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Por que os oceanos estão mais ácidos. E quais os efeitos disso

Acidificação dos oceanos

Águas mais corrosivas alteram equilíbrio nos mares, colocam em risco o importante ecossistema dos recifes e ameaçam a biodiversidade marinha

Acidificação dos oceanos

Acidificação dos oceanos – Os oceanos atingiram seu nível mais ácido já registrado na história, segundo o relatório da OMM (Organização Meteorológica Mundial) publicado em 2022.

O problema é consequência da emissão acelerada do dióxido de carbono, um dos gases causadores do efeito estufa.

O CO2 é absorvido pela água, que tem seu pH reduzido e se torna corrosiva. Entre as consequências de um oceano mais ácido está o enfraquecimento do esqueleto dos corais, diminuindo sua taxa de crescimento e alterando o importante ecossistema dos recifes.

Neste texto, o Nexo explica o que é o processo de acidificação dos oceanos e quais as suas consequências. Para isso, conversa com duas pesquisadoras da área.

Por que oceanos ficam mais ácidos

A acidificação dos oceanos é o processo de redução do seu pH, que é uma escala de medida para identificar se um líquido é ácido ou não.

Quanto menor o pH, mais ácida é a substância. Segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Acidificação de Oceanos, que reúne uma equipe multidisciplinar, esse fenômeno é causado pela dispersão nos oceanos do dióxido de carbono (CO2) presente na atmosfera, resultando em uma alteração na composição química do mar, que torna sua água mais corrosiva.

Isso acontece porque ao se dissolver na água, o CO2 se transforma em ácido carbônico. Um alerta dos riscos desse processo foi dado por um grupo de cientistas liderados por Johan Rockström, num trabalho publicado na revista Nature em 2009 que apresenta nove limites planetários.

Entre esses limites biofísicos, que não devem ser ultrapassados para que a vida no planeta esteja segura, os oceanos sofrem os efeitos da maioria deles, em especial da sua própria acidificação e das alterações dos fluxos bioquímicos, que contaminam as regiões costeiras com nutrientes como fósforo e nitrogênio.

A queima de combustíveis fósseis como o petróleo, usado principalmente para o transporte, o carvão mineral, para a geração de energia, e o gás natural, para o fornecimento de calor, além de serem os principais causadores do efeito estufa, tem aumentado a concentração de CO2 na atmosfera.

Desde a revolução industrial estima-se que essa concentração tenha aumentado 40%. A cada ano, por exemplo, os oceanos absorvem 25% de todo o CO2 emitido por ações humanas, segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Acidificação de Oceanos.

A oceanógrafa Jannine Lencina-Avila, uma das pesquisadoras da rede, explica que esse é um fenômeno global e, portanto, complexo de ser monitorado.

No caso do estudo que traçou os limiares de segurança dos limites planetários (um patamar no qual o planeta ainda pode se recuperar), os cientistas utilizaram modelos globais físicos e biofísicos, com inserção de dados sobre a corrente marítima, temperatura, salinidade e fatores que influenciam o oceano, como a concentração de CO2 na atmosfera e a entrada de outros elementos oriundos dos rios.

Segundo Lencina-Avila, a acidificação dos oceanos é um problema que precisa de uma solução global e não apenas regional. Pela característica do CO2 de se concentrar na atmosfera de maneira homogênea, um país que mais emite CO2, como os mais industrializados, por exemplo, não necessariamente absorve mais CO2 em sua costa.

As emissões de gases do efeito estufa em alta do Brasil tem sua parcela de culpa. “A gente faz parte do problema. É reconhecido na comunidade científica que os nossos principais fatores de emissão são as queimadas e a mudança do uso da terra, essas devastações para a produção de comida e gado. Outro ponto importante é a emissão de CO2 gerada para a produção de cimento”, indica Lencina-Avila.

A edição mais recente do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima, divulgada em novembro de 2022, aponta que o Brasil emitiu, apenas em 2021, 2,42 bilhões de toneladas de CO2. Esse número representa um aumento de 12,2% em comparação com 2020 e já é a maior alta desde 2003. Segundo o relatório, o crescimento foi decorrente do desmatamento, energia e agropecuária.

Minimizar e enfrentar os impactos da acidificação dos oceanos faz parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, que colocam metas para 2030 em diversas áreas para países signatários do compromisso, entre eles o Brasil.

O Relatório da Sociedade Civil para a Agenda 2030 de 2021, que monitora anualmente o andamento do Brasil nos 17 objetivos, constatou que o país ainda não conta com uma rede unificada de estações de medição de pH para estimar as tendências de acidificação do oceano. Atualmente o pouco monitoramento feito é realizado e divulgado pelo SiMCosta, uma rede de plataformas flutuantes ou fixas que coletam esses dados, que atualmente recebe financiamento do Fundo Clima, do Ministério do Meio Ambiente e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação

Quais as consequências da acidificação

Apesar da ciência ainda não saber ao certo como a vida marinha se adaptará à acidificação, já é um consenso que seus primeiros efeitos serão sentidos pelos chamados organismos calcificadores, aqueles que produzem conchas, como ostras, mexilhões e vieiras. Algumas espécies de corais também serão afetadas. O estado de Santa Catarina, por exemplo, que tem esses organismos como fonte de receita para diversas comunidades locais, tem produzido pesquisa científica para entender os efeitos da acidificação no cultivo oriundo da maricultura daquela região.

A comissão Oceanográfica Intergovernamental da Unesco estima que até 2100, 70% dos corais de água fria estarão expostos a ambientes corrosivos. Em geral, esses organismos estão suportando um aumento 100 vezes mais rápido da mudança na acidez dos últimos 20 milhões de anos.

A pesquisadora Joseane Marques, do Zuckerberg Institute for Water Research de Israel, ressalta que o equilíbrio dinâmico dos oceanos está sendo muito alterado com o processo de acidificação. Os organismos calcificadores são particularmente afetados porque a acidificação diminui a disponibilidade de íons que esses seres utilizam para formar seu esqueleto. Além da importância na cadeia alimentar marinha e até no consumo humano, esses organismos possuem a função de construir habitats para outras espécies. Os corais, por exemplo, atraem 25% da biodiversidade do oceano.

“Alguns trabalhos mostram que a acidificação afeta a navegação, olfato e visão dos peixes. Então você acaba tendo um desequilíbrio tanto em relação à caça como para fugir de predadores. É possível falar também sobre a importância da estrutura tridimensional dos recifes, servindo de abrigo para predadores, principalmente na parte mais vulnerável do ciclo de vida dos peixes. A longo prazo, sem os recifes, a população de peixes pode diminuir, afetando, inclusive, a pesca”, comenta Joseane Marques, pesquisadora do Zuckerberg Institute for Water Research de Israel

Os recursos pesqueiros também poderão ser afetados pela redução dos fitoplânctons, importante espécie na cadeia alimentar marinha. Mas como o paradigma da biologia enfatiza, o organismo mais bem adaptado ao meio sobrevive e passa suas características para os seus descendentes. No caso da acidificação dos oceanos não há exceção a essa regra. “Haverá uma reorganização do ecossistema. Alguns organismos serão beneficiados com a acidificação”, enfatiza Marques. Esse é o caso das cianobactérias, que, assim como as algas e plantas, retiram a energia necessária para a sua sobrevivência por meio de fotossíntese.

Para reverter o processo de acidificação dos oceanos algumas pesquisas apostam em uma resposta também oriunda da química. A medida da geoengenharia (área que estuda intervenções em grande escala no sistema terrestre para minimizar os efeitos dos problemas causados pelo ser humano) consiste em aumentar a alcalinidade do oceano. Em outras palavras, introduzir no oceano uma substância capaz de diminuir a acidez (na química, essas substâncias desempenham a função de base em uma solução).

“Esse é um processo que requer muito dinheiro. Uma das formas é injetar carbonato de cálcio, por exemplo. Só que ao fazer isso você vai alterar todo o sistema, sem saber como ele pode reagir. Os pesquisadores ainda estão fazendo uma série de testes para ver se é viável ou não”, declara Lencina-Avila.

Fonte:nexojornal


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