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Novos paradigmas para a elaboração de planos diretores de abastecimento de água

Resumo

Este trabalho apresenta novos paradigmas utilizados no desenvolvimento do Plano Diretor de Abastecimento de Água (PDAA) da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). As metrópoles, como a Região Metropolitana de São Paulo, apresentam uma complexidade na escolha de seus mananciais e na topologia de sua rede de abastecimento de água que exigem critérios especiais no desenvolvimento de seu plano diretor de abastecimento de água. O objetivo do presente trabalho é apresentar algumas premissas que estão sendo assumidas no desenvolvimento do Plano Diretor de Abastecimento de Água (PDAA) da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). São apresentados os conceitos de risco, prejuízo e resiliência e como eles interferem nas soluções adotadas. Nas projeções de população e demandas são abordadas as questões relativas a pontos de atração de densificação populacional, surgimento de grandes empreendimentos imobiliários e a consideração realista das perdas reais de água no sistema. São descritos os usos de modelagem hidráulica e sistemas de informação geográfica e os ganhos de qualidade obtidos com os estudos. São discutidas questões inerentes aos mananciais, como a necessidade do Plano Diretor estar alinhado com os Planos Regionais de Recursos Hídricos, avaliar o impacto da ocupação das áreas de mananciais sobre as soluções de tratamento de água e também a possibilidade de se considerar o reuso direto ou indireto dos efluentes tratados. Na concepção das adutoras, são levados em consideração a interferência com as obras de infraestrutura existentes, a flexibilidade operacional para situações de contingência e a otimização energética das estruturas de recalque e de adução. O artigo procura demonstrar algumas alternativas não usuais adotadas para se ajustar às condições peculiares da RMSP, como a sua dimensão, alta densidade de ocupação de algumas áreas, idade da rede, necessidade de integração dos sistemas produtores através da adução de água tratada, setores de abastecimento com áreas muito grandes e baixa disponibilidade de recursos hídricos. O texto procura divulgar algumas ideias discutidas ao longo do desenvolvimento do PDAA que possam ser de utilidade para outras cidades de grande porte ou outras regiões metropolitanas.

Introdução

Os planos diretores de abastecimento de água são estudos fundamentais para o planejamento de uma empresa de saneamento, indicando as necessidades de investimentos em obras ao longo do tempo para garantir o abastecimento de água à população com confiabilidade, qualidade da água adequada e segurança do sistema de infraestrutura.

Os planos diretores são peças dinâmicas, não devem ser considerados como documentos estáticos, pois o seu conteúdo precisa ser continuamente reavaliado em função da dinâmica das cidades. Embora exista uma metodologia clássica para se elaborar um PDAA, há casos em que as situações são especiais e, portanto, devem ser considerados de forma peculiar.

A RMSP é uma área caracterizada por grande densidade populacional, escassa oferta de recursos hídricos na sua área e possui dimensões gigantescas de sua infraestrutura física para abastecimento de água. São nove sistemas produtores principais que atendem à região, sendo todos eles, em maior ou menor grau, interligados por seus sistemas adutores de água tratada. Os sistemas produtores possuem áreas de influência, as quais, em suas “bordas”, caracterizam-se por áreas de interface entre os sistemas, podendo ser abastecidas por mais de um sistema produtor. Além disso, possui a característica de ter sua área de atendimento dividida em setores, cada setor sendo atendido por reservatório setorial específico. Recentemente, a RMSP passou por uma situação de escassez hídrica incomum, que evidenciou a necessidade de se considerar possíveis ocorrências futuras semelhantes. A interrupção do abastecimento por causas acidentais ou de rotina operacional de manutenção pode causar impactos em uma população de grande monta, o que exige uma estratégia de atendimentos contingenciais ou a dualidade de fontes de abastecimento.

Anteriormente à crise hídrica, a projeção das demandas futuras, que condiciona as datas de ampliação e os portes das novas estruturas de abastecimento, já era uma etapa sensível do Plano Diretor, dadas as incertezas dos efeitos das ações de redução de perdas sobre as demandas totais. As demandas específicas dos setores de abastecimento, em alguns casos, são muito sensíveis às alterações de ocupação do solo, à dinâmica da economia, ao controle das perdas e às mudanças dos hábitos de consumo.

Após a crise hídrica, quando o sistema de abastecimento voltou a ofertar uma quantidade de água normal, observou-se uma redução do consumo total. Essa redução poderia ser explicada pela mudança de hábitos de consumo, adquiridos durante a crise hídrica, em função de bônus nas tarifas oferecidos a quem reduzisse seus consumos e ônus a quem ultrapasse os limites estabelecidos para os consumos individuais. Conjuntamente, o período pós crise hídrica coincide com um período de forte recessão econômica, que inibe as atividades produtivas, com redução dos consumos comerciais e industriais e além disso a queda de renda e o desemprego forçam uma diminuição dos consumos individuais médios. A grande dúvida que permanece é se os consumos individuais voltarão aos patamares anteriores à crise hídrica ou a que novos valores tenderão após algum tempo e que tempo seria esse.

Dessa forma, foi um desafio que levou à necessidade de se avaliar diversos cenários de consumos futuros, de uma forma inovadora em relação aos planos diretores anteriores.

Todos os estudos de sistemas de abastecimento assumem um determinado nível de risco de falha ou complementarmente, um determinado nível de garantia, desde o processo dos mananciais até os processos de tratamento, adução e distribuição da água. Desta forma, neste novo plano diretor foi avaliado o efeito de se aumentar as garantias sobre os investimentos necessários. As consequências de uma falha sobre parte ou todo o sistema de abastecimento afeta um número de pessoas muito elevado, o que dificulta seu atendimento contingencial e agrava os prejuízos advindos dessa falha. O sistema deve estar preparado para poder atender a população, mesmo que de forma degradada, durante os períodos de contingenciamento do abastecimento, isto é, deve-se procurar aumentar a resiliência do sistema, preparando a metrópole para absorver os impactos de uma crise com os menores danos possíveis.

Em uma região como a RMSP, onde há uma escassez de mananciais para atendimento da população, há a necessidade de se buscar novas fontes de água bruta. Uma alternativa clássica é o aproveitamento das águas subterrâneas, mas no caso específico da RMSP, não há condições geológicas favoráveis do aquífero, um volume suficiente para atendimento em grande escala. Outra opção, ainda com poucos casos no mundo, é o aproveitamento de águas de reuso para fins potáveis. O plano diretor fez uma análise de viabilidade do aproveitamento para uso indireto dessas águas.

Uma questão importante em grandes cidades, que naturalmente já são antigas, é a necessidade da renovação de parte da infraestrutura, no caso, tubulações de adução e distribuição, reservatórios, elevatórias e estações de tratamento de água. O atual plano diretor fez avaliações de cenários onde simplesmente se substitui uma estrutura e outros em que se abandonam as estruturas antigas e se propõem novas obras em locais ou em caminhamentos diferentes aos existentes.

Esse conjunto de aspectos que diferenciam o plano diretor de abastecimento de água da RMSP conduziu a um conjunto de soluções que se diferencia dos planos diretores usuais de pequenas e médias cidades.

Autores: Luis Felipe Macruz; Kamel Zahed Filho; Gladys Fernandes Januario Serzano; Vagner Almeida Lima e Fabiana Rorato de Lacerda Prado


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