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Análise da frequência de intoxicações exógenas no Rio Grande do Sul e no município de Vacaria, com ênfase em agrotóxicos

Resumo

A Revolução Verde foi um marco para a produção agrícola e para a indústria de alimentos, com a promessa de aumentar sua produtividade para alimentar a população mundial. O anúncio do controle de pragas nas lavouras por produtos químicos foi amplamente difundido e seu uso excessivo ocasiona efeitos nocivos aos seres vivos, quer diretamente pelo manejo, quer indiretamente pela contaminação alimentar e ambiental. O objetivo deste estudo é analisar a ocorrência de intoxicações exógenas na população do Rio Grande do Sul e do Município de Vacaria, no período de 2010 a 2015, especialmente relacionadas à utilização de agrotóxicos e compará-las com dados de agricultores que atuam no Município de Vacaria (RS). A metodologia utilizada para este estudo consiste em uma pesquisa documental, com dados epidemiológicos obtidos junto ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN-Net). Também foram analisados dados de entrevista realizada com 960 agricultores do Município de Vacaria, no período de 2010 a 2015, que trabalham na produção de frutas, especialmente maçãs, frutas vermelhas e produção de grãos. Trata-se, portanto, de um estudo documental e de campo. Como resultados constatou-se que dados obtidos junto ao SINAN demonstram um número modesto de intoxicações exógenas relacionadas ao uso de produtos químicos, sendo o medicamento o principal agente causador das intoxicações notificadas, seguido do agroquímico. Na pesquisa de campo, no entanto, percebe-se uma incidência maior de intoxicações (14% dos agricultores afirmam ter tido) e de sintomas que caracterizam uma intoxicação aguda. Estes dados permitem afirmar que há grande subnotificação de casos desta natureza.

Introdução

A utilização de agrotóxicos no Brasil iniciou em meados do século passado e hoje o País é o maior consumidor do produto, sendo a causa de inúmeros problemas de saúde e também de degradação do meio ambiente. Segundo estudos de autores como Londres (2011) e Jobim et al. (2010), o Brasil utiliza massivamente os agrotóxicos, por ser um grande produtor de alimentos, visando maior produtividade com vistas ao mercado internacional.

O comportamento do agrotóxico no ambiente é bastante complexo. Quando utilizado, possui grande potencial de atingir o solo e as águas. No entanto, qualquer que seja o caminho do agrotóxico no meio ambiente, invariavelmente o homem é seu potencial receptor (Ministério do Meio Ambiente – MMA, 2016). Em razão disso, o Brasil apresenta dados de contaminação da população rural e urbana por agrotóxicos, indicando alta gravidade da situação do ponto de vista da saúde pública, segundo Trapé (2010).

O uso crônico de agrotóxicos em regiões do Estado do Rio Grande do Sul tem sido relacionado a um possível aumento na incidência de intoxicações agudas nos trabalhadores rurais, segundo Jobim et al. (2010). Faria et al. (2004) afirmam que os agrotóxicos têm sido relacionados a diversos efeitos à saúde, pela exposição dos agricultores aos produtos, como também pela contaminação dos alimentos. Na agricultura familiar da Serra Gaúcha, a grande maioria das propriedades rurais utilizam agrotóxicos e 75% dos trabalhadores na agricultura estão expostos a estes produtos.

As intoxicações podem ser causadas por diferentes categorias de substâncias, mas os pesticidas e medicamentos têm aparecido como os mais impactantes para este tipo de acidente. Pesticidas de uso agrícola são também as principais causas de registro de óbitos no Brasil, principalmente pelo uso inadequado, excessivo e indiscriminado destes produtos. Ocorrem também por falta de conhecimento dos trabalhadores rurais sobre os perigos que os produtos ocultam e por falta ou mal-uso de equipamento de proteção individual (EPI), segundo estudos de Rodrigues et al. (2009). De acordo com os mesmos autores, os medicamentos são o tipo mais frequente de intoxicação em todo o mundo, inclusive no Brasil. Nos países desenvolvidos, a ocorrência de intoxicações pode atingir 2% da população e nos países em desenvolvimento 3%. Os Estados Unidos estimam a ocorrência anual de 4 milhões de exposições tóxicas, sendo registrados cerca de 2 milhões. No Brasil, as estimativas são de 3 milhões de intoxicações anuais, ocorrências essas por produtos químicos e medicamentos, além de pesticidas agrícolas. A maioria delas sem registro devido à subnotificação e às dificuldades de diagnóstico (RODRIGUES et al. 2009).

A dificuldade em identificar a extensão do problema à Saúde Pública deve-se ao fato de que as intoxicações agudas, mais facilmente identificadas, são subnotificadas. Supõe-se que para cada caso notificado existam 50 casos não registrados, e as intoxicações crônicas, muitas vezes, não são percebidas como decorrentes do uso de agrotóxicos. Significa que ainda faltam estudos para estabelecer o nexo causal entre o uso de agroquímico e doenças crônicas, embora já existam conhecimentos que apontam para a relação desses com a incidência de câncer, malformações, doenças degenerativas (LONDRES, 2011; BEDOR, 2008; TRAPÉ, 2010).

Neste cenário é premente a necessidade de observação de dados epidemiológicos que possam dar pistas sobre o comportamento das doenças relacionadas ao uso de agrotóxicos e favorecer o seu controle. A epidemiologia descritiva pode ser útil nesta análise, pois examina como a incidência (casos novos) ou a prevalência (casos existentes) de uma doença ou condição relacionada à saúde varia de acordo com determinadas características, como sexo, idade, escolaridade, profissão e renda, entre outras. Quando a ocorrência da doença/condição relacionada à saúde difere segundo o tempo, lugar ou pessoa, o epidemiologista é capaz não apenas de identificar grupos de alto risco para fins de prevenção, mas também gerar hipóteses etiológicas para investigações futuras (LIMA-COSTA; BARRETO, 2003).

Diante da importância do tema, o objetivo deste estudo é analisar a ocorrência de intoxicações exógenas na população do Rio Grande do Sul e do município de Vacaria, no período de 2010 a 2015, especialmente relacionadas à utilização de agrotóxicos e compará-las com dados de agricultores que atuam no Município de Vacaria (RS).

Autores: Nilva Lúcia Rech Stedile; Teresinha Terribile Bellei; Vania Elisabete Schneider; Suzete Marchetto Claus e Neice Muller Xavier Faria.

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