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Codigestão de lodo e glicerol bruto visando ao aumento da produção de metano

Resumo

O aumento da geração de glicerol bruto, proveniente da produção de biodiesel, e o excesso de lodo secundário, responsável pelo alto custo de operação de Estações de Tratamento de Esgoto (ETE), são problemas reais e atuais no cenário de saneamento do Brasil. Portanto, alterações no processo de digestão anaeróbia do lodo que permitam a utilização do metano produzido e uma redução dos custos operacionais das ETE, são muito importantes. Uma destas alterações vem a ser a codigestão anaeróbia do lodo com outros resíduos orgânicos. Diante disso, esse estudo avaliou a codigestão do lodo com diferentes concentrações de glicerol residual da produção de biodiesel a fim de encontrar a melhor condição de produção de metano. A codigestão da mistura de lodo secundário e glicerol foi avaliada em escala de bancada sob condições mesofílicas (30 ºC) e sem agitação. Foram conduzidos ensaios com glicerol bruto coletado na indústria de biodiesel (glicerol bruto sem pré-tratamento, com alta salinidade – GB_S), com glicerol após pré-tratamento para redução da salinidade (glicerol bruto pré-tratado – GB_T) e glicerol P.A. (como padrão, GPA). Primeiramente, foram conduzidos ensaios de codigestão de lodo com adição de 1% (v/v) de cada um dos três tipos de glicerol. Em seguida, foram conduzidos ensaios com menores concentrações de GB_S (0,3, 0,5 e 0,8% v/v). Nas menores concentrações houve um aumento médio de 49,8% na produção específica de metano (PEM) em comparação à condição controle (contendo apenas lodo). A remoção de sólidos voláteis foi menor em relação ao controle em todas as condições (em média 19%) contra 32% para o controle. Entretanto, a biodegradabilidade do glicerol foi maior que 80% em todas as condições com adição de glicerol abaixo de 1% (v/v). Para misturas de lodo e glicerol bruto em concentrações abaixo de 1% (v/v), o pH ligeiramente alcalino e a baixa relação ácidos voláteis totais/alcalinidade total (entre 0,2 e 0,3), ao final dos ensaios, indicaram uma boa capacidade de tamponamento do sistema. A melhor condição encontrada foi a mistura de 0,5% (v/v) de GB_S ao lodo, a qual levou a um aumento de aproximadamente 1,7 vezes da PEM em relação ao controle, atingindo 78,4 mL CH4/g SSV aplicada.

Introdução

O tratamento de efluentes de origem sanitária e industrial em Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) pode gerar resíduos na forma sólida ou semissólida, denominados lodos. Nos decantadores primários, sólidos suspensos são separados dos efluentes através de sedimentação, sendo gerado o lodo primário. Enquanto o lodo secundário, que é o excesso de biomassa formada durante o processo bioquímico de decomposição de matéria orgânica presente no efluente, é separado no nível secundário de tratamento, em sistemas como lodos ativados. Algumas plantas de tratamento adotam uma etapa físico-química para melhorar o desempenho do decantador primário ou para polimento do efluente do tratamento biológico, gerando um lodo químico (VON SPERLING, 2014).

A produção per capita de lodo primário e secundário nas plantas de tratamento de esgoto sanitário corresponde a valores compreendidos entre 0,9 e 8,2 L/hab.d (VON SPERLING, 2014). Em 2014, a elevada população dos grandes centros urbanos levou a uma produção de lodo de 1,1 Mt (em base seca)/ano, sendo a maioria tratada de forma inadequada. A progressiva ampliação dos índices de coleta e tratamento de esgotos no Brasil induz ao conhecimento e domínio de processos e rotas tecnológicas aplicadas para uma maior eficiência da gestão do lodo gerado nas ETE.

Devido a sua composição ser majoritariamente de sólidos de natureza orgânica, o lodo de esgoto sanitário é passível de degradação por ação de organismos decompositores. Sob condições anaeróbias não controladas o processo de degradação biológica pode emitir gases fétidos, decorrentes da geração de sulfetos. Ademais, o lodo de esgoto também apresenta conteúdo potencialmente patogênico. Esta e outras características conferem, portanto, potencial poluidor e contaminante ao lodo bruto, impondo às ETE, e especificamente à fase sólida do tratamento, a obrigatoriedade de promover a sua digestão e estabilização, o que pode ser feito com os lodos primário e secundário em separado ou em conjunto. Dessa forma, o lodo deve ser tratado antes do descarte visando à proteção ambiental (RAMAKRISHNA e VIRARAGHAVAN, 2005). A estabilização do lodo pelo processo de digestão anaeróbia apresenta vantagens como baixo custo de implantação e geração de metano, um gás com alto poder calorífico (CHERNICHARO, 2007), que pode ser empregado como fonte energética (KHANAL et al., 2008; IACOVIDOU et al., 2012).

Estima-se que até 60% do custo total do tratamento de águas residuárias municipais seja proveniente de gerenciamento dos lodos (adensamento, estabilização, condicionamento, desidratação e disposição final). Neste contexto é que se inserem processos que resultem na geração de menores quantidades de lodo, na recuperação da energia contida no biogás gerado em processos biológicos anaeróbios, bem como na recuperação de materiais e no uso benéfico do próprio lodo residual metano (WANG et al., 2008; BRISOLARA e QI, 2011; NGHIEM et al., 2014; SEMBLANTE et al., 2014). Dentre estes, a produção e o aproveitamento do biogás na etapa de digestão anaeróbia tornam-se uma solução cada vez mais atrativa, como uma tecnologia viável para produção de energia renovável, satisfazendo de certa forma, as crescentes preocupações com a segurança energética, impactos ambientais e aumento do custo de energia para o tratamento de águas residuais (KHANAL et al., 2008; JENICEK et al., 2013).

Processos e rotas tecnológicas têm sido estudadas, desenvolvidas e aplicadas visando ao aumento da produção de biogás em digestores anaeróbios de lodo de esgotos, e no sentido de viabilizar e potencializar o seu aproveitamento energético. Dentre estas, a codigestão do lodo, associada a outros resíduos de alto conteúdo de carbono, destaca-se como uma estratégia já comprovadamente viável. O cosubstrato pode fornecer nutrientes que estejam deficientes no lodo e, ao mesmo tempo, proporcionar um efeito sinergético positivo no meio, conduzindo à digestão estável e a melhorias no rendimento de biogás (JENSEN et al., 2014; MATA-ALVAREZ et al., 2014; YADVIKA et al., 2004).

O glicerol resultante da produção de biodiesel, enquanto resíduo do processo industrial, ainda possui quantidade limitada de opções de aproveitamento. Por apresentar grande quantidade de carbono facilmente biodegradável, este pode ser indicado como um resíduo apropriado para a codigestão de lodo de esgotos (ÁNGEL et al., 2009; NARTKER et al., 2014; NGHIEM et al., 2014). Seu elevado potencial teórico de produção de metano, da ordem de 0,43 m3 CH4/kg, o credencia como potencial cosubstrato na codigestão de resíduos orgânicos (ASTALS et al., 2011; MATA-ALVAREZ et al., 2014). Os dois principais biocombustíveis líquidos utilizados no Brasil são o etanol e o biodiesel, sendo que o consumo deste último vem crescendo bastante. Atualmente, a adição de biodiesel ao diesel é de 7%, com projeção de aumento para 9% até 2019 (ANP, 2016). Assim, o incremento da produção de biodiesel no país, supera em muito a demanda de glicerol como matéria prima de processos industriais químicos e farmacêuticos. Como qualquer outro resíduo de natureza orgânica, existe a preocupação quanto aos aspectos ambientais relacionados à disposição final do glicerol e, da mesma forma, a digestão anaeróbia se apresenta como tecnologia aplicável ao seu tratamento e estabilização.

Entretanto, sabe-se que a eficiência do tratamento anaeróbio do glicerol é passível de comprometimento devido à presença de concentrações residuais do catalisador alcalino e do álcool, geralmente metanol, ambos utilizados na reação de transesterificação da produção do biodiesel, bem como à presença de ácidos graxos livres e fósforo (MA e HANNA, 1999; LOPÉZ et al., 2009). A ausência de nitrogênio na composição do glicerol residual é também um potencial fator de comprometimento da digestão anaeróbia (MA e HANNA, 1999; LÓPEZ et al., 2009). A fim de alcançar um processo bem sucedido para a valorização do resíduo, são necessários estudos de codigestão anaeróbia a fim de se atingir um equilíbrio adequado entre carbono e nutrientes presentes na mistura (LOPÉZ et al., 2009). Neste sentido, o objetivo desse trabalho é o de avaliar o efeito da adição de glicerol bruto, oriundo da produção de biodiesel, na codigestão anaeróbia de lodo visando ao aumento da produção de metano.

Autores: Janaína dos Santos Ferreira; Isaac Volschan Jr. e Magali Christe Cammarota.

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