que favorece o desenvolvimento das bactérias heterotróficas, que competem com as anammox pelo aceptor de elétrons. Com relação ao pH ideal para o crescimento das anammox, Strous et al., (1999) relataram valores entre 6,7 e 8,7, enquanto Gao e Tao (2011) indicaram a faixa entre 6,7 e 8,3.

O pós-tratamento de efluentes domésticos utilizando o processo anammox tem sido alvo de pesquisas em países da Europa, Ásia e América do Norte, onde foram indicadas condições e estratégias operacionais ótimas distintas entre si, principalmente em relação à temperatura (STROUS et al. 1997; KUENEN 2008; GAO e TAO 2011; JENNI et al. 2014; ALI e OKABE 2015; MA et al. 2016 ). Ressalta-se que a maior parte dos experimentos conduzidos em temperaturas mais altas foram mantidos sob aquecimento, devido ao clima local proporcionar efluentes com temperatura abaixo da faixa designada como ideal para o metabolismo anammox.

A temperatura também mostra-se como fator-chave para o crescimento e metabolismo dos microrganismos, além de influenciar sua abundância (SCHEEREN et al., 2011; ALI E OKABE, 2015; MA et al., 2016). Temperaturas maiores estavam, normalmente, associadas à maior multiplicação celular, porém quando muito altas, podem inibir a atividade de forma irreversível em decorrência da lise celular. Strous et al., (1997) e Gao e Tao (2011) relataram que o processo anammox opera na faixa de 20 a 43 ºC, com ótimo de 40±3 ºC. Já Ali e Okabe (2015) consideram 37 ºC como temperatura ótima. De acordo com Zhu et al., (2008), a taxa de reação das bactérias anammox reduz consideravelmente em temperatura menor que 15 ºC e maior que 40 ºC. Dosta et al., (2008) e Isaka et al., (2008) relataram que esta redução já ocorre de 15 a 20 ºC. Kuenen (2008), Jenni et al., (2014) e Ma et al., (2016) também consideram a temperatura como fator-chave no bom desempenho dos reatores anammox, o que limitaria este processo a efluentes com temperatura em torno de 30 ºC. Apesar dos avanços desta tecnologia, poucos estudos reportaram a aplicação do processo anammox para a remoção de N-amoniacal de efluentes provenientes de processos anaeróbios, como por exemplo, no pós-tratamento de efluentes de reatores UASB tratando esgoto doméstico, além da maioria das pesquisas reportarem temperaturas de operação elevadas, o que faz necessária esta investigação.

A aplicação do processo anammox para o tratamento de efluentes quentes e concentrados caracterizados por temperatura acima de 25 ºC e concentração de nitrogênio no afluente superior a 100 mgN.L-1, está atualmente no estado da arte deste processo (VAN HULLE et al., 2010). A aplicação em temperaturas e concentrações de nitrogênio mais baixas permitiria estender o potencial de aplicação de processos relacionados com anammox ao pós-tratamento de esgoto, abrindo novos cenários possíveis na concepção de estações de tratamento de efluentes produzindo energia (KARTAL et al., 2010).

Pesquisa desenvolvida no âmbito nacional indicou que o processo anammox pode ser aplicado com sucesso ao pós-tratamento anaeróbio de esgotos domésticos (Leal et al., 2016), entretanto, as condições operacionais mantidas neste experimento seguiram parâmetros obtidos em estudos conduzidos em países com clima distinto do Brasil, principalmente no que tange à temperatura, mantendo ainda os reatores aquecidos (temperatura de 35 ºC) durante o enriquecimento e operação. Para que futuramente seja possível a aplicação deste processo ao pós-tratamento de efluentes de sistemas de tratamento de esgotos em maior escala, é necessário obter as melhores condições quanto à sua operação, mesmo que em menor escala, mas adaptadas à realidade, ou seja, temperatura ambiente.

Desse modo, a presente pesquisa objetivou avaliar, em escala laboratorial, a aplicação do processo anammox no pós-tratamento de esgoto doméstico proveniente de tratamento anaeróbio (reator UASB), utilizando para isso, um reator em batelada sequencial submetido às temperaturas de 35, 25 e 20 ºC.

Autores: Luyara de Almeida Fernandes; Alyne Duarte Pereira; Cíntia Dutra Leal; Carlos Augusto de Lemos Chernicharo e Juliana Calábria de Araújo.

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