BIBLIOTECA

Técnicas de avaliação de gosto e odor utilizadas em águas para abastecimento público pela SABESP

Resumo

O propósito deste trabalho é apresentar as principais ferramentas utilizadas na SABESP para quantificar e/ou qualificar os principais compostos causadores de gosto e odor, no caso, Metilisoborneol (MIB) e Geosmina (GEO), apresentando resultados de MIB/GEO, Painel Sensorial, tipos e contagem de cianobactérias correspondentes, e número de reclamações de consumidores, com dados de 2014 a 2016, comparando-os, ainda, com dados mais antigos, de 2003 e 2004. Com a continuidade e aprimoramento destes ensaios e registros de dados ao longo dos anos, os quais se tornaram ferramentas eficazes para tomadas de decisões, a SABESP conseguiu fazer importantes intervenções junto aos seus mananciais com problemas de gosto e odor, minimizando, consideravelmente, tais problemas, conforme são mostrados em resultados, nos gráficos para MIB e GEO, para dois sistemas (Guarapiranga e Alto Tietê), antes e depois do manejo.

Introdução

Com o aumento da frequência de ocorrência de problemas de qualidade da água, e a diminuição do intervalo de tempo disponível para resolver tais problemas, torna-se imprescindível o entendimento das origens e complexidade da poluição como um todo, para que possam desenvolver novos estudos no que diz respeito ao tratamento de águas, para melhor viabilizá-la para consumo humano (TUNDISI, 2000).

Características organolépticas, como gosto e odor, possuem grande importância para avaliação da qualidade da água, pois os consumidores podem não conhecer o que seja pH, alcalinidade ou sólidos totais dissolvidos, mas sabem muito bem quando uma água está com gosto e/ou odor desagradáveis ou diferentes dos conhecidos habitualmente (DAT NGUYEN, 1999).

A terminologia utilizada é a chave para entender como descrever problemas de gosto e odor, portanto, a seguir, alguns conceitos básicos.

Sabor é um termo usado para descrever a experiência percebida quando a água está na boca. O sabor consiste em três sensações separadas: gosto, odor e sentimentos. “Aftertaste” é o termo utilizado para a sensação que fica na boca após engolir a água. Existem cinco tipos de gosto: azedo, doce, salgado, amargo e umami (termo japonês que significa saboroso, uma propriedade conferida pela combinação do glutamato monossódico, característico deste gosto, com moléculas de outros alimentos, não esperado que ocorra em água).

O odor da água envolve cheiro e sensações de sentimentos no nariz. Os tipos de odor são inúmeros e são, tipicamente, associados com o passado, como por exemplo, rosas, cebola, borracha, etc. Um gosto ou odor pode ser descrito por termos como metálico ou mofo, a por uma intensidade como fraca ou forte.

Como problemas com gosto e odor são de natureza estética, e não tipicamente de saúde pública ou regulatória, a motivação para resolvê-los costuma ser lenta e insuficiente (BOOTH et al, 2011).

A remoção de gosto e odor das águas para abastecimento público é de grande importância, pois sua presença pode fazer com que o consumidor questione sua adequação para consumo, embora não possa ser diretamente relacionado com a segurança da água.

Quando se é caracterizado gosto e/ou odor em águas, é necessário que este seja qualificado e medido para que se busque uma solução (COMMITTE ON ODORS FROM STATIONARY AND MOBILE SOURCES, 1979).

Uma das razões para a ineficácia no gerenciamento e controle de problemas de gosto e odor, é a falta de entendimento dos parâmetros que devem ser controlados. A grande maioria dos operadores, gerentes e técnicos de laboratórios nunca foram treinados para conhecer e dimensionar tais parâmetros. Além disso, os problemas de gosto e odor, frequentemente, ocorrem de maneiras inesperadas, vem e vão, às vezes muito rapidamente, como depois de uma tempestade ou um lançamento em reservatório. Quando os problemas originam-se de reclamações de consumidores, tornam-se muitas vezes, difíceis de serem interpretados, pois suas descrições podem ser confusas e enganosas.

Assim que um problema de gosto e odor aparece, dados devem ser coletados rapidamente para determinar se o problema está melhorando ou piorando, e se algum manejo, seja no reservatório ou no tratamento, precisará ser alterado. Tais dados devem incluir a aparência da superfície da água ou se houve relatos de despejos. Cautela e experiência são requeridas para montar e analisar todas as informações, a fim de tomar decisões assertivas e evitar associações erradas ou ainda, seguir velhos passos ineficientes.

Vários relatos bibliográficos demonstram fracasso na solução do problema, devido a erros cometidos nos primeiros momentos do início do episódio, dificultando, ou até mesmo, impossibilitando qualquer orientação para sua solução. A seguir alguns exemplos:

  • As amostras coletadas não foram representativas;
  • Volume insuficiente de amostra para realizar a caracterização completa e necessária dos parâmetros requeridos;
  • Ausência de dados adicionais, tais como o tipo de alga, e não somente o total de células, cloro residual, ou ainda concentração de ferro dissolvido;
  • Superficialidade na descrição do problema, como por exemplo: “água com cheiro ruim”.

Uma causa natural de odor muito comum, em águas subterrâneas, é o sulfeto de hidrogênio originário da bactéria redutora de sulfato, causando um odor detestável de ovo podre. Sulfeto de hidrogênio pode, também, ser produzido em zonas anóxicas de um reservatório. Fontes antropogênicas têm gerado contaminantes em águas subterrâneas que causam odor, tais como: bromodiclorometano, clorofórmio, éter metil-terc-butílico (MTBE), percloroetileno (PCE), também conhecido como tetracloroeteno, e tricloroeteno (TCE). MTBE tem sido uma preocupação particular por seu impacto no odor das águas.

Enquanto as águas subterrâneas apresentam odores muito baixos ou quase nenhum odor, as águas superficiais tendem a apresentar odor como parte integrante de si, sendo entre os mais comuns: terra, mofo, grama, vegetação, pântano, vegetação em decomposição e peixe. O decaimento da biomassa algal ou das plantas terrestres podem resultar nos odores de vegetação em decomposição, ovo podre e séptico, causados pelos alquil-sulfetos. Bactérias sulfurosas podem quebrar as proteínas e aminoácidos (blocos para construção da vida) presentes, e transformá-los em sulfetos orgânicos, dentre os mais conhecidos: dimetil-sulfeto, dimetildisulfeto e dimetil-trisulfeto, os quais liberam odores de vegetação em decomposição e séptico.

Cianobactérias, algas verdes e diatomáceas têm sido apresentadas como causadoras de vários odores, tais como grama, peixe, medicinal e pepino. O odor de pepino é causado pelo lançamento de um aldeído, conhecido como trans-2,cis-6-nonadienal.

Problemas com gosto e odor, muitas vezes, podem ser causados por certos tipos de bactérias, as quais podem produzir ferro, manganês e sulfetos. Estes problemas podem ser indicados pela bioincrustação das bombas, corrosão de materias férricos, água escura ou avermelhada, partículas inorgânicas ou biológicas. Crescimento de limo é algumas vezes, mas não sempre, indicador da presença de tais bactérias.

Os odores mais comuns causados por proliferação de algas são terra e mofo, associados com os lançamentos de geosmina e 2-metilisoborneol (MIB), respectivamente. Geosmina e MIB são muito similares e encontrados no mundo todo. Geosmina tem um odor terroso, de pó, palha, beterraba, e costumam ocorrer em níveis de 2 a 200 ng/L. MIB tem um odor terroso, de mato molhado, pantanoso, e costumam ocorrer em níveis de 2 a 100 ng/L. Algumas vezes, eles ocorrem juntos. Ambos são produzidos por cianobactérias. Os métodos analíticos tem sensibilidade em torno de 5 ng/L. Seus odores podem ser percebidos no limiar de 5-10 ng/L, para profissionais sensíveis e bem treinados.

Odores de terra/mofo podem ocorrer, também, quando não é observado crescimento de algas na coluna d´água. Várias espécies de actinomicetos (Streptomyces, Nocardia, Microbispora) podem produzir, também, geosmina e MIB. Como esses organismos podem ser arrastados dos solos, durante as chuvas, e estão presentes em sedimentos de fundo ou no interior das células das algas, sua presença durante os episódios de odor é mais difícil de demonstrar. Estas bactérias podem produzir, também, odor de batata, causado pelo composto 2- isopropil-3-metoxipirazina.

Actinomicetos são muito difíceis de medir e monitorar. O método de cultura também é muito difícil. A ocorrência deles em água pode ser causada por esporos ou fragmentos vegetativos. Assim, detectá-los não indica se estão em crescimento ou meramente adormecidos (BOOTH et al, 2011).

Nos últimos doze anos, desde a publicação em 2005, da primeira correlação dos resultados de MIB/GEO, Painel Sensorial, contagem e definição de tipos de Cianobactérias, além do número de reclamações de consumidores (ALVES,2005), alguns avanços foram realizados na técnica analítica, capaz de quantificar os principais compostos causadores de gosto e odor, MIB e GEO, na identificação dos tipos de cianobactérias capazes de produzir tais compostos, e na abordagem da Legislação em relação à importância do Painel Sensorial. A legislação vigente para água tratada (Portaria 2914/11) incluiu, conforme anexo X, na Tabela de Padrão Organoléptico de Potabilidade, um valor máximo permitido (VMP) de intensidade 6, ao parâmetro Gosto e Odor, o qual antes desta revisão, citava, somente, objetável ou não objetável como forma de análise para determinada água final. Esta mudança exigiu dos laboratórios de água, a implantação do Painel Sensorial como forma definitiva de ensaio para este fim.

Com a continuidade e aprimoramento destes ensaios e registros de dados ao longo dos anos, os quais se tornaram ferramentas eficazes para tomadas de decisões, a SABESP conseguiu fazer importantes intervenções junto aos seus mananciais com problemas de gosto e odor. Apoiada nas Resoluções Conjunta SMA/SSRH-4 de 22/11/12 e CONAMA 467 de 16/07/15, as quais regulamentam a utilização de algicidas para controle de organismos ou contaminantes em corpos hídricos superficiais, utilizando, somente, produtos cadastrados no IBAMA, e autorizada e monitorada pela CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), anualmente, a empresa conseguiu mitigar, consideravelmente, seus problemas de gosto e odor, cujos resultados serão apresentados a seguir.

Autores: Rosemeire Alves Laganaro; Allan Saddi Arnesen e Adilson Macedo.

ÚLTIMOS ARTIGOS: