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Avaliação do efeito de carbono orgânico contido em águas de reúso em resinas trocadoras de Ìons

Resumo

Os sistemas de resfriamento e produção de vapor para a geração de energia térmica de uma indústria são os maiores consumidores de água. Considerando a escassez de água, legislações cada vez mais restritivas e o novo cenário mundial de sustentabilidade e de preservação dos recursos hídricos, estudos alternativos para o reuso de água para esses sistemas são necessários. Dentre os tratamentos de água visando ao reúso, a troca iônica é considerada uma tecnologia de polimento para a remoção de sais. Entretanto, durante a operação, as resinas de troca iônica podem sofrer envenenamento ou contaminação por carbono orgânico reduzindo e/ou perdendo a capacidade de remoção iônica e consequentemente reduzindo o seu ciclo de vida útil. Sendo assim, este trabalho tem como objetivo avaliar o envenenamento da resina aniônica por Carbono Orgânico Total (COT) nas correntes de reúso, para o sistema de caldeiras.

Para tal, foram realizados experimentos de saturação usando resinas comerciais. Amostras de águas com diferentes concentrações de COT, após tratamento por filtro de areia, foram avaliadas passando-as no sistema de troca iônica para verificar o efeito do envenenamento nas resinas aniônicas. Foram acompanhados os parâmetros COT, COT volátil e sílica que são prejudiciais ao sistema de caldeira. Os resultados mostraram que: a adsorção de compostos orgânicos nas resinas aniônicas diminui a eficiência das mesmas em relação à adsorção de sílica reativa; a matéria orgânica encontrada nessas correntes não é volátil, ou seja, não há o perigo de volatilização nos sistemas de geração de vapor prejudicando o funcionamento da turbina, entretanto, a concentração de sílica superior ao permitido para reúso em caldeiras de alta pressão, inviabiliza a utilização desta água para este sistema de geração de vapor, embora possa ser utilizada para caldeiras de baixa e média pressão, desde que a alimentação possua um COT de até 10 mg/L.

Introdução

Segundo Sautchúk et al [1], 95% do consumo de água em uma refinaria de petróleo é destinado ao resfriamento. Kraemer [2] e Scarlati [3] afirmam que os dois sistemas que apresentam consumo intensivo de água em uma indústria petroquímica são o de resfriamento e o de produção de vapor para a geração de energia térmica (caldeira).

Neste contexto, e considerando ainda as legislações cada vez mais restritivas (CONAMA, 2011, lei 9433/97) e o novo cenário mundial de sustentabilidade e de preservação dos recursos hídricos, se faz necessário o estudo de alternativas para o reúso da água utilizada nos processos industriais. Costa e Barros [4], Hespanhol [5] e Pombo [6] apontam o sistema de resfriamento e de geração de vapor como principais destinos da água de reúso.

É importante salientar que para cada aplicação da água de reúso é exigido um grau de qualidade. Assim, os requisitos exigidos para a água de reúso em caldeiras são bem mais restritivos que os de torres de resfriamento [3]. A água aplicada para caldeiras deve ser previamente submetida a um rigoroso tratamento para remoção de sais dissolvidos, geralmente por meio de processo de desmineralização (troca iônica). Já a água para torres de resfriamento requer tratamento mais simples, composto normalmente por etapas de clarificação, de filtração e
de ajuste de alcalinidade.

Como exemplo, desse alto grau de qualidade da água para sistemas de geração de vapor, pode-se citar o controle da concentração de sais nesta água. A concentração máxima permitida de sais na água da caldeira depende diretamente da classe de pressão e da temperatura de operação da caldeira. Estes sais podem comprometer a integridade física dos equipamentos e das tubulações, uma vez que favorecem a ocorrência de processos corrosivos e a formação de depósitos, especialmente em superfícies onde há troca térmica, provocando incrustações. Estas, por sua vez, formam uma película de baixa condutividade térmica nas paredes das tubulações de caldeiras e de outros tipos de trocador de calor, prejudicando a eficiência de troca térmica. A presença de alguns sais como sais de cálcio e de sílica requerem cuidados especiais visto que causam incrustações de difícil remoção.

A matéria orgânica degradável pode gerar problemas como crescimento biológico, formação de espuma, odores e incrustações. Em sistemas de resfriamento, o crescimento de algas e de microrganismos pode provocar o surgimento de depósitos, entupindo linhas, válvulas e trocadores de calor [3, 7]. Em caldeiras, a matéria orgânica provoca a formação de espumas, o que facilita o arraste de sólidos dissolvidos para o vapor. Já em sistemas de desmineralização, a matéria orgânica causa o envenenamento das resinas de troca iônica. É importante salientar também que compostos orgânicos voláteis podem causar graves danos às turbinas [8], 1998).

A sílica é outro componente que pode ocasionar danos à caldeira e que tem que ser monitorado. O silicato (SiO3 2-) ao se associar com os íons Ca2+, Mg2+ e Al3+ formam silicatos insolúveis que são incrustações de difícil remoção em superfícies de trocadores de calor e, especialmente, em caldeiras. O teor de sílica é expresso pela concentração de dióxido de silício (SiO2) e sua solubilidade depende da temperatura e do pH do meio aquoso [2,9].

Dentre os tratamentos de água visando o reúso, a troca iônica é considerada uma tecnologia de polimento para a remoção de sais. A troca iônica é um processo para remoção de compostos dissolvidos, mais precisamente de sais, através de resinas. Estas resinas são constituídas de uma base, um copolímero de estireno e divinilbenzeno, e grupos funcionais ativos que adsorvem íons de uma solução e os substituem por íons de mesma carga de acordo com uma escala de seletividade. Assim, os íons catiônicos (Ca+2, Mg+2, Na+) são substituídos por íons de hidrogênio e os íons aniônicos (Cloretos, Sulfatos, Carbonatos, Silicatos, Bicarbonatos e Nitratos) por íons hidroxila, nos casos em que a resina esteja carregada com íons de hidrogênio e hidroxila respectivamente [10,11,12]. A seletividade ocorre em função da carga iônica e da distribuição eletrônica. Quanto maior a valência e mais elétrons na última camada, mais seletivo é o elemento [12]. Figura 1 ilustra melhor o grau de seletividade dos principais íons envolvidos na água a ser tratada.

As resinas podem ser classificadas de acordo com o grupo funcional que possuem em: catiônica fracamente ácida, catiônica fortemente ácida, aniônica fracamente básica e aniônica fortemente básica.

As resinas catiônicas fortemente ácidas são formadas a partir da reação de um copolímero de estireno ou de ácido acrílico, polimerizado com diferentes quantidades de divinilbenzeno (4 a 20%). O grupo ativo é um radical sulfona, -SO3H, que se liga aos núcleos de benzeno dos copolímeros e que tem afinidade com todos os cátions presentes na água. Os cátions monovalentes, sódio e potássio são menos fortemente ligados ao grupo ativo, sendo assim os primeiros a apresentarem escape quando a resina está chegando próximo a saturação. Possui baixa eficiência de regeneração (consome de 2 a 3 vezes a quantidade estequiométrica de sais removidos) [11,12,13,14].

As resinas catiônicas fracamente ácidas são produzidas a partir da copolimerização do ácido metacrílico com divinilbenzeno. O grupo ativo presente é o ácido carboxílico (–COOH) que se liga aos núcleos do benzeno no copolímero. Este grupo ativo tem afinidade apenas com os cátions ligados a ânions fracos como bicarbonato e nunca aos ânions fortes, como sulfato, cloreto e nitrato, por isso são muito usados em dealcalinização. Possui maior capacidade e eficiência na regeneração quando comparada as resinas catiônicas fortes (consome apenas 1 vez a quantidade estequiométrica de sais removidos). Geralmente, é usada precedendo as resinas catiônicas fortes, para diminuir carga iônicas destas e economizar regenerantes [11,12,13,14].

Quanto às resinas aniônicas fortemente básicas, estas são obtidas a partir da copolimerização do estireno ou do ácido metaacrílico com divinilbenzeno. Os grupos ativos desta resina são radicais amina que tem afinidade com todos os ânions presentes na água. Por causa da carga iônica, os ânions monovalentes, bicarbonato e silicato, são menos fortemente ligados ao grupo ativo, sendo os primeiros a apresentarem escape quando a resina está chegando a saturação. Estas resinas estão sujeitas aos problemas de envenenamento por matéria orgânica [12,14].

Já as resinas aniônicas fracamente básicas são obtidas da copolimerização do estireno e divinilbenzeno. O grupo ativo é uma amina terciária, também ligado ao anel benzênico do copolímero, e sua remoção fica restrita à ânions fortemente ionizados tais como cloretos, sulfatos. Este tipo de resina permite um maior aproveitamento da soda usada como regenerante, sendo a capacidade equivalente a 80% da estequiométrica. Em sistemas de desmineralização, esta resina é colocada à montante da aniônica forte para que os ânions não removidos pela primeira sejam removidos pela segunda [12,14].

Durante a operação, as resinas de troca iônica podem sofrer envenenamento ou contaminação por carbono orgânico reduzindo e/ou perdendo a capacidade de remoção iônica e consequentemente reduzindo o seu ciclo de vida útil.

Neste contexto, este trabalho tem como objetivo avaliar o envenenamento da resina aniônica por Carbono Orgânico Total (COT) nas correntes de reúso, para o sistema de caldeiras. Para tal, foram realizados experimentos de saturação usando resinas comerciais. Águas, após tratamento por filtro de areia, com diferentes concentrações de COT foram utilizadas como alimentação do sistema de troca iônica para avaliação do envenenamento das resinas aniônicas por COT e da influência do COT volátil. A sílica também foi acompanhada visto que a adsorção de COT pode concorrer com a adsorção de sílica, ocasionando a presença de maior quantidade de sílica na corrente tratada. A presença de sílica é altamente prejudicial em sistemas de caldeiras que operam sob alta pressão por provocar depósitos na superfície do equipamento, diminuindo a eficiência de troca térmica.

Autor: Mariana Santos Lemos e Lidia Yokoyama.

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