Biomassa – Águas de Abastecimento
Tese de doutorado, defendida pelo pesquisador Daniel Temponi Lebre, mostra que pode-se eliminar quase que totalmente os poluentes emergentes persistentes em águas de abastecimento, por adsorção a partir do bagaço da cana-de-açúcar
A eliminação dos poluentes emergentes persistentes das águas de abastecimento foi o objetivo da dissertação de doutorado “Avaliação e Uso de Materiais Alternativos para Remoção de Hormônios, Fármacos e Drogas de Abuso em Efluentes Industrial e Doméstico”, do pesquisador Daniel Temponi Lebre.
A preocupação latente do pesquisador com o meio ambiente e a observação então da ausência de uma regulamentação mais efetiva para o controle desses poluentes motivaram o tema da pesquisa. Em 2000, Lebre defendeu a tese de seu mestrado, que focou na determinação de agrotóxicos em águas superficiais. Na ocasião iniciavam no país as resoluções para controle de qualidade da água para abastecimento.
“Hoje, o Brasil é um país agroindustrial, há a indústria química, têxtil, farma, automobilística, além do esgoto hospitalar. Todo o descarte da produção dessas indústrias acaba entrando no sistema aquático, no sistema de tratamento da rede pública ou é lançado diretamente nos córregos. São resíduos de fármacos, hormônios, corantes etc.”, explica o pesquisador.
De acordo com ele, isso acontece por falta de regras para o tratamento ou por conta de um tratamento ineficiente.
Fármacos e drogas de abuso
“Existe uma contaminação direta das águas desses poluentes emergentes, que não têm determinação nem legislação”, comenta.
Para comprovar, o pesquisador então cita a tese de doutorado da pesquisadora Helena Miho, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN/USP). Relacionado à determinação de fármacos e drogas de abuso e hormônios na represa de Guarapiranga, na zona sul da capital paulista, o estudo investigou resíduos de medicamentos, como o anti-hipertensivo losartana e, na classificação de drogas de abuso, cocaína.
“Visivelmente, as águas da Guarapiranga são limpas, mas contêm esses compostos, que são levados para a estação de tratamento para abastecimento público”, lembra Daniel Lebre, que também é graduado em Química.
Contaminantes emergentes persistentes
Encontraram-se outros exemplos na Estação de Tratamento de Esgoto em Barueri (SP). Ela trata o esgoto de milhões de habitantes. O pesquisador explica que por lá realiza-se o tratamento aeróbio convencional e depois a água retorna para o Rio Tietê.
“É um problema cíclico, por isso chamam-se contaminantes emergentes persistentes, porque estão sempre entrando no meio ambiente”.
Os resultados das análises de coletas no Córrego dos Meninos, na região metropolitana de São Paulo, apontam que o tratamento de esgoto convencional da ETE-ABC não remove totalmente os fármacos e drogas de abuso, pois há resíduos dos mesmos no efluente de descarte.
Lebre menciona que o tratamento empregado é ineficaz para os compostos diclofenaco, carbamazepina, orfenadrina e citalopram: “A consequência disso é o descarte deste efluente final da estação contendo esses poluentes no Córrego dos Meninos a uma vazão de 3,0 m³/s. (3000 L/s).
Tratando a água residual
Para realizar a remoção desses resíduos nas águas de abastecimento, Lebre propôs uma aplicação a partir do bagaço da cana-de-açúcar.
Gera-se a biomassa proveniente do BCA em toneladas. De acordo com o pesquisador, produz-se cerca de 90 milhões de toneladas anualmente.
“Essa matéria-prima é refugo da produção de açúcar, cachaça e biocombustível. É um material abundante e praticamente sem custo”, ressalta.
Inicialmente, realizou-se a coleta do bagaço e o tratamento. A partir do pó gerado, em escala de bancada, o pesquisador promoveu a adsorção em uma baixa área superficial para a remoção de hormônios sintéticos em efluente industrial.
“Foram estudados todos os modelos de adsorção para entendermos as interações com essa biomassa. É uma técnica muito eficiente para compostos residuais”, detalha. Os resultados mostraram uma eficiência acima de 98% na remoção dos poluentes emergentes persistentes.
Em um segundo momento, o especialista aplicou a técnica para o tratamento de efluente doméstico de saída, visto que mesmo após o tratamento ainda há resíduos. Nesses casos, a técnica eliminou com 47% de eficiência os compostos encontrados.
Para alguns compostos, a biomassa mostrou alta eficiência. Como exemplo, o caso dos lipofílicos e aqueles menos solúveis em água, como losartana, citalopram, orfenadrina, cocaína e cafeína. No caso da droga de abuso, houve uma remoção de 70%, e 50% para cafeína.
Química verde
“É um material abundante, barato e promissor para ser colocado na saída da estação de tratamento, com um alto custo benefício para eliminar esses resíduos, que são muito prejudiciais aos seres vivos e ao sistema aquático”, resume o pesquisador.
Reunindo as técnicas da química analítica à química verde, o Dr. Daniel Lebre enfatiza a possibilidade de determinar com precisão os compostos e a quantidade presente de cada um, e substituir os materiais adsorventes convencionais reaproveitando um material viável de baixo custo, e de fácil substituição.
Valor epidemiológico
Durante as suas pesquisas, Daniel Lebre reuniu informações relevantes, por exemplo o consumo dos compostos encontrados nas águas residuais, cujo monitoramento não ocorre atualmente.
No caso do monitoramento no Córrego dos Meninos, na região do ABC paulista, estimou-se o resíduo ou massa de losartana gerada com a multiplicação da concentração presente no efluente de saída pelo volume. O resultado mostrou que despeja-se diariamente no córrego 88,8 g/h, e 2,1 kg.
“Se considerarmos a população do grande ABC de 2,8 milhões de habitantes e a população atendida pela ETE-ABC de 1,5 milhões de habitantes, submetida a um cálculo baseado na equação descrita na revisão de PATEL et al., levando em conta a concentração de losartana (17,9 µg L-1) no efluente de entrada da estação, o consumo populacional deste fármaco é de 27 kg/dia”, calcula o pesquisador.
Concluiu-se o consumo de aproximadamente 18.500 caixas do medicamento/dia. Ou seja, uma caixa para cada 151 habitantes. Isso indica que 0,6% da população do ABC tem problemas de hipertensão. Seguindo o mesmo cálculo, o consumo de cocaína estimado da população do ABC é de 322 g/dia (PATEL et al., 2019), detalha o estudo.
Fonte: labnetwork
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