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Ultrafiltração como processo de tratamento para o reúso de efluentes de laticínios.

Eng. Sanit. Ambient. v.12 n.2 Rio de Janeiro abr./jun. 2007

http://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522007000200004

Ultrafiltração como processo de tratamento para o reúso de efluentes de laticínios

Ultrafiltration as treatment process for reuse of dairy effluent

Vandré Barbosa BriãoI; Célia Regina Granhen TavaresII

IFaculdade de Engenharia e Arquitetura. Departamento de Engenharia de Alimentos. Universidade de Passo Fundo
IIDepartamento de Engenharia Química. Universidade Estadual de Maringá

Endereço para correspondência

RESUMO

O trabalho objetivou testar duas membranas de ultrafiltração com diferentes tamanhos de poros (uma membrana espiral de polieterssulfona e corte de 5-8 kDa e uma membrana tubular de PVDF com corte de 30-80 kDa) para a recuperação de nutrientes do efluente de laticínios, procurando avaliar o comportamento de fluxo e a remoção de parâmetros de controle de poluição. Os resultados demonstraram uma remoção de DQO próxima de 75%, separando, no entanto, proteínas na faixa de 97% e gorduras na faixa de 91% a 93%. Os fluxos apresentados foram de 18 kg m-2 h-1 para a membrana espiral e 50 kg m-2 h-1 para a membrana tubular. O processo demonstrou que estudos posteriores poderiam tornar possível o reuso destes dois nutrientes em subprodutos lácteos.

Palavras-chave: Laticínios, ultrafiltração, membranas, efluente, leite, reúso.

ABSTRACT

The work aimed to test two different pore size ultrafiltration membranes (a spiral wound PES membrane, cut off 5-8 kDa; and another, a tubular PVDF membrane, cut off 30-80 kDa) to nutrients recovery from dairy effluents, looking up to evaluate the flux behavior and the pollution control parameters removal. The results have shown that COD removal is nearby 75%; however, proteins separation is near 97% and fats removal is in a range 91% – 93%. The fluxes were 18 kg m-1 h-1 for spiral wound membrane and 50 kg m-2 h-1 for tubular membrane. The process has shown latter studies could became possible the both nutrients reuse on dairy products.

Keywords: Dairy, ultrafiltration, membrane, effluent, milk, reuse.

INTRODUÇÃO

A poluição das águas tornou-se assunto de interesse público em todas as partes do mundo, de modo que não apenas os países desenvolvidos são afetados pelos problemas ambientais, as nações em desenvolvimento sofrem também com os graves impactos da poluição (Braile & Cavalcanti, 1993).

A inserção do conceito de “usuário pagador” na captação de água e descarte de efluentes (Brasil, 1997) levou técnicos e administradores de atividades produtivas a repensar o planejamento estratégico de alguns setores. As indústrias de alimentos são exemplos de atividades que sofrerão conseqüências econômicas com o conceito do usuário pagador, pois há um grande consumo de água para o processamento de seus produtos e limpeza de seus equipamentos. As usinas de laticínios encontram-se nesse grupo de indústrias, pois as operações de lavagens de silos, tubulações, tanques, pasteurizadores e equipamentos demandam grandes volumes de água, descartando conseqüentemente grandes volumes de efluentes. Em alguns casos, cada litro de leite processado pode gerar até onze litros de efluente enviados ao tratamento de final de tubo (Brião, 2000).

O reúso e reciclo de efluentes sur-ge, neste contexto, como alternativa pa-ra a minimização dos resíduos, evitando a sobrecarga nos sistemas de tratamento e servindo como uma ferramenta na redução de custos. A implementação de circuitos fechados ou semifechados de água para uso industrial tem sido estudada para se avaliar a melhor proposta para o reuso, minimizando também os custos com o tratamento necessário para tal. Diferentes alternativas podem ser disponibilizadas para tratar efluentes para o reuso, dado que diferentes podem ser as necessidades e tendências de cada atividade produtiva ou região onde está inserida esta atividade (Ballanec, 2002).

Os processos com membranas que utilizam o gradiente de pressão como força motriz (microfiltração, ultrafiltração, nanofiltração e osmose inversa) apresentam um grande potencial para a recuperação de efluentes, pois são meios porosos (no caso da osmose inversa até mesmo despreza-se a presença de poros) que atuam como filtros em nível molecular, possibilitando o fracionamento dos compostos que constituem o efluente. A ultrafiltração é um processo intermediário referente ao tamanho dos poros, que retém tipicamente moléculas com massa molar entre 500 Daltons a 500000 Daltons. Incluem-se nessa faixa gorduras, emulsões, proteínas, polímeros, biomoléculas e colóides (Peppin & Elliot, 2001).

A aplicação dos processos de separação por membranas na purificação de efluentes da indústria alimentícia para reuso apresenta-se como um desafio, visto que o volume e a carga dos efluentes apresentam uma grande variação, dependendo sobretudo, da água utilizada, do tipo de processo e do controle exercido sobre as várias descargas de resíduos. Além disso, a possibilidade de reutilização da fração concentrada (ou retida) é uma motivação adicional, pois muitas vezes é uma corrente rica em nutrientes e sais.

O objetivo do trabalho foi utilizar duas membranas de ultrafiltração, com diferentes tamanhos de poros, para tratar um efluente industrial de laticínios, avaliando as correntes permeada e retida de modo a estudar-se um possível reuso para estas.

MATERIAIS E MÉTODOS

O trabalho experimental consistiu em utilizar duas membranas em um módulo piloto de filtração tangencial: uma membrana tubular de polivinilideno – PVDF (HFM 180 – Koch Membrane Systems) com 166 cm2 de área filtrante e corte de 30 – 80 kDa (segundo o fabricante) e uma membrana espiral de polieterssulfona (PES), modelo HFM 131 – Koch Membrane Systems, com 2800 cm2 de área e corte de 5 – 8 kDa (segundo o fabricante). A Figura 1 apresenta um diagrama do módulo de ultrafiltração utilizado.

O efluente foi obtido de uma linha industrial de pasteurização e envase em embalagem plástica flexível. Coletou-se apenas o efluente produzido pelo enxágüe inicial da linha de produção.

Para os ensaios de concentração, utilizou-se um efluente diluindo-se leite em pó integral em água potável (relação de 1,8 g L-1), de modo a simular a carga do efluente industrial. Utilizou-se somente a membrana espiral de PES para este ensaio.

As condições operacionais eram pré-ajustadas rapidamente circulando-se água destilada no módulo, por meio da válvula de diafragma e pelo controle da vazão de ar comprimido que movimenta a bomba pneumática. A pressão de operação foi de 294 kPa (3,0 kgf cm-2). A velocidade tangencial foi de 2,23 m s-1 para a membrana tubular e 0,44 m s-1 para a membrana espiral. Os ensaios foram conduzidos à temperatura ambiente, embora esta não tenha excedido os limites de 23 ± 2ºC, sendo realizadas duplicatas dos experimentos.

Os parâmetros avaliados seguiram as recomendações analíticas da American Publican Health Association – APHA (1995). São eles: DQO, turbidez, fósforo, nitrogênio, óleos e graxas e cálcio e sólidos totais. Foram analisados também proteínas segundo o método de Lowry e lactose pelo método de açúcares redutores do 3,5 DNS.

A remoção foi calculada conforme a Equação 1 (Ballanec et al, 2002).

Sendo R o coeficiente de remoção (%); Ca a concentração na corrente de alimentação (mg L-1) e Cp a concentração da corrente permeada (mg L-1).

O Fator de Concentração (FC) foi calculado conforme a Equação 2 (Ballanec et al, 2002).

Sendo V0 o volume inicial de efluente, Vr o volume final de rejeito e Vp o volume de permeado. FC unitário corresponde ao efluente inicial.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Fluxo

Figura 2 apresenta o perfil de fluxo nos experimentos realizados.

A membrana tubular apresentou maior fluxo que a membrana espiral por apresentar um maior diâmetro de poros, permitindo uma maior passagem de permeado. Ambas membranas demonstraram uma redução de fluxo semelhante, pois decorridos setenta minutos de experimento o fluxo da membrana tubular era apenas 57% do fluxo inicial, sendo este valor de 53% para a membrana espiral. Entretanto, o comportamento da curva de filtração apresenta diferenças. A membrana tubular demonstra uma rápida redução de fluxo já nos momentos iniciais do processo, estabilizando após, em um patamar próximo a 50 kg m-2 h-1. Já a membrana espiral demonstrou uma redução de fluxo inicial mais branda; contudo, apresentou uma redução de fluxo ao longo do tempo, caracterizando o fouling de longo período, sendo este valor de 18 kg m-2 h-1, após 70 min de ultrafiltração.

Remoção

Tabela 1 apresenta as concentrações médias do permeado e alimentação, bem como as remoções obtidas nos experimentos, com as membranas tubular e espiral mantendo-se a concentração da alimentação constante.

A moderada DQO do permeado deve-se em grande parte à lactose, que permeia a membrana em valores acima de 70%. Embora a dimensão da lactose seja menor que o diâmetro dos poros de ambas membranas, há uma pequena remoção devido à camada de proteínas aderida à membrana, que forma uma camada secundária, e evita a passagem de uma parcela de lactose através da membrana.

No permeado restam apenas resíduos de proteínas, que variaram de 13 mg L-1 a 16 mg L-1. Esta pequena diferença mostra que é provável que a segunda membrana esteja separando também as proteínas do soro, uma vez que possui uma menor dimensão de poros. No entanto, as proteínas do soro constituem uma pequena fração do teor total de proteínas do leite, o que explicaria a pequena diferença entre a concentração de proteínas no permeado das duas membranas. Apesar disso, tem-se uma considerável recuperação de proteínas (acima de 96%) para ambas membranas, refletindo também em uma remoção de nitrogênio acima de 97%.

A concentração de óleos e graxas no permeado mostra que uma reduzida parcela desses compostos permeia a membrana, variando de cerca de 50 mg L-1 a 70 mg L-1. Entretanto, ambas membranas apresentaram uma alta remoção desses compostos (acima de 90%), que permanecem no rejeito e possibilitam a recuperação destes para aplicação em outros subprodutos e/ou processos.

Ambas membranas apresentaram rejeições moderadas de cálcio e fósforo. Embora estes sais possuam dimensões inferiores aos poros das membranas, esses compostos encontram-se ligados ao complexo formado entre as micelas de caseína e gordura na forma de fosfato de cálcio (Bylund, 1995). Quando a caseína é rejeitada no processo, é provável que o cálcio e fosfato que integram esse complexo também sejam rejeitados, resultando em um fracionamento parcial da matéria mineral.

Os glóbulos de gorduras e proteínas são responsáveis pela cor, consistência e opalescência do leite. A cor é também resultado da dispersão da luz em proteínas, gorduras, fosfatos e citrato de cálcio (Tetra Pak, 1992). Logo, a grande separação de proteínas e gorduras do permeado resultou em uma corrente de permeado com turbidez próxima de zero. A Figura 3 apresenta o permeado, alimentação e rejeito do experimento realizado com a membrana espiral.

 

Concentração do efluente

Tabela 2 mostra as caracterizações da alimentação inicial, do rejeito final e do permeado final após atingir-se FC = 34.

 

Tabela 2 mostra que se partiu de uma alimentação com menos de 0,2% de sólidos totais, atingindo-se ao final a concentração de cerca de 2,3% deste parâmetro no concentrado. Verificou-se que houve basicamente a concentração de proteínas e gorduras do leite, uma vez que estes dois compostos correspondem a 90% da concentração de sólidos totais. Quanto ao permeado, observou-se que mesmo havendo a elevação da concentração do rejeito, a membrana manteve baixo o teor de proteínas e gorduras, embora tenha ocorrido um aumento de 47% na concentração de lactose em comparação com o valor obtido na Tabela 1. A concentração final de proteínas atingiu 1,17%, mostrando uma boa capacidade do processo em recuperar este composto, sendo que observação semelhante pode ser feita para gorduras, uma vez que a concentração final destas no rejeito alcançou 0,91%.

Oportunidades de reúso

O fracionamento do efluente de laticínios em permeado e rejeito abre a hipótese para uso das duas correntes. O permeado apresenta uma concentração moderada de matéria orgânica (basicamente lactose, elevando a DQO), o que dificulta sua aplicação. Entretanto, o enxágüe inicial, que visa a remoção grosseira, poderia ser testado com esta corrente. A Figura 4 mostra a seqüência para essa alternativa. O enxágüe inicial com o permeado poderia reduzir o volume de água fresca utilizada para o enxágüe posterior. Entretanto, um minucioso estudo tanto técnico quanto econômico deveria ser realizado com o objetivo de se verificar os ganhos de tal alternativa. Embora a ultrafiltração seja passível de remoção microbiológica, há o risco da recontaminação, uma vez que o permeado ainda contém uma considerável concentração de açúcares (lactose). Uma reutilização imediata seria necessária para evitar tais problemas. De qualquer modo, o sistema teria ainda como garantias a limpeza CIP (Cleaning In Place), que visa a remoção de matéria orgânica, sais minerais, e também a descontaminação microbiológica (ou sanitização), se necessária.

 

Por outro lado, o uso do rejeito obtido com o processo abre muitas possibilidades. Em outros setores, Skelton (2000) relatou exemplos de aplicações de processos de separação com membranas para recuperação de gordura de indústrias de margarina, concentrando o rejeito e possibilitando o reúso. Na indústria de laticínios, uma promissora alternativa seria a aplicação deste concentrado, rico em proteínas e gorduras, em subprodutos lácteos, como doce de leite, substituindo-se parcialmente a matéria-prima por este concentrado. A adição de sólidos de origem láctea é permitida pela legislação brasileira (Brasil, 1997a) e já vem sendo executada comercialmente por algumas empresas do ramo, utilizando-se, entretanto, o leitelho (soro resultante do batimento da manteiga) ou mesmo o soro de queijo para esse fim. Um exemplo de aplicação do concentrado obtido por ultrafiltração é apresentado na Figura 5.

 

Figura 5 demonstra que somente o efluente do enxágüe inicial seria aproveitado para ser inserido em subprodutos, pois os enxágües posteriores carregam consigo os resíduos de hidróxido de sódio ou ácido nítrico, soluções estas utilizadas para a limpeza CIP do sistema. Além disso, uma etapa de pasteurização após a ultrafiltração torna-se necessária, uma vez que, se o resíduo for proveniente de um tanque de leite in natura, este efluente possui ainda grande carga microbiana. A pasteurização garantiria também a possibilidade de um armazenamento temporário do concentrado, aguardando lacunas da produção de doce de leite.

A utilização do concentrado pode auxiliar também na prevenção da formação de cristais no produto. Em produtos lácteos com baixa umidade e adicionados de açúcar (como leite condensado e doce de leite), a lactose cristaliza devido à sua baixa solubilidade (em comparação à sacarose). Os cristais de lactose conferem sensorialmente ao produto a sensação indesejável de arenosidade. Em muitos produtos comerciais, adiciona-se a enzima lactase para hidrolisar a lactose, evitando a cristalização desta. A adição de um concentrado possuindo proteínas e gordura do leite valorizaria a recuperação do efluente, uma vez que reduzida a concentração de lactose, poderia vir a minimizar a cristalização deste composto.

CONCLUSÕES

As duas membranas utilizadas nos experimentos apresentaram forte redução de fluxo. A membrana espiral apresentou um fluxo de 18 kg m-2 h-1 após 70 min de ultrafiltração, enquanto a membrana tubular apresentou um valor aproximadamente 270% maior (50 kg m-2 h-1).

A remoção dos parâmetros analisados foi semelhante nas duas membranas, removendo DQO acima de 74%, proteínas em cerca de 97% e óleos e graxas acima de 90%. Compostos como lactose, cálcio e fosfato, de menores dimensões, também são removidos, embora com menores rejeições.

O processo de ultrafiltração apresenta-se desta forma, como uma promissora alternativa para o tratamento de efluentes de laticínios, possibilitando a retirada de nutrientes da corrente descartada, com a possibilidade de concentrá-los para um possível reúso como ingrediente de subprodutos lácteos. Testes com tal finalidade estão ainda em andamento.

REFERÊNCIAS

AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION – APHA. Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater, 20. ed. Washington: IWWA, 1995.        [ Links ]

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BRAILE, P.M.; CAVALCANTI, J.E.W.A. Manual de tratamento de águas residuárias. São Paulo: Cetesb, 1993.        [ Links ]

BRASIL. Ministério da Agricultura e do Abastecimento.Portaria nº354, de 4 de setembro de 1997. Fixa padrões de identidade e qualidade para a produção de doce de leite. Brasília, DF, 1997a.        [ Links ]

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SKELTON, R. Membranes in food processing. Filtration and Separation. v. 37, n. 3, p. 28 – 30, 2000.        [ Links ]

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