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A hora e a vez da macaúba: espécie brasileira atrai investimentos bilionários com esperança de descarbonização para agroenergia

Imagine poder produzir óleo vegetal e combustível sustentável para a aviação a partir de uma mesma planta, que tem alta produtividade em seu plantio

A hora e a vez da macaúba espécie brasileira atrai investimentos bilionários com esperança de descarbonização para agroenergia

E que tal espécie permite, paralelamente à cultura, recuperar terras degradadas, poupar a floresta amazônica de novas ondas de desmatamento e ainda obter subprodutos como proteínas vegetais, ração animal e produtos cosméticos? Ah, e sem esquecer da geração de créditos de carbono.

Pesquisadores, empresas e até organizações ambientais então acreditam que esse é um cenário possível com a macaúba (Acrocomia aculeata). Ela é uma palmeira nativa brasileira que alcança 25 metros de altura. Seus frutos, pequenos cocos que produzem dois tipos de óleo com diversas aplicações. Consideram-se uma grande esperança para a descarbonização de setores como a aviação e agricultura.

Isso porque a macaúba tem vantagens estratégicas sobre as duas principais espécies usadas para produzir biocombustível e óleo vegetal na atualidade: respectivamente, soja e dendê. No primeiro caso, a produtividade da macaúba é muito maior, segundo especialistas. “Mesmo sem melhoramento genético, consegue-se produzir cerca de 4 mil quilos de óleo por hectare”, diz a pesquisadora da Embrapa Agroenergia, Simone Fávaro. Enquanto isso, a soja produz cerca de 500 quilos de óleo por hectare.

Inclusive, um estudo encomendado pela WWF Brasil e realizado pela Atrium Forest em 2022 já constatou que a macaúba tem capacidade de produzir óleo suficiente para satisfazer de forma sustentável à crescente a procura interna e global por biodiesel, “sem exigir uma mudança no uso da terra e sem reduzir o rendimento das pastagens”.

Produtividade da Macaúba

Já em comparação com a palma, ou dendê, a produtividade da macaúba é semelhante. Mas pesa a favor da segunda o fato dela ser uma espécie brasileira e acostumada aos diversos solos e regimes climáticos presentes no país. Pode-se plantar inclusive sobre pastagens degradadas, ajudando a recuperar o solo. A palma, por outro lado, tem origem africana e só se desenvolve em ambientes muito quentes e úmidos. Isto consequentemente gera pressão sobre o bioma amazônico, onde sua produção brasileira se concentra.

De olho nesse potencial, startups e grandes empresas internacionais estão investindo na macaúba. Durante a COP28, a Acelen Renováveis anunciou um investimento de R$ 10 bilhões no Brasil para produzir combustível sustentável para aviação (SAF) a partir da macaúba. Acelen é uma empresa de energia do Mubadala Capital, fundo ligado ao governo dos Emirados Árabes Unidos. Startups como S.Oleum e Inocas também conduzem projetos ambiciosos para plantar centenas de milhares de hectares de macaúba no país. Portanto, ajudarão também a recuperar terras degradadas no Cerrado.

Uma velha conhecida

Não é de hoje que se conhece o potencial da macaúba. Segundo Sérgio Motoike, engenheiro agrônomo, pioneiro nas pesquisas sobre uso da macaúba no Brasil, sua exploração data pelo menos desde a década de 1930, quando passou a se utilizar o óleo do seu fruto como substituto de banha. O produto chegou a ser razoavelmente utilizado para produzir sabão e até foi exportado pelo Brasil dessa forma. Mas, na década de 70, perdeu espaço para um competidor que chegou tomando quase todo o mercado de óleos vegetais.

“Por volta de 1970 chegou a soja, que começou a ser plantada de forma organizada, e a qualidade do seu óleo superou a da macaúba. Pois o fruto da macaúba, como era de origem extrativista, tinha seu aproveitamento mais demorado, com muito desperdício. E para a soja já havia maquinário que gerava óleo de alta qualidade”, explica o pesquisador.

Porém, essa expansão veio com grande custo ambiental. A soja causou grandes ondas de desmatamento no Brasil. Entre 1985 e 2021, a soja passou a ocupar, sozinha, 10% do Cerrado. Foi assim a maior contribuidora para a perda de 27,9 milhões de hectares de vegetação nativa no bioma, segundo o MapBiomas.

O dendê tem história semelhante em seu desenvolvimento. Protagonizou também uma grande devastação na Indonésia. Um estudo de pesquisadores de sete países estimou que, entre 2001 e 2019, a espécie foi responsável por uma devastação de 3,09 milhões de hectares. Isto equivale a um terço do desmatamento observado no país nesse período.

Expansão do dendê

No Brasil, a expansão do dendê começou nos anos 2010, como alternativa para produtores rurais incentivada pelo governo e estratégia para recuperar pastos degradados na Amazônia. Mas especialistas apontam que a espécie é um fator de pressão para o bioma amazônico, na medida em que induz pecuaristas a levarem seus rebanhos para mais dentro da floresta. Além disso, o dendê já foi apontado como fator de conflito em fronteiras com Terras Indígenas e outros povos tradicionais.

Conforme se tornaram conhecidos os problemas socioambientais dessas culturas, a macaúba (assim como outras espécies, como a mamona) foi novamente explorada, mas a utilização em larga escala esbarrava na dificuldade em possibilitar a germinação da semente, para o plantio induzido. O grupo de Motoike então se debruçou sobre essa questão, até que em 2007 se chegou a uma técnica efetiva que permite estabelecer um ciclo de aproveitamento da macaúba em grande quantidade.

“De lá para cá, muita coisa foi estudada, desenvolveu-se formas de adubar, otimizar a produção. E hoje a macaúba pode ser plantada de forma eficiente e sustentável”, diz Motoike, que desenvolveu o principal banco de germoplasma de macaúba existente no Brasil, com uma variedade de materiais genéticos que vêm sendo explorados pelas empresas interessadas na macaúba.

O potencial da macaúba

Quem aposta na macaúba defende que ela pode ser muito mais eficiente do que o dendê na recuperação de pastagens degradadas.

“A diferença [entre dendê e macaúba] é a exigência hídrica. Você consegue produzir a macaúba em lugar onde não dá o dendê. E o grande problema deste último é que, em razão da necessidade mundial de óleo, cresceu muito a produção e de forma impensada. E nós ficamos reféns disso, porque não há substituto para o óleo de dendê – a não ser a macaúba, agora”, aponta Sérgio Motoike.

Mas o potencial não é apenas ambiental, mas também econômico. Foi o que percebeu a S.Oleum, startup que pretende plantar 180 mil hectares de macaúba no Cerrado (sobretudo no centro e noroeste de Minas Gerais) até 2029. A ideia é instalar unidades de processamento junto aos polos produtivos, para dar ao recurso os múltiplos destinos que ele possibilita: produtos alimentares, cosméticos e – o que deve constituir a maior parte da demanda pela macaúba no futuro – biocombustíveis.

“Esses coprodutos da macaúba, que ninguém dava atenção, para mim foram o diferencial na decisão de investir. Pois, além dos dois óleos, você produz biomassas com características diferentes, proteínas, amido, celulose, etc. Enquanto a soja e a palma geram apenas óleo e farelo, com a macaúba podemos fazer muito mais produtos”, conta Felipe Morbi, cofundador e vice-presidente da S.Oleum, que iniciou suas pesquisas com a macaúba nos laboratórios do professor Sérgio Motoike. O negócio está em fase de obtenção de recursos para iniciar a plantação em 2025.

Recursos que não são um problema para a Acelen Renováveis, que, financiada pelos Emirados Árabes, anunciou por meio do programa Seed to Fuel um investimento de R$ 12 bilhões para produzir a partir da macaúba o que pode ser uma das soluções ambientais mais aguardadas na atualidade: um combustível sustentável para aviação (SAF) barato e eficiente.

“Ela tem alta produtividade de óleo, que é o que precisamos para avançar com combustível renovável. Com uso eficiente da água, do solo, é perene no Brasil e apta a regiões mais secas, ajudando na recuperação da biodiversidade e com impacto social e econômico positivo. Pode ser solução sustentável e eficiente a longo prazo para a grande demanda que é imaginada”, diz Yuri Orse, diretor de novos negócios da empresa.

O plano da Acelen prevê produzir 1 bilhão de litros de SAF, estimando que isso ajude a reduzir em até 80% as emissões de CO2 com a substituição do combustível fóssil nas aeronaves. Em 2023, a produção desses combustíveis sustentáveis no mundo inteiro foi de 600 milhões de litros, de acordo com a Associação Internacional de Transportes Aéreos (Iata). A produção deve triplicar este ano, mas ainda representaria menos de 1% de todo o combustível usado pela aviação – um dos setores mais cobrados internacionalmente para ser mais ambicioso em suas metas de descarbonização.

Todos esses projetos são a longo prazo. Afinal, é importante lembrar outra característica importante da macaúba: ela leva 5 anos após o plantio para dar frutos. E os testes já realizados com plantação em larga escala ainda são limitados – o que chama a atenção para desafios que a expansão sistêmica dessa espécie ainda enfrentará.

Cuidados necessários

Para ambientalistas e pesquisadores, não adiantaria promover a macaúba como substituta de outras culturas se ela repetir problemas ambientais que as antecessoras tiveram. Um dos desafios nesse sentido, apontam, será resistir à tentação de, enxergando todo o potencial e a demanda que aguardam o futuro da espécie, criar outra rede de monocultura, como aconteceu com a soja; ou gerar pressão por mais desmatamento, como o dendê.

“Sendo grande candidata para a produção de biocombustíveis, a macaúba precisará de uma produção de milhões de litros por ano. E é aí que está o X da questão: como fazer a domesticação da espécie? Ainda faltam estudos sobre a utilização industrial e semi-industrial da macaúba. E a monocultura a gente não recomenda, porque se perde os serviços ecossistêmicos”, alerta Ricardo Fujii, especialista em conservação da WWF Brasil.

Essa preocupação é levada em conta por outra startup que investe na expansão da macaúba: a Inocas, fundada em 2015 e que já tem mais de 2 mil hectares plantados da espécie. A ideia da empresa é aliar o plantio da macaúba à pecuária, aproveitando os benefícios que a primeira trará para a segunda: sombra para os bois, melhoramento do solo do pasto, aproveitamento da própria “torta” resultante da macaúba como ração para os animais, e menor necessidade de abertura de novas áreas para ambas as atividades.

“Entendemos que a macaúba consorciada com pastagem, fazendo ‘dois andares’ no campo, permite manter o uso do solo, não ter desmatamento nem abrir novas áreas, e ter uma boa produtividade ainda assim. Esse não é o caso da soja nem da palma. Se fizer isso nos pastos degradados do Brasil, junto com a agricultura familiar, seria possível aumentar 50% a oferta de óleo vegetal mundial, sem abrir novas áreas nem desmatar”, calcula Johannes Zimpel, diretor executivo da companhia, que prevê chegar a 45 mil hectares plantados.

“Para fazer combustível sustentável de aviação, não adianta fazer monocultura, pois você perderia o componente sustentável. Tem culturas que dizem que não geram desmatamento, porque já tinha pasto ali. Mas para onde foram os bois que estavam ali? Avançaram na floresta”, complementa o executivo, descrevendo o procciada à plantação de outras espécies agrícolas, inclusive para criar um efeito ecossistêmico e melhorar o rendimento de culturas como a soja.

“Temos 40 milhões de hectares de sssaros para aquela área”, explica Sérgio Motoike.

A S.Oleum já fez experimentos seguindo essas recomendações, e diz ter obtido resultados positivos.

“Mesmo usando só 50% da área com macaúba, intercalando com outras espécies, conseguimos produtividade altíssima. Até a palma teve, nessas condições, produtividade maior que o esperado. E com a vantagem de ter um ambiente mais equilibrado ambiental e economicamente”, afirma Felipe Morbi.

De forma semelhante, a Acelen pretende associar a macaúba a pastos e outras culturas em pelo menos 20% de sua área plantada, em parceria com agricultores familiares.

Os agricultores, aliás, representam um dos principais desafios que restam para todos esses ambiciosos projetos. Afinal, é o produtor rural que precisará introduzir uma nova espécie, cujos resultados concretos em larga escala ainda não são conhecidos, à sua produção. Estudos que apontam a viabilidade econômica para ele já existem – a própria WWF Brasil estimou em sua análise que a margem de lucro pode chegar a 10% associando pecuária e macaúba.

“O produtor familiar não pode arriscar perder a fazenda, pois é a vida dele. Então não é fácil chegar com uma ideia nova, que ninguém fez, e convencer ele a fazer. Mas estamos sempre tentando identificar as mentes mais empreendedoras que queiram sair na frente, e possam mostrar aos seus pares que a ideia funciona. A gente os busca, faz a parceria, e aí gera um efeito dominó, pois as pessoas próximas a eles perceberão os benefícios”, aposta Johannes Zimpel.

Fonte: UM SÓ PLANETA


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