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Proposição de sistema de indicadores de desempenho operacional de estações de tratamento de água à luz do prestador de serviço: aplicação a cinco estações de ciclo completo

Resumo

O principal objetivo desta pesquisa consistiu em desenvolver e aplicar um sistema de indicadores de desempenho direcionado a estações convencionais de tratamento de água com base na visão do prestador de serviço. A metodologia abrangeu três etapas principais: (i) definição dos indicadores e justificativa; (ii) formulação e aplicação do sistema de indicadores a um conjunto de cinco estações de pequeno porte (vazões nominais de 20 a 60 L.s- ¹) operadas pelo mesmo prestador; (iii) análise estatística a partir dos resultados de cálculo dos indicadores visando identificar eventuais sobreposições. O sistema proposto abarcou 13 indicadores de desempenho, calcados em parâmetros comumente inseridos na rotina operacional das estações de tratamento brasileiras.

Introdução

O desempenho de estações de tratamento de água deve ser avaliado segundo três premissas que se inter-relacionam — robustez, resiliência e confiabilidade — pelo maior período de tempo possível. A primeira pode ser definida como a capacidade da estação de manter a produção de água tratada com qualidade estável, independente das variações que possam ocorrer nas características da água bruta. Já a resiliência expressa a velocidade com que a estação retorna ao seu desempenho normal após algum distúrbio, geralmente causado pela deterioração da qualidade da água bruta ou por problemas operacionais, como interrupção da adição de coagulante. Por fim, a análise de confiabilidade avalia a probabilidade de que a estação atinja as metas de qualidade em determinado período de tempo, metas impostas pela legislação vigente ou definidas pelo próprio prestador de serviço de abastecimento de água (ZHANG et al., 2012). Diversos fatores intervêm no desempenho das estações de tratamento de água, destacando-se as características da água bruta, os parâmetros hidráulicos relacionados aos processos e às operações unitárias inerentes à potabilização, a acurácia na dosagem de produtos químicos e as mencionadas metas de qualidade da água tratada. Entretanto, a avaliação do desempenho das estações pelos prestadores tem comumente ocorrido de forma reducionista, restringindo-se quase que tão somente ao atendimento dos padrões estabelecidos pela Portaria nº 2.914 (BRASIL, 2011).

Nesse viés, emergem o desenvolvimento e a aplicação de indicadores de desempenho a fim de tornar o monitoramento das estações e a avaliação de desempenho mais abrangente e objetiva, contemplando ampla gama de fatores. Provavelmente, a forma mais inteligível de conceituar os indicadores consiste em defini-los como variáveis aptas a sintetizar informações relevantes, comumente em um número, descrevendo o estado de um fenômeno ou de um ambiente no qual tais informações se inserem. Interessante salientar que, frequentemente, indicadores qualitativos acabam por se tornar a conversão de indicadores e/ou variáveis quantitativas. Especificamente direcionado à avaliação de estação de tratamento em Taipei (Taiwan), a partir de 7 critérios delinearam-se 20 indicadores de desempenho. Os critérios, e respectivo número de indicadores, contemplados foram proteção de manancial (6), qualidade de água tratada (3), modificação na estação (3), produção de água (2), redução de custos com produtos químicos (2), disponibilidade de equipamentos (2) e minimização de resíduos (2).

Os autores concluíram sobre as parcelas que compõem a eficiência e eficácia da estação de tratamento dividindo sua perspectiva de análise entre objetivos econômicos e efetivos com relação ao enquadramento dos resultados de turbidez da água tratada, porém não discutiram a qualidade da água no decorrer do processo de tratamento. Os elementos fundamentais da proposta para avaliação de desempenho foram os custos e a turbidez da água tratada, intrínsecos aos indicadores propostos na pesquisa (CHANG et al., 2007). Em contexto mais abrangente, associações nacionais e internacionais têm proposto indicadores de desempenho aplicáveis aos sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. Adquirem posição de relevo os indicadores propostos pelos pesquisadores do Laboratório Nacional de Engenharia Civil de Portugal em conjunto com a International Water Association. Eles desenvolveram 77 indicadores, distribuídos em 6 temas (VIEIRA et al., 2008): 1. qualidade da água tratada (8); 2. eficiência e confiabilidade da estação de tratamento (35); 3. aplicação racional dos recursos naturais e materiais disponíveis, tais como água, energia elétrica, produtos químicos, entre outros (7); 4. gerenciamento dos subprodutos e resíduos gerados na potabilização (7); 5. uso racional dos recursos humanos, econômicos e tecnológicos disponíveis (17); 6. segurança (3). A despeito da mais complexa aplicabilidade pelo elevado número de indicadores, o emprego deles para uma mesma estação de tratamento ao longo do tempo certamente permite identificar as consequências dos investimentos do prestador em termos, por exemplo, de infraestrutura e treinamento de pessoal.

A aplicação dos citados indicadores de desempenho a duas estações convencionais de tratamento de médio e grande porte em Portugal, que apresentam variabilidade quanto às características do afluente e à vazão afluente — em função da demanda dos respectivos sistemas de abastecimento —, pautou-se em relação à qualidade do efluente (i) e à eficiência da estação (ii), ambos vinculados às condições de operação. Para tal, foram estabelecidos, para cada indicador, intervalos de eficiência variando quase que linearmente de 0 a 300. Por exemplo, em termos de determinado contaminante (de um total de 70), o valor nulo remete ao fato de a estação não cumprir qualquer papel na sua remoção. Quanto ao desempenho da estação, atribuíram-se os seguintes valores: 100, para o mínimo aceitável; de 100 a 200, para aceitável; de 200 a 300, para bom; e 300, para excelente — valor igual ou inferior ao limite de quantificação de cada contaminante. Adotou-se decrescimento linear de 300 até 100.

Especificamente para turbidez efluente, o valor limite (eficiência igual a 100) adotado é 1,0 uT, para limite de quantificação de 0,1 uT. Desta forma, a partir dos registros de 2001 a 2007 de turbidez efluente, elaboraram-se gráficos de barras nos quais foi possível identificar a coincidência dos períodos de menor desempenho das estações com o início de operação ou com a afluência de água subterrânea decorrente de estiagem mais severa (VIEIRA et al., 2010). Mantendo-se os mesmos 6 tópicos listados e ampliando para 95 o número de indicadores de desempenho, os relacionados ao item (ii) passaram a ser 48; essa metodologia foi aplicada a 10 estações de tratamento portuguesas, cujas vazões afluentes variaram de 35 L.s-1 a 4,6 m3 .s-1, com informações referentes ao período de 2006 a 2009.

Embora na pesquisa não haja alusão às características da água bruta, a eficiência da estação de tratamento na produção de efluente de qualidade balizou-se nas concentrações de cloro residual — que, para algumas estações, superaram o máximo preconizado em Portugal (1,0 mg.L- ¹) — e de trihalometanos e nas análises microbiológicas dos organismos indicadores. Para cada indicador e cada ano amostrado, foram determinados o primeiro e o terceiro quartis, a mediana, a média aritmética e os valores máximo e mínimo. Concluiu-se que a relevância de cada indicador se vincula ao objetivo delineado, e os resultados preliminares confirmaram adequação da aplicabilidade do grupo de indicadores como ferramenta para contínuo aumento do desempenho das estações de tratamento (SILVA et al., 2011). No Brasil, iniciativas similares especificamente direcionadas à potabilização são ainda incipientes, usualmente restritas à predição da turbidez da água decantada para dada estação de tratamento. As alternativas aplicadas recaem para a expedita avaliação da eventual correlação entre a turbidez da água bruta ou do afluente aos filtros em relação à turbidez do efluente filtrado. Operação adequada e/ou adequação da tecnologia às características da água bruta aponta(m) para baixos coeficientes de determinação (R2 ) entre esses parâmetros, indicativo da salientada robustez da estação de tratamento. Um dos esforços mais abrangentes consistiu na proposição de sistema de indicadores de desempenho de estações de tratamento de água sob a perspectiva das agências reguladoras. O sistema proposto exibia 19 indicadores de desempenho, contemplando temas relacionados à saúde pública (17), à infraestrutura (1) e à economia (1). Como seria de se esperar, parcela significativa dos indicadores propostos vinculava-se aos requisitos de qualidade do efluente, consoante às premissas da Portaria nº 2.914 (BRASIL, 2011). Os dois indicadores de infraestrutura e economia prendiam-se à capacidade hidráulica da estação, como indicador da sobrecarga, e ao custo unitário da potabilização. O sistema foi aplicado a seis estações de tratamento com distintas tecnologias de potabilização, vazões médias afluentes de 33 L.s-1 a 4,4 m3 .s-1 e dados operacionais referentes ao período de 2001 a 2012. Evidenciaram-se diferenças estaticamente significativas entre as estações para 13 indicadores — principalmente os vinculados à turbidez do efluente — e tendência, ao longo do período amostrado, de redução do custo unitário do tratamento, principalmente para as unidades de maior porte (OLIVEIRA et al., 2014).

A ausência de programas de avaliação sistemática de desempenho nas estações brasileiras — transcendendo o atendimento ao padrão de potabilidade — pode ser explicada pela premência da redução dos elevados índices de perdas para a quase totalidade dos sistemas de abastecimento de água do país. Tal tem relegado comumente a segundo plano a avaliação de eficiência das estações de tratamento nas ações de gerenciamento. Por fim, a definição por indicadores de desempenho direcionados à operação de estações convencionais de tratamento de água se justificou inicialmente pela prevalência dessa tecnologia de potabilização no Brasil. Da vazão distribuída estimada à população abastecida brasileira, aproximadamente 69% advém de estações convencionais de tratamento — também denominadas de ciclo completo. Em 2008, tais estações faziam-se presentes em 2.817 dos 5.531 municípios brasileiros (IBGE, 2008), podendo-se estimar em mais de cinco mil unidades em operação no Brasil. Em segunda vertente, a aplicação dos indicadores de desempenho respalda-se também na significativa relevância das companhias estaduais de saneamento como prestadoras dos serviços de abastecimento de água no país. De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, com representatividade amostral de 98% dos sistemas de abastecimento de água, as companhias estaduais respondem pelo atendimento a 78% dos municípios, abarcando 74% da população brasileira (SNIS, 2014). Eventual aplicação ao conjunto de unidades de tratamento de determinado estado identificará com maior precisão as estações cujas ampliações e melhorias operacionais tornam-se mais prementes.

Nesse cenário, o objetivo principal da pesquisa consistiu na proposição de sistema de indicadores de desempenho operacional de estações convencionais de tratamento de água sob a ótica do prestador de serviço. Adicionalmente, a pesquisa intentou também identificar eventuais sobreposições entre os indicadores propostos.

Autores: Luciano Gomes Pereira; Gilmare Antônia da Silva e  Marcelo Libânio.

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