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Avaliação do potencial de recuperação de nitrogênio e fósforo a partir do aproveitamento agrícola do lodo e efluente gerados nas estações de tratamento de esgotos em sub-bacias do Rio São Francisco

Resumo

Os nutrientes presentes no esgoto sanitário têm origem dos alimentos consumidos e descartados pelo homem, os quais, em algum momento do ciclo produtivo, os retiraram do solo. Por esta razão, aponta-se que a maneira mais coerente de se fechar o ciclo destes nutrientes é retornando-os ao solo através da aplicação de lodo e efluente de esgoto.

Este trabalho objetivou avaliar o potencial de utilização do lodo e do efluente gerados nas ETEs inseridas nas bacias hidrográficas SF5 e SF6, para atender a demanda por nitrogênio e fósforo nas atividades agrossilvipastoris da área de produção nos municípios. Para tanto, estimou-se a demanda de nutrientes nessas atividades e a oferta de nutrientes a partir dos subprodutos das ETEs. Ademais, investigou-se a área aproximada no entorno de cada estação que poderia ser adubada com o uso da totalidade dos subprodutos das ETEs.

No que tange à oferta e à demanda de nutrientes, tem-se que 4,9% da demanda por nitrogênio e 3,6% da demanda por fósforo nas atividades agrossilvipastoris nas referidas bacias poderiam ser supridas pelo uso dos subprodutos do tratamento de esgoto, considerando a atual estrutura implantada. Caso as estações de tratamento existentes operassem em sua capacidade plena de projeto, tais subprodutos poderiam responder pelo suprimento de 7,2% e 5,3% da demanda por nitrogênio e por fósforo, respectivamente, nas áreas de produção agrossilvipastoril dessas bacias hidrográficas. Caso fossem colocadas em operação as estações já projetadas ou em implantação, o potencial de atendimento se ampliaria para 9,3% da demanda por nitrogênio e 6,3% da demanda por fósforo.

Tais valores demonstram uma maior demanda do que oferta, indicando que, caso esta alternativa seja empregada, existirá demanda para receber a totalidades desses subprodutos. Adicionalmente, a prática da reciclagem de nutrientes do lodo e efluente proporcionaria diminuição na poluição causada pela disposição destes subprodutos em aterros e lançamento em corpos d’água.

Em relação às áreas passíveis de serem fertilizadas, tem-se que para as ETEs com baixo equivalente populacional, a área necessária para dispor a totalidade dos subprodutos é relativamente pequena, reduzindo-se a distância pela busca de possíveis receptores. Os resultados apontam grandes possibilidades para reciclagem agrícola dos nutrientes presentes no lodo e esgoto doméstico, forma de disposição final essencial na concepção de ETEs mais sustentáveis e que desempenhem papel importante dentro do conceito da economia circular.

Introdução

O esgoto sanitário é composto por água e por sólidos, sendo que esta última fração é composta tanto por substâncias orgânicas quanto inorgânicas. Dentre os componentes da fase sólida, estão presentes aqueles que consistem em macro ou micronutrientes das plantas, especialmente os macronutrientes nitrogênio e fósforo. O nitrogênio (N) pode estar presente nas formas orgânica, amônia, nitrito e nitrato, enquanto o fósforo (P) existe na forma orgânica (combinado à matéria orgânica) e inorgânica (ortofosfatos e polifosfatos) (VON SPERLING, 2005). O teor de N e P presentes no efluente tratado e no lodo, assim como a quantidade de lodo produzida, varia de acordo com a tecnologia de tratamento da fase líquida. Com base na literatura (ANDREOLI, VON SPERLING e FERNANDES, 2001; ROSA, CHERNICHARO e MELO, 2015; NASCIMENTO, 2016) e considerando diversas tecnologias de tratamento, depreende-se que o teor de N no lodo varia entre 2,0 a 4,4 % enquanto teor de P varia entre 0,2 a 1,6%. Já no efluente tratado, a concentração de N varia entre 10,4 a 95,1 mg/L e a de P entre 2,1 a 13,2 mg/L.

A presença de nutrientes no esgoto está fortemente relacionada à dieta humana e aos resíduos alimentares gerados na cozinha e que chegam ao esgoto. Dito isso, pode-se afirmar que os nutrientes existentes no esgoto têm origem dos alimentos consumidos e descartados pelo homem, os quais, em algum momento do ciclo produtivo, os retiraram do solo. Por esta razão, aponta-se que a maneira mais coerente de se fechar o ciclo destes nutrientes é retornando-os ao solo, o que, dentre outras vantagens, proporcionaria um alívio sobre a exploração de fontes convencionais e não renováveis de nutrientes, por exemplo, as rochas fosfatadas. De outro modo, quando estes nutrientes são dispostos nos cursos d’água ou em aterros sanitários, tem-se um desequilíbrio do sistema, a deterioração dos cursos d’água pelo aporte indevido de nutrientes e um desperdício de recursos de grande valor.

As estações de tratamento de esgotos (ETEs) comumente são concebidas considerando como rota final do efluente tratado um corpo d’água receptor. Quanto ao lodo gerado como subproduto do tratamento, a rota de destinação mais utilizada no Brasil é a disposição em aterros sanitários. É sabido que apesar de serem soluções aceitas, nem sempre são as mais adequadas. Segundo Mota e von Sperling (2009) a presença de nutrientes em corpo d’água pode, em certas condições, conduzir ao fenômeno de eutrofização. Além disso, a presença de nitrogênio na forma de amônia livre é tóxica aos peixes.

Em contrapartida, a aplicação de lodo e efluente de esgoto no solo pode trazer diversos benefícios. Dentre os benefícios associados à melhoria da qualidade do solo, a maior parte está associada à adição de matéria orgânica, podendo-se mencionar: aumento da superfície específica da fração sólida, estruturação e estabilização dos agregados, retenção de água, melhoria da consistência, aumento da fertilidade, alteração favorável no pH, neutralização de elementos químicos tóxicos, adição de micronutrientes e melhoria na biota do solo (MATOS, 2014). Outras vantagens associadas à prática são: maior parcelamento da fertilização, evitando-se perdas e proporcionando o atendimento às necessidades das plantas nas diferentes etapas de desenvolvimento da cultura; além de economia de insumos e, consequentemente, de recursos financeiros (BASTOS, 2003).

Diante dos diversos aspectos positivos apresentados, neste trabalho teve-se o intuito de avaliar as oportunidades para o desenvolvimento da prática de reciclagem de nutrientes a partir de um olhar voltado para a necessidade de adubação das áreas destinadas às atividades agrosilvipastoris. O trabalho foi desenvolvido a partir da seleção de duas Unidades de Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos (UPGRH) da bacia hidrográfica do Rio São Francisco – as UPGRHs da Bacia do Rio das Velhas e Bacia dos Rios Jequitaí e Pacuí e Trecho do São Francisco, codificadas, respectivamente, como SF5 e SF6. A escolha das áreas esteve associada à grande diversidade nas suas características antropológicas, culturais, climáticas e econômicas, considerando-se o cenário estadual. A seguir, na Figura 1, apresenta-se a localização da área de estudo no estado de Minas Gerais.

A unidade de planejamento SF5 localiza-se na região central do Estado de Minas Gerais, possui área de drenagem de 29.173 km2, onde estão localizados 51 municípios (MARILLAC, 2005), dentre eles, a capital do estado e vários dos que constituem a chamada Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). A unidade de planejamento SF6 localiza-se nas mesorregiões Central Mineira e Norte de Minas, possui área de drenagem igual a 25.129 km2, onde estão inseridos total ou parcialmente 27 municípios (CBH JEQUITAÍ E PACUÍ, AGB PEIXE VIVO, 2011). Dentre os municípios localizados nestas bacias, 5 inserem-se em ambas bacias, logo, o total de municípios que compõe o presente estudo equivale a 73.

Autores: Renata Leandro Rodrigues Bortolini; Antonio Teixeira de Matos; Luísa Ornelas Ferreira; Vanessa Rodrigues de Melo e Gabriela Raissa Martins Maciel.

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