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Mudança climática pesou mais que El Niño na última onda de calor, dizem cientistas

Temperatura no Sudeste/Centro-Oeste do Brasil ficou de 1,4°C a 4,5°C acima do normal no início da primavera, e análise sugere que 90% da culpa é do aquecimento global

Mudança climática

Primeiramente um grupo de cientistas brasileiros e europeus divulgou hoje uma análise indicando que a mudança climática teve peso maior do que o fenômeno El Niño em criar a onda de calor que assolou a América do Sul entre o fim de inverno e início desta primavera.

Os pesquisadores do consórcio World Weather Attribution (WWA), que reúne diversas universidades e institutos de pesquisa, afirmam que a probabilidade de ocorrência das temperaturas registradas no Sul/Centro-Oeste do Brasil e no Paraguai aumentou pelo menos 100 vezes com o aquecimento global, que é o grande culpado pelos recordes recentes de temperatura.

O El Niño, um fenômeno natural e cíclico, caracterizado pelo superquecimento das ondas do Oceano Pacífico, teve um papel pequeno.

— O que capturamos pelas observações foi um aumento de cerca de 5°C na temperatura para esse evento, da qual o El Niño teria contribuído 0,5°C — afirmou Sara Kew, do Instituto Real de Meteorologia da Holanda, que lidera o grupo. — Nós ainda precisamos usar modelos de simulação climática para determinar exatamente quanto o aquecimento antropogênico pode ser culpado, mas com base nas séries de dados observados podemos dizer que o papel do El Niño está em apenas cerca de 10%.

Impactos

Segundo os cientistas, outros fenômenos extremos registrados no continente nesta temporada (incluindo a seca na Amazônia e as chuvas na bacia do Prata) são bastante relacionados ao El Niño. O impacto do Pacífico nas temperaturas do Sudeste/Centro-Oeste do Brasil, porém, é menor.

O que o estudo aponta de mais preocupante é que um extremo de temperatura que deveria ser bastante raro está se tornando mais comum.

— Nós descobrimos que um evento dessa magnitude ocorre a cada 30 anos no clima de hoje, e sem muita surpresa, nossas descobertas indicam que a mudança climática induzida por humanos resultou no clima sendo de 1,4°C e 4,3°C mais quente do que teria sido se os humanos não tivesse contribuído para o aquecimento global pela queima de combustíveis fósseis — afirmou o cientista Izidine Pinto, também do centro holandês.

A análise dos pesquisadores, que concederam uma entrevista coletiva nesta manhã, está em linha com previsões do IPCC, o painel do clima da ONU.

O novo trabalho indica que o clima na região ficou praticamente todo numa faixa acima da meta de 1,5°C de aquecimento estabelecida pelo Acordo de Paris para o clima global. É um nível preocupante, ainda que ocasionalmente seja esperado que observações de médias regionais fiquem acima de metas para as médias globais.

‘Primaverão’

Segundo os pesquisadores, a onda de calor apelidada de “primaverão”, que viu temperaturas acima de 40°C em várias cidades do continente.

O estudo descreveu em detalhes o cenário meteorológico que provocou a onda de calor.

— Isso foi ocasionado por uma massa de ar quente bastante persistente durante vários dias consecutivos, que causou todo esse impacto não só do ponto de vista climático, mas também do ponto de vista social e ambiental, levando a incêndios florestais, impactos na saúde pública e outros — afirmou Lincoln Silva, cientista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), outro coautor do trabalho.

Portanto o levantamento teve também parceria com especialistas da Cruz Vermelha, que vasculharam dados sobre impacto sanitário do calor no mês passado.

Foram achados quatro registros de mortes associadas a altas temperaturas, mas os pesquisadores afirmam que os números reais só podem ser inferidos depois.

Em suma o estudo aponta que uma grande parte da população está equipada apenas com ventiladores para sobreviver a ondas de calor nas cidades.

Ciência emergencial

Portanto o trabalho dos cientistas foi divulgado na forma de um estudo preliminar, ainda sem revisão independente, porque o grupo pretende estimular governos e autoridades da região a antecipar planos de ação para conter o impacto das ondas de calor.

— Submeter um trabalho para revisão por pares em um periódico cientifico toma muito tempo. O que nós fazemos é usar um protocolo bem definido para entender um evento rapidamente e chamar a atenção da sociedade e de formuladores de política sobre quão importante é lidar com esse tipo de evento mais frequente agora — diz Lincoln Silva. — Publicar um estudo formal pode levar até dois anos, e quando o trabalho está publicado, o público já não se lembra bem daquele evento.

Em conclusão Kew afirma que o WWA faz análises desse tipo desde 2014, e que não precisou remendar relatórios públicos nenhuma vez até agora. Apenas atualizaram detalhes técnicos. Os estudos produzidos seguem uma metodologia que já foi validada, e os resultados de cada trabalho passam pelo crivo de revistas especializadas depois da divulgação.

Fonte: UM SÓ PLANETA


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