BIBLIOTECA

Análise da concentração de flúor na água em Curitiba, Brasil: comparação entre técnicas

Analysis of water fluoride concentration in Curitiba, Brazil: comparison of techniques

Juliana Motter; Simone Tetu Moyses; Beatriz Helena Sottile França; Max Luiz de Carvalho; Samuel Jorge Moysés

Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR, Brasil. Correspondência: Juliana Motter, [email protected]

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a adequação dos níveis de fluoreto nas águas de abastecimento público em Curitiba, Estado do Paraná, Brasil, de acordo com duas técnicas (SPADNS e eletrométrica).
MÉTODOS: Foram levantados os dados do heterocontrole na Cidade de Curitiba de janeiro de 2000 a julho de 2008 no banco de dados da Secretaria Municipal da Saúde para cálculo das médias anuais. Na sequência, foram comparadas as concentrações de fluoreto fornecidas pela companhia de saneamento SANEPAR (técnica eletrométrica) com as concentrações obtidas pelo heterocontrole (SPADNS) em 1 470 amostras de água coletadas e analisadas entre 2006 e 2007. Foi calculada a proporção de amostras dentro do padrão ideal de fluoretação para a Cidade (0,8 ppmF), abaixo do ideal e acima do ideal para ambas as metodologias. Foram exploradas diferenças na fluoretação entre distritos sanitários, meses do período dezembro de 2007 a julho de 2008 e estações de tratamento de água (ETA).
RESULTADOS: A média geral de flúor entre 2000 a 2008 foi de 0,7 ppmF conforme os dados do heterocontrole. A comparação das técnicas eletrométrica e SPADNS revelou que o valor médio de fluoreto na água é maior quando avaliado pela técnica eletrométrica (0,743 ppmF ± 0,133) quando comparado com a técnica SPADNS (0,637 ppmF ± 0,164). A proporção de amostras dentro do padrão ideal de fluoretação foi de 15,05% para SPADNS e 63,97% para eletrométrica; de 62,03 e 22,85% para amostras abaixo do ideal; e de 21,10 e 13,18% para amostras acima do ideal, respectivamente. Houve diferença estatisticamente significativa na fluoretação entre os distritos sanitários (P < 0,001) e os meses pesquisados.
CONCLUSÕES: A escolha da técnica analítica interfere significativamente no processo do heterocontrole. O heterocontrole deve utilizar a mesma técnica de determinação de flúor utilizada pela empresa de tratamento de água. Novos estudos devem definir qual técnica é a mais adequada para medir o teor de flúor.

Palavras-chave: Abastecimento de água; água potável; fluoretação; tratamento da água; estudo comparativo; Brasil.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate the adequacy of fluoride levels in the public water system in Curitiba, state of Paraná, Brazil, as determined by two techniques (colorimetric and electrometric).
METHODS: Data from independent measurements of fluoride in the public water system in Curitiba routinely performed by the city government were obtained for the period between January 2000 and July 2008. Mean levels of fluoride concentration were calculated for each of these years. After that, fluoride concentrations measured in 1 470 samples by the state water utility (SANEPAR) using the electrometric technique in 2006 and 2007 were compared with the corresponding levels measured by the city using the colorimetric method. The rate of samples meeting the standard for the city (0.8 ppmF), and below and above the standard, was calculated for both methods. Fluoride levels were compared between sanitary districts, months for the period between December 2007 and July 2008, and water treatment facilities.
RESULTS: The overall mean fluoride level between 2000 and 2008 was 0.7 ppmF based on the independent measurements. The comparison between techniques showed a higher mean fluoride level with the electrometric technique (0.743 ppmF ± 0.133) vs. the colorimetric technique (0.637 ppmF ± 0.164). The rate of samples meeting the ideal standard of 0.8 ppmF was 15.05% for the colorimetric and 63.97% for the electrometric technique; 62.03% and 22.85% of the samples were below that standard and 21.10% and 13.18% were above that standard, respectively. Fluoride levels were statistically significant (P < 0.001) for the comparison between sanitary districts and months.
CONCLUSIONS: The choice of technique significantly influences the resulting levels of fluoride. Independent monitoring of fluoride levels should employ the same technique used by the water utility. Further studies should aim at defining which technique is the most adequate to determine fluoride concentration in public water systems.

Key words: Water supply; potable water; fluoridation; water treatment; comparative study; Brazil.

Os fluoretos têm ação comprovada na prevenção e controle da cárie dentária, o que justifica o seu uso sob diversas formas de administração (1). A fluoretação da água de abastecimento é um método populacional efetivo quando utilizado em concentrações adequadas (2), tendo sido considerado um dos 10 maiores avanços da saúde pública no século XX (3).

Garantir a eficácia da fluoretação da água de abastecimento para a população depende da manutenção adequada e permanente dos níveis de fluoreto. No Brasil, o Ministério da Saúde estabelece um limite de flúor de 0,6 a 1,7 partes por milhão (ppm) na água de consumo (4). Contudo, essa recomendação deveria ser revista, já que estabelece limiares adequados para o contexto dos anos 1970, que podem não mais ser adequados à realidade do consumo de múltiplos produtos fluoretados nas sociedades contemporâneas.

Tanto a adição de quantidades insuficientes quanto a adição de quantidades excessivas de flúor são indesejáveis. A fluoretação insuficiente da água não previne a cárie e a concentração excessiva de flúor pode causar fluorose (5, 6). Para evitar essas situações, é imprescindível uma vigilância permanente da fluoretação, seja pela própria companhia de abastecimento de água, seja por meio de um mecanismo conhecido como heterocontrole: o processo de monitoramento, por instituições ligadas ao governo, de um bem ou serviço que pode implicar risco ou fator de proteção para a saúde pública de forma paralela ao controle realizado pelo produtor desse bem ou serviço (7). Em Curitiba, capital do Estado do Paraná, o controle operacional dos teores de fluoreto na água de abastecimento público é realizado pela Companhia de Saneamento do Paraná (SANEPAR). Além disso, no ano de 2000 estabeleceu-se na Cidade um sistema de heterocontrole da dosagem de fluoreto na água em parceria entre a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) e a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).

Em relação à dosagem de flúor na água, há um debate na literatura envolvendo a exatidão e a confiabilidade de métodos. Em particular, são debatidas as vantagens do uso da técnica eletrométrica em comparação com a SPADNS (espectrofotométrica), ou mesmo com a técnica visual de alizarina (8–10). Atualmente, é frequente a utilização da técnica eletrométrica em estudos de heterocontrole (11–13). Em Curitiba, a técnica SPADNS é utilizada para heterocontrole desde o ano 2000 (provavelmente pela simplicidade da técnica e custos reduzidos). Já a SANEPAR utiliza a técnica eletrométrica: possui todo o equipamento, insumos laboratoriais e pessoal treinado para esta função.

O propósito deste estudo foi comparar os resultados acerca do nível de flúor na água de abastecimento de Curitiba de acordo duas técnicas utilizadas para a leitura de fluoretos: SPADNS e eletrométrica, além de avaliar o possível impacto do processo de monitoramento sobre a manutenção de níveis ótimos de fluoreto da água de abastecimento de Curitiba de 2000 (ano do início do heterocontrole na Cidade) a 2008.

MATERIAIS E MÉTODOS

A pesquisa descrita neste artigo teve abordagem quantitativa e descritiva. O Município de Curitiba possuía, na época do estudo, uma população de 1 797 408 habitantes (14). O abastecimento público de água atendia 1 748 044 habitantes (96,41% da população). O órgão responsável pela distribuição, tratamento e purificação da água, com adição de íons como cloro e flúor, é a SANEPAR. Quatro estações de tratamento de água (ETA) abastecem um total de 546 174 domicílios.

Curitiba foi a primeira capital do País a ter sua água de abastecimento fluoretada, em outubro de 1958. O composto utilizado atualmente é o ácido fluossilícico. Várias análises diárias são realizadas pela SANEPAR para controlar a dosagem de íons F e o pH da água. O Ministério da Saúde recomenda que os teores de fluoreto sejam calculados de acordo com a média das máximas temperaturas da região, medidas durante um período de 5 anos (4). Em Curitiba, a média das temperaturas máximas anuais nos últimos 5 anos foi de 23,7 ºC (14, 15). Logo, a concentração ótima de fluoreto para a água de abastecimento de Curitiba é de 0,8 ppmF, com valor mínimo de 0,7 e máximo de 1,0 (16).

Para o heterocontrole, foram estabelecidos 49 pontos georreferenciados na Cidade de Curitiba, localizados em unidades de saúde da rede municipal (figura 1), correspondendo aos pontos finais da rede de distribuição, onde a água é diretamente consumida pela população. Os pontos foram distribuídos nos nove distritos sanitários da cidade (Boa Vista, Santa Felicidade, Matriz, Cajuru, Portão, CIC, Boqueirão, Pinheirinho e Bairro Novo). O mapeamento dos pontos de coleta levou em consideração o número de habitantes em cada distrito (17). O heterocontrole não fez uso dos mesmos pontos de coleta utilizados pela SANEPAR. Entre 2000 e 2008, o heterocontrole foi realizado pela técnica SPADNS em laboratório contratado pela Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba. As amostras de água para heterocontrole foram coletadas mensalmente, sendo a água proveniente da primeira torneira externa de cada ponto de coleta ligada à rede de abastecimento. Uma lista com o endereço completo dos pontos de coleta, o dia, a hora e o responsável pela mesma foi entregue mensalmente ao laboratório contratado.

A técnica SPADNS (2-parasulfofenilazo1,8 dihidróxi 3,6-naftaleno dissolufonato de sódio), baseada na reação entre o fluo-reto e o corante zircônio, dissocia uma porção do corante em um complexo aniônico sem cor (ZrF62–), sendo que a quantidade de fluoreto é inversamente proporcional à cor produzida. As análises das amostras de água segundo a técnica SPADNS foram realizadas pelo laboratório contratado utilizando o espectrofotômetro MERCK 29487 (Darmstadt, Alemanha). Para eliminar o residual interferente de cloro e ampliar a precisão da análise, foi utilizado o composto arsenito de sódio. Os resultados foram entregues mensalmente à Secretaria Municipal de Curitiba.

Delineamento amostral e procedimentos de campo

Tivemos acesso aos laudos laboratoriais de 2 542 análises de água realizadas pelo heterocontrole (SPADNS) entre janeiro de 2000 e julho de 2008, no banco de dados da SMS. Houve inconsistência no banco de dados da Secretaria Municipal da Saúde para o ano de 2000, com registro de apenas 3 meses de coletas e análise laboratoriais (aproximadamente 150 coletas/análises). Isso determinou a exclusão desse ano da presente análise. Para os outros anos incluídos na análise, a frequência de coletas estava adequada, com média anual próxima de 600 coletas e amostras de água analisadas nos mesmos pontos ininterruptamente. Assim, todos os outros anos foram considerados confiáveis para inclusão no presente estudo. Esses dados foram utilizados para o cálculo das médias anuais nesse período.

Além dos dados de heterocontrole, a SANEPAR forneceu dados da leitura de fluoreto (pela técnica eletrométrica) relativos ao período de abril a junho e agosto a novembro de 2006 e maio a dezembro de 2007. Essas leituras foram comparadas com as leituras equivalentes do heterocontrole para o mesmo período. Somando, foram utilizados os dados relativos a 1 470 amostras de água coletadas e analisadas no período de 2006 e 2007, obtidos dos bancos de dados Secretaria Municipal da Saúde e da SANEPAR.

Fase laboratorial

Entre dezembro de 2007 e julho de 2008 os autores acompanharam as coletas de água para o heterocontrole e realizaram, nos mesmos pontos, uma segunda coleta para a análise de fluoretos pela técnica eletrométrica, somando um total de 376 amostras. A análise dessas 376 amostras pela técnica eletrométrica foi realizada pelos próprios autores da pesquisa.

Com esses dados foram exploradas diferenças estatísticas na fluoretação entre distritos sanitários, meses do período dezembro de 2007 a julho de 2008 e ETAs. Os dados do controle eletrométrico feito pelos autores e os dados eletrométricos da SANEPAR foram utilizados para comparar a concentração média de fluo-reto nos pontos de saída da água (estações de tratamento) e na chegada da água ao consumidor (torneira).

A técnica eletrométrica é baseada na medida direta dos íons fluoretos livres. Um eletrodo combinado seletivo para flúor é utilizado em conjunção com o medidor de atividade iônica. O elemento chave do eletrodo é uma membrana de cristal que separa uma solução interna de fluoreto da água na qual se submerge o eletrodo. Como resultado das diferentes concentrações de fluoreto, ocorre uma diferença de potencial em volts detectada por meio da membrana. Para que as soluções-padrão e as amostras sejam de forças iônicas comparáveis, é adicionado às soluções um tampão ajustador de força iônica (Total Ionic Strength Adjustor Buffer III, TISAB III), evitando a reação desses com o íon fluoreto.

Os autores receberam treinamento em laboratório e foram devidamente calibrados para analisar as amostras de água segundo a técnica eletrométrica. As análises foram realizadas em triplicata, com tampão TISAB III na proporção de 1:1. Foi utilizado o eletrodo Orion 9609BN (Boston, EUA) em conjunto com o medidor de atividade iônica Orion 920A (Boston, EUA). As concentrações das amos-e o eletrodo foi calibrado com soluções-padrão de 0,125; 0,25; 0,5; 1; e 2 ppmF.

Análise estatística

Após o cálculo das médias anuais de flúor para o período de janeiro de 2000 a julho de 2008, com base nas 2 542 amostras fornecidas pelo heterocontrole, realizou-se a comparação das leituras de concentração de fluoreto fornecidas pela SANEPAR com as leituras das análises realizadas pelo heterocontrole utilizando as 1 470 amostras de água coletadas e analisadas no período de 2006 e 2007.

Foram ainda comparadas as médias por ano, com intervalos de confiança de 95% (IC95%). As médias obtidas de cada instituição/sistema foram categorizadas quanto à adequação da dosagem de fluo-reto, considerando: a) o padrão ideal para a cidade (0,8 ppmF); b) o padrão ausente ou residual (até 0,2 ppmF); c) o padrão abaixo do ideal (de 0,21 até 0,79 ppmF); e d) o padrão acima do ideal (acima de 0,8 ppmF). Calculou-se a distribuição das frequências dessas variáveis de acordo com a instituição/sistema responsável pela análise, distrito sanitário e mês de coleta das amostras de água. Foram realizadas análises comparativas das médias entre instituições, utilizando ANOVA com múltiplos fatores.

Além disso, os dados da leitura do heterocontrole (SPADNS) foram comparados aos dados do heterocontrole realizado pelos autores em laboratório (técnica eletrométrica). Foi utilizado o software SPSS versão 16.0, comparando os valores das leituras de fluoreto pelas duas técnicas, por meio de amostras repetidas (n = 376). Foi utilizado o teste t de Student para amostras pareadas com IC95% (P = 0,05). Foram exploradas diferenças estatísticas na fluoretação entre distritos sanitários, meses do período dezembro de 2007 a julho de 2008 e ETAs.

Finalmente, para uma análise exploratória de custo-benefício, foram obtidos os valores de mercado cobrados por laboratórios credenciados para a realização de análises de cada amostra, segundo as duas técnicas analíticas de teores de fluoretos estudadas.

RESULTADOS

A partir dos dados registrados na série histórica de 2000 a 2008 (n = 2 542), com exceção já informada anteriormente para o ano de 2002, foram calculadas as médias anuais da concentração de fluoreto na água de abastecimento público da cidade de Curitiba. A média geral do heterocontrole de 2000 a 2008 foi de 0,7 ppmF (tabela 1), considerada abaixo do ideal para a cidade de acordo com a média das temperaturas máximas anuais.

Considerando os períodos de abril a junho e agosto a novembro de 2006, e de maio a dezembro de 2007, foi possível observar diferença estatisticamente significativa entre as médias de concentração de fluoreto nas amostras de água analisadas obtidas por heterocontrole e pela SANEPAR, ou seja, utilizando técnicas distintas (P< 0,001). A média de fluoreto segundo a SANEPAR (técnica eletrométrica) foi 0,8 ppmF, enquanto que a média obtida pelo heterocontrole (técnica SPADNS) foi de 0,7 ppmF. Foi observada grande variação na dosagem de fluoreto por mês de coleta e distrito sanitário de origem das amostras, em ambas as bases de dados (dados não mostrados). O teste ANOVA univariado demonstrou diferença estatisticamente significativa na fluoretação entre os distritos sanitários (P < 0,001). O mesmo teste mostrou diferença estatisticamente significativa na fluoretação da água entre os meses da pesquisa (P < 0,001). O mês de maio apresentou a menor média de concentração de fluoreto (0,65 ppmF), enquanto o mês de janeiro apresentou a maior variação nas leituras dos teores de fluoreto.

O teste ANOVA reafirmou a diferença significativa entre as médias registradas pela SANEPAR e pelo heterocontrole, repercutindo na interpretação dos parâmetros considerados de adequação/ inadequação dos níveis de flúor na água para a cidade de Curitiba (P < 0,001), como mostra a tabela 2.

Como parte da comparação entre os dados fornecidos pela SANEPAR e os dados obtidos pelo heterocontrole, e buscando investigar alguma variação de concentração atribuível à rede de distribuição de água, foram comparados os valores médios de fluoreto na ETA (saída da estação) fornecidos pela SANEPAR e os valores de chegada (torneira) obtidos com o heterocontrole realizado pelos autores. Nesse caso, todas as amostras foram analisadas segundo a técnica eletrométrica. O teste t de Student para amostras pareadas não mostrou diferença estatisticamente significativa entre as médias de fluoreto nos pontos de saída de água nas ETAs e na chegada às torneiras (P = 0,897; IC95%), conforme mostra a tabela 3. Quando comparada a média da fluoretação entre as ETA de Curitiba, no período de dezembro de 2007 a julho de 2008, o teste de Tukey não revelou diferença estatisticamente significativa entre as mesmas (P = 0,075).

Diferença entre técnicas

A comparação das técnicas eletrométrica e SPADNS para determinar os teores de fluoreto nas mesmas amostras de água (n = 376) revelou diferenças estatisticamente significativas pelo teste t de Student para amostras pareadas (P < 0,001). Os resultados demonstraram que o valor médio de fluoreto na água é maior quando avaliado pela técnica eletrométrica (0,743 ± 0,133) quando comparado com a técnica SPADNS (0,637 ± 0,164). Os resultados revelam, a partir do coeficiente de variação de Pearson, que a técnica SPADNS apresentou maior coeficiente de variabilidade (CV): 25,8% vs. 17,9% para a técnica eletrométrica.

Custo benefício: técnica eletrométrica e SPADNS

Explorou-se o valor médio cobrado por laboratórios para análise de fluoretos em amostras de água. O custo da análise de fluoreto para uma bateria mensal de 49 amostras de água, pela técnica eletrométrica seria de R$ 1 715,00 (R$ 35,00 por amostra) em laboratório contratado. No caso de as mesmas amostras serem analisadas pela técnica SPADNS, o valor médio seria de R$ 882,00 (R$ 18,00 por amostra), ou seja, a análise eletrométrica custaria, aproximadamente, o dobro do valor da análise colorimétrica (SPADNS).

DISCUSSÃO

A fluoretação da água de abastecimento público é reconhecida como sendo um dos meios mais efetivos para se manter constante a presença do flúor na cavidade bucal (18–20). Entretanto, pesquisas atuais para determinação de flúor enfatizam a necessidade de estabelecer técnicas precisas e sensíveis para baixas ou altas concentrações (21). A técnica do eletrodo específico (eletrométrica) (22) parece ser a mais utilizada na odontologia, sendo que a maioria dos trabalhos de heterocontrole de fluoretação da água utiliza essa técnica para determinar os níveis de fluoreto (10, 23–25).

O controle permanente da fluoretação deve ser realizado em pelo menos dois níveis: por meio do controle operacional realizado pelas empresas de saneamento e do heterocontrole, realizado de modo independente. A implementação da vigilância da fluoretação da água de abastecimento pressupõe retaguarda laboratorial confiável (26).

Atualmente, o heterocontrole da fluoretação da água é realizado em 49 pontos de coleta em Curitiba. O sistema opera desde o ano 2000. Desde então, houve um aumento no número de habitantes da cidade. A partir dos dados populacionais atuais, o Ministério da Saúde (18) aconselha que a coleta mensal das amostras de água em Curitiba seja feita em 56 pontos de coleta. Esta é, portanto, uma das primeiras observações críticas deste estudo, com a recomendação de que sejam adicionados sete pontos de coleta para atender a abrangência de amostragem para o controle da qualidade da água na cidade.

Curitiba é uma cidade que se destaca positivamente no acesso aos dados municipais sobre fluoretação da água (8, 26). Um estudo sobre fluoretação da água de abastecimento em Curitiba realizado em 1996 relatou uma situação favorável, com 98% de amostras adequadas. No entanto, o período de avaliação desse estudo foi de apenas 4 meses (27). No presente estudo, segundo a SANEPAR, 69% das amostras analisadas foram classificados com concentração ótima para a cidade (0,8 ppm). Entretanto, quando os dados são analisados longitudinalmente, percebe-se que a concentração de fluo-reto medida pela SANEPAR utilizando a técnica eletrométrica difere dos valores encontrados pelo heterocontrole pela técnica SPADNS. Uma hipótese seria a perda de fluoreto no caminho da ETA ao ponto final (torneira). No entanto, isso parece ser improvável, já que não foi evidenciada diferença estatisticamente significativa quando comparados o valor de fluoreto na saída da ETA e na chegada ao ponto final (torneira), pela mesma técnica (eletrométrica). Logo, outra hipótese testável seria que as duas técnicas geram resultados diferentes.

Um estudo realizado em Niterói comparou as técnicas colorimétrica e eletrométrica, observando que a primeira tende a superestimar a concentração de flúor presente na água (10). A mesma água coletada e medida pelas técnicas SPADNS e eletrométrica apresentava diferenças na concentração de fluoreto. Portanto, nos dois estudos, embora com conclusões distintas, há a evidência de que as duas técnicas apresentam leituras diferentes para a mesma amostra analisada.

No presente estudo, entre 2000 e 2006, a variabilidade do teor de fluoreto encontrado nas amostras analisadas foi consideravelmente alta. A partir de 2007, o contato dos pesquisadores com a Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba e SANEPAR foi intensificado. Iniciativas tais como encontros e treinamentos podem ter refletido favoravelmente na maior regularidade nos teores de fluo-reto nos anos 2007 e 2008, influenciando o controle de qualidade no processo de fluoretação. É fundamental que os operadores da ETA recebam treinamento para a execução da tarefa de medir o nível de flúor na água (28). Tal preocupação é compartilhada pela Organização Mundial da Saúde, que preconiza o treinamento de recursos humanos para administrar o sistema (29).

Em 10 meses de heterocontrole em Ponta Grossa (30), pesquisadores apontaram que dois terços das amostras analisadas no período tiveram concentrações inadequadas de fluoreto na água de abastecimento da cidade. Os autores citam ainda considerações sobre as possíveis limitações da técnica colorimétrica, utilizada para a aferição dos teores de fluoreto nas amostras, pois tal técnica estaria mais sujeita a erros de leitura do que a do eletrodo específico. Os resultados relatados foram considerados como indícios preliminares, sendo que está em curso a continuidade da pesquisa, cujas amostras serão analisadas pela técnica eletrométrica.

No presente estudo, as amostras analisadas pela técnica SPADNS foram classificadas fora da faixa considerada adequada, enquanto as analisadas pela técnica eletrométrica foram classificadas dentro da faixa adequada. Portanto, para validar o heterocontrole da fluoretação da água em Curitiba, a técnica eletrométrica deveria ser utilizada. Os custos relativos maiores seriam compensados por maior precisão e consistência analítica, provendo o sistema de hetero controle de padrões comparáveis aos da SANEPAR.

A principal limitação deste estudo está relacionada à utilização, em determinadas etapas, de bases de dados secundários provenientes de instituições diversas. Algumas dessas bases impuseram a rigorosa filtragem para depurar inconsistências, o que determinou a exclusão do ano de 2002. Contudo, o rigor metodológico adotado beneficiou a confiabilidade das análises realizadas.

Este estudo contribuiu para a validação do processo de heterocontrole, utilizando métodos e técnicas adequados para monitorar os teores de fluoreto em Curitiba e outras cidades que adotem essa medida. A partir dos resultados, é possível recomendar que o heterocontrole, sempre que possível, seja implementado utilizando o mesmo método de análise utilizado pela empresa de saneamento, que o número de pontos de coleta de água para heterocontrole seja calculado com base no número de habitantes que utilizam água tratada e que o heterocontrole opere de modo ininterrupto, sob responsabilidade de agentes comprometidos com a vigilância sanitária e epidemiológica de sua localidade. O poder público deve assegurar que o sistema de abastecimento da água fluoretada funcione de forma permanente, eficiente e efetiva, permitindo que os benefícios da fluoretação possam realmente ser usufruídos pela população.

REFERÊNCIAS

1. Jones S, Burt BA, Petersen PE, Lennon MA. The effective use of fluorides in public health. Bull World Health Organ. 2005;83(9):670–6.

2. Lima FG, Lund RG, Justino LM, Demarco FF, Del Pino FAB, Ferreira R. Vinte e quatromeses de heterocontrole da fluoretação das águas de abastecimento público de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saude Publica. 2004;20(2):422–9.

3. Estados Unidos, Centers for Disease Control and Prevention. Achievements in public health, 1900–1999. Fluoridation of drinking water to prevent dental caries. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 1999;48(41):933–40.

4. Brasil, Ministério da Saúde. Portaria 635/ Bsb/1975. Disponível em:http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/portaria_635.pdf. Acessado em 11 de agosto de 2010.

5. Marthaler TM. Successes and drawbacks in the caries—preventive use of fluorides— lessons to be learnt from history. Oral Health Prev Dent. 2003;1(2):129–40.

6. Teixeira AKM, Menezes LMB, Dias AA, Alencar CHM, Almeida MEL. Análise dos fatores de risco ou de proteção para fluorose dentária em crianças de 6 a 8 anos em Fortaleza, Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2010: 28(5):no prelo.

7. Narvai PC. Fluoretação da água: heterocontrole no Município de São Paulo no período 1990–1999. Rev Bras Odontol Saude. Colet. 2000;2(2):50–6.

8. Panizzi M, Peres MA. Dez anos de heterocontrole da fluoretação de águas em Chapecó, Estado de Santa Catarina, Brasil. Cad Saude Publica. 2008;24(9):2021–31.

9. Schneider Filho DA, Prado IT, Narvai PC, Barbosa SE. Fluoretação da água. Como fazer a vigilância sanitária? Cad Saude Bucal. 1992; 1:1–23.

10. Maia LC, Valença AMG, Soares EL, Cury JA. Controle operacional da fluoretação da água de Niterói, Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica. 2003;19(1):61–7.

11. Ramires I, Maia LP, Rigolizzo DS, Lauris JRP, Buzalaf MAR. Heterocontrole da fluoretação da água de abastecimento público de Bauru, SP, Brasil. Rev Saude Publica. 2006;40(5): 883–9.

12. Catani DB, Amaral RC, Oliveira C, Souza MLR, Cury JA. Dez anos de acompanhamento do heterocontrole da fluoretação da água feito por municípios brasileiros, Brasil, 1996–2006. Rev Gaucha Odontol. 2008;56(2):151–5.

13. Amaral RC, Sousa MLR. Oito meses de heterocontrole da fluoretação das águas de abastecimento público de Piracicaba, São Paulo, Brasil. Rev Odont Univ Cidade Sao Paulo. 2007;19(2):131–6.

14. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2007. Disponível em:www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1. Acessado em 11 de agosto de 2010.

15. SIMEPAR. Tecnologia e informações ambientais. Disponível em: www.simepar.br. Acessado em 11 de agosto de 2010.

16. Motter J. Avaliação do processo de heterocontrole da fluoretação da água de abastecimento em Curitiba—PR [dissertação]. Curitiba: Pontifícia Universidade Católica do Paraná; 2009. Disponível em:http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/4/TDE-2009-0827T120120Z-1248/Publico/Juliana.pdf. Acessado em 16 de dezembro de 2010.

17. Frant MS, Ross JW. Electrode for sensing fluoride ion activity in solution. Science. 1966; 154(756):1553–5.

18. Brasil, Ministério da Saúde. Portaria MS 518/ 2004. Disponível em: portal.saude.gov.br/ portal/arquivos/pdf/portaria_518_2004.pdf. Acessado em 11 de agosto de 2010.

19. World Health Organization. Oral health surveys: basic methods. Genebra: WHO; 1997.

20. Thylstrup A, Fejerskov O. Cariologia clínica. São Paulo: Editora Santos; 1995.

21. Sampaio FC. Flúor: pesquisas atuais. Em: Dias AA, org. Saúde bucal coletiva; metodologia de trabalho e práticas. São Paulo: Editora Santos; 2006. Pp.175–85.

22. Frant MS. Historical perspective. History of the early commercialization of ion-selective electrodes. Analyst. 1994;119(11):2293. [ Links ]

23. Bellé BLL, Lacerda VR, Carli AD, Zafalon EJ, Pereira PZ. Análise da fluoretação da água de abastecimento público da zona urbana do município de Campo Grande (MS). Cienc Saude Colet. 2009;14(4):1261–6.

24. Silva JS, Moreno WG, Forte FD, Sampaio FC. Natural fluoride levels from public water supplies in Piauí State, Brazil. Cienc Saude Colet. 2009;14(6):2215–20.

25. Silva JS, Val CM, Costa JN, Moura MS, Silva TAE, Sampaio FC. Heterocontrole da fluoretação das águas em três cidades no Piauí, Brasil. Cad Saude Publica. 2007;23(5):1083–8.

26. Noro LRA. O Desafio da Vigilância em SaúdeBucal no Sistema Único de Saúde. Em: Dias AA, org. Saúde bucal coletiva; metodologia de trabalho e práticas. São Paulo: Editora Santos; 2006. Pp. 187–210.

27. Dantas NL, Domingues JEG. Sistema de vigilância dos teores de flúor na água de abastecimento público de Curitiba. Divulg Saude Debate. 1996;13:70–81.

28. Murray JJ. O uso correto de fluoretos em saúde pública. São Paulo: OMS-Editora Santos; 1992.

29. WHO (World Health Organization). Fluorides and oral health. Genebra: WHO; 1994.

30. Wambier DS, Pinto MHB, Kloth ASG, Vetorazzi ML, Ditterich RG, Oliveira DKD. Análise do teor de flúor nas águas de abastecimento público de Ponta Grossa-PR: dez meses de heterocontrole. Publicatio UEPG Cienc Bio Saude. 2007;13(1/2):65–72.

Fonte: Scielo (http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1020-49892011000200007&lang=pt)

Revista: Panamericana de Salud Pública
Rev Panam Salud Publica vol.29 no.2 Washington Feb. 2011

ÚLTIMOS ARTIGOS: