BIBLIOTECA

Testes de bancada e piloto no tratamento de águas usando membranas de ultrafiltração recicladas a partir de membranas poliméricas não porosas

Resumo

O uso de membranas poliméricas não porosas tem aumentado significativamente em todo o mundo, inclusive no Brasil. Tanto a tecnologia de osmose inversa (OI) quanto a de nanofiltração (NF) são ótimas opções para a produção de água limpa, seja para fins domésticos ou industriais, num contexto de estresse hídrico e escassos recursos de água doce. No entanto, o aumento das aplicações desse tipo de membrana também significa aumento de impactos adversos. Os módulos espirais de membranas têm uma vida útil de aproximadamente 5 a 7 anos e requerem uma gestão adequada de descarte e disposição em aterros. Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar o desempenho de membranas recicladas a partir de membranas descartadas. A técnica de reciclagem baseou-se na conversão química de membranas compósitas de filme fino e foi realizada por imersão em hipoclorito de sódio comercial (NaClO). As membranas recicladas apresentaram desempenho e características semelhantes a membranas porosas de ultrafiltração (UF), mostrando baixa tendência de incrustação. Amostras de águas superficiais tratadas com as membranas recicladas apresentaram conformidade ao padrão brasileiro de potabilidade para os parâmetros analisados: cor aparente, turbidez, coliformes totais, Escherichia coli e bactérias heterotróficas.

Introdução

As membranas poliméricas compósitas de película fina de nanofiltração (NF) e de osmose inversa (OI), devido ao grande desenvolvimento técnico das últimas décadas e consequente aprimoramento de desempenho, chegaram a um estado de maturidade e confiabilidade, assim recebendo crescentes aplicações, inclusive para a produção de água de reuso. Ambos os processos são acionados pela pressão como força motriz, para separações em fase líquida. O processo de OI desempenha um papel crescente no atendimento às necessidades de tratamento e abastecimento de água em todo o mundo (SHENVI et al., 2015), enquanto a membrana de NF é uma das tecnologias mais indicadas para o tratamento de matéria orgânica natural e poluentes inorgânicos em águas superficiais (SHON et al., 2013).

No entanto, o aumento das aplicações desse tipo de membrana também significa aumento de impactos adversos causados pelo descarte e disposição dos módulos de membranas em grandes quantidades. Segundo os fabricantes, a membrana de NF tem um tempo de vida útil limitado a 5 anos, enquanto para a membrana de OI está entre 5 e 7 anos. Esse tipo de resíduo é normalmente classificado como resíduo sólido inerte e deve ser destinado a aterros sanitários, com poucas alternativas de reutilização. Desse modo, publicações recentes têm destacado a importância de buscar uma solução para esse impacto econômicos e ambiental, ou seja, a necessidade de limitar o descarte direto dos módulos de membranas (RATTANAKUL, 2012; LAWLER et al., 2015; SAHUQUILLO et al., 2015; LANDABURU-AGUIRRE et al., 2016; COUTINHO DE PAULA, AMARAL, 2017).

A avaliação técnica da reciclagem de membranas de OI em final de ciclo foi relatada em vários estudos anteriores em diversas partes do mundo (LAWLER et al., 2012; 2013; RAVAL et al., 2012; PONTIÉ, 2014; 2017; GARCÍA-PACHECO et al., 2015; 2018; COUTINHO DE PAULA et al., 2016; 2017). Coutinho de Paula et al. (2018) também reportaram a reciclagem de membranas de NF.

De acordo com Lawler et al. (2012), Pontié (2014) e Coutinho de Paula et al. (2017), a membrana convertida, resultante do ataque por agentes oxidantes fortes, apresenta desempenhos hidráulicos e de rejeição salina que são comparáveis às membranas de UF comercialmente disponíveis. Segundo García-Pacheco et al. (2015; 2018), as membranas obtidas por conversão química podem ter características semelhantes a membranas de UF ou de NF, dependendo das condições de ataque químico.

Lawler et al. (2013) estudaram vários tipos de membranas disponíveis no mercado, centrando-se nos métodos de armazenamento das membranas e medidas de pré-umedecimento para favorecer a conversão das membranas. Os autores afirmaram que, invariavelmente, todos os tipos de membranas testadas beneficiaram-se de pré-umedecimento. Este trabalho desenvolvido na Austrália reportou um método otimizado de conversão com 300.000 ppm∙h de NaClO, pela determinação da condição inicial da membrana e o seu desempenho correspondente em permeabilidade, rejeição salina, rejeição de proteínas e compostos húmicos, remoção de patógenos e potencial de incrustação. Especificamente para a membrana BW30, este estudo reportou permeabilidade de 58,5 L∙h-1∙m-2∙bar-1. As membranas convertidas demonstraram uma remoção de vírus de 2,4 log e em termos de rejeição a proteínas e substâncias húmicas, bem como de propensão à incrustação, foram comparáveis a membranas de UF com massa molar de corte (MMC) de 10 kDa.

Usando a técnica de oxidação química de membranas poliméricas com NaClO comercial, Coutinho de Paula et al. (2017) avaliaram no Brasil o desempenho e a caracterização físico-química de membranas recicladas. Após testes de bancada de longa duração de permeação de uma mistura de compostos orgânicos, os resultados revelaram que um fluxo de permeado ~40 L∙h-1∙m-2∙bar-1 foi estabilizado após ~24 horas de operação. A análise do declínio do fluxo demonstrou que o melhor desempenho de permeação para a membrana reciclada foi fornecido sob uma pressão de 0,5 bar. Segundo os autores, uma limpeza alcalina à temperatura ambiente (25 oC) foi eficiente para a recuperação da permeabilidade durante sucessivos ciclos de incrustação e limpeza por 150 horas. Assim, a combinação de hidrofilicidade e baixa rugosidade superficial resultou em uma membrana reciclada com alto fluxo e bom comportamento de incrustação. A conclusão deste estudo foi que as membranas de OI recicladas oferecem potencial de uso como MF ou UF, apresentando bom desempenho e resistência à incrustação.

García-Pacheco et al. (2018) testaram a reciclagem direta de cinco modelos diferentes de membranas de OI em final de vida, usando NaClO. O desempenho da membrana (coeficientes de permeabilidade e rejeição) foi identificado pelo tratamento de água salobra natural. Este estudo deu ênfase à aplicação de uma intensidade de contato entre a membrana e o agente oxidante menor que os trabalhos anteriores, resultando na conversão de membranas de OI descartadas em membranas similares à NF. Além disso, foram realizados testes de validação para analisar a estabilidade da membrana reciclada na permeação de longo período em uma instalação de dessalinização na Espanha. Para este fim, dois vasos de pressão reais com a capacidade para seis módulos de membranas foram adaptados. Segundo os autores, as membranas recicladas não apresentaram diminuição de desempenho após quatro meses de operação.

Conforme acima exposto, as técnicas de conversão química das membranas poliméricas em membranas porosas, bem como as possíveis aplicações das membranas recicladas continuam recebendo crescente interesse nos contextos acadêmico e industrial.

Autores: Eduardo Coutinho de Paula; Poliana Vicente Martins; Júlia Celia Lima Gomes e Míriam Cristina Santos Amaral.

ÚLTIMOS ARTIGOS: