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Efeito do tempo de estocagem do resíduo alimentar na codigestão anaeróbia com lodo de esgoto

Resumo

O tratamento e destinação final do lodo gerado nas Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) representam um problema para os órgãos competentes. Além disto, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS, Lei 12.305) estabelece uma distinção entre resíduos (lixo reciclável) e rejeitos (lixo não passível de reaproveitamento) e determina as diretrizes para uma gestão integrada dos resíduos sólidos, tornando importante o desenvolvimento de alternativas tecnológicas que viabilizem o aproveitamento racional da matéria orgânica, seja ela proveniente da fração orgânica dos resíduos sólidos urbanos (FORSU) ou de lodos de esgoto. A codigestão anaeróbia de lodo de esgoto (coletado no decantador secundário de uma ETE) e fração orgânica dos resíduos sólidos gerados no restaurante universitário do Centro de Tecnologia da UFRJ foi avaliada, a fim de induzir uma maior produção de metano nos biodigestores de lodo e contribuir para a sustentabilidade das ETE. A influência do período de armazenamento do resíduo alimentar sobre a digestão da mistura foi avaliada em experimentos conduzidos em frascos penicilina de 100 mL incubados a 30ºC por 63 dias. Para tanto foi utilizado o resíduo armazenado sob refrigeração por um ano e um novo resíduo na codigestão anaeróbia de misturas contendo 90% (v/v) de lodo e 10% resíduo. A inclusão de 10% de resíduo alimentar na mistura com lodo favoreceu a produção de metano, verificando-se valores maiores da produção específica de metano – PEM (485 mL CH4/g STV removidos, em média) quando comparados com a condição controle, contendo somente lodo (215 mL CH4/g STV removidos). Um período maior entre a coleta e o emprego do resíduo na mistura favoreceu a atividade metanogênica e o controle de pH, verificando-se valores finais na mistura com resíduo novo de 75,6% de metano e pH 6,0, enquanto na mistura com resíduo antigo obteve-se 83,4% de metano e pH 7,8.

Introdução

Nas Estações de Tratamento de Esgoto (ETE), processos físico-químicos e biológicos geram os denominados lodos primários e secundários. Nos sistemas de lodo ativado, o processo biológico mais utilizado nas ETE, ocorre uma produção de lodo secundário de 50 g/hab.dia (METCALF & EDDY, 2003). Em um país de cerca de 200 milhões de habitantes, como o Brasil, o potencial de geração de lodo é avaliado em quase 4 milhões t/ano. A esta elevada quantidade, somam-se impactos ambientais e sociais devido à propagação de patógenos, lixiviação de micropoluentes e geração de gases de efeito estufa (ANDREOLI et al., 2007), comprovando a necessidade de tratamento destes resíduos.

O debate sobre o gerenciamento de lodo tem ganhado muita atenção face ao crescente aumento da produção deste resíduo e aos critérios legislativos de disposição final cada vez mais rigorosos (DE LA RUBIA, 2013). De acordo com o Panorama de Resíduos Sólidos Urbanos de 2015, a população brasileira apresentou um crescimento de 0,8% entre 2014 e 2015 e a geração per capita de resíduos sólidos urbanos (RSU) cresceu no mesmo ritmo. A geração de RSU no país atingiu o equivalente a 218.874 t/dia, um crescimento de 1,7% em relação ao ano anterior. Destes, apenas 58,7% possuem destinação adequada em aterros sanitários.

Em 2010 foi criada a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) que é contemplada pela Lei n°12.305/2010 que, de forma genérica, compreende “o conjunto de princípios, objetivos, instrumentos, diretrizes, metas e ações adotadas pelo Governo Federal” (BRASIL, 2010) no âmbito da gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, seja isoladamente ou em conjunto. A PNRS determina que os resíduos sólidos devem ser tratados e recuperados por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, antes de sua disposição final. São exemplos de tratamentos passíveis de serem aplicados no país a compostagem, a recuperação energética, a reciclagem e a disposição em aterros sanitários. De maneira bastante sintética, pode-se afirmar que a PNRS tem como objetivos a eficiência nos serviços e o estabelecimento de um sistema de gestão integrada de resíduos sólidos, voltada para seu aproveitamento como recurso. Diante disso, torna-se imprescindível o desenvolvimento de alternativas tecnológicas que viabilizem o aproveitamento racional da matéria orgânica, seja ela proveniente da fração orgânica dos resíduos sólidos urbanos (FORSU) ou de lodos de esgoto, de forma a minimizar os impactos ambientais e de saúde pública causados por esses materiais, garantindo a melhoria da qualidade de vida da população.

As duas principais formas de tratamento da fração orgânica dos resíduos sólidos urbanos adotadas no Brasil consistem no tratamento aeróbio dos resíduos (compostagem) e o tratamento anaeróbio. Como alternativa para a mitigação da problemática envolvida na produção de lodos de ETE, a digestão anaeróbia também se apresenta como o mais antigo e importante processo para a estabilização do lodo primário e do lodo biológico antes da sua disposição final. Além da redução do volume do lodo, através da estabilização biológica, os processos de digestão anaeróbia apresentam o potencial de produção e recuperação de metano, o qual pode ser usado como fonte de energia. Digestores anaeróbios de lodo produzem 0,8 m3 biogás/kg sólidos voláteis destruídos e um biogás contendo 70% de metano apresenta um poder calorífico de 23.380 kJ/m3 (ANDREOLI et al., 2007).

Diante da estabilidade do processo e dos baixos requisitos energéticos, a digestão anaeróbia em temperatura mesofílica tem sido empregada adequadamente na melhoria do gerenciamento do lodo de ETE, especialmente em reatores em escala real (BOLZONELLA et al., 2005). Entretanto, no intuito de aumentar a concentração de metano no biogás, permitindo seu uso como insumo energético sem prejuízo da estabilização do lodo, há alguns anos vem sendo estudada a codigestão de lodo de esgoto com outros resíduos orgânicos (BOLZONELLA et al., 2006; ERIKSSON et al., 2016; PADMAVATHI et al., 2016). A codigestão de lodo de esgoto com a fração orgânica de resíduos sólidos municipais é a mais estudada. Dentre as vantagens da codigestão anaeróbia pode-se citar a diluição de substâncias tóxicas presentes nos resíduos, maior produção de biogás e o equilíbrio de nutrientes durante o processo (MATA-ALVAREZ et al., 2014).

Existe, porém, uma série de fatores que podem influenciar o comportamento degradativo da fração orgânica dos resíduos e, consequentemente, as concentrações dos gases gerados, de forma a contribuir com a aceleração ou o retardamento do processo. Assim, a compreensão dos fatores ambientais, físico-químicos e microbiológicos é de fundamental importância, pois possibilita a correção de interferências negativas, de modo a potencializar a produção de biogás e elevar as concentrações de metano, aumentando assim o potencial energético do gás produzido. Uma maneira eficiente de entender o processo de biodegradação dos resíduos e os diversos fatores que nele influenciam é por meio do uso de biorreatores em pequena escala, pois podem ser facilmente manipulados, propiciando a criação de um ambiente adequado para o bom desenvolvimento dos microrganismos responsáveis pela degradação da matéria orgânica.

Assim, neste trabalho, a codigestão anaeróbia de lodo de esgoto e fração orgânica de resíduos sólidos de restaurante é estudada em frascos penicilina de 100 mL, a fim de induzir uma maior produção de metano durante a estabilização do lodo na ETE e permitir a auto-sustentabilidade da mesma em termos de energia. O objetivo principal foi comparar, em escala de bancada, a mistura de lodo de esgoto com resíduo alimentar recém-preparado e após estocagem sob refrigeração por um período de um ano.

Autores: Natália Carolina da Silveira; Claudinei de Souza Guimarães e Magali Christe Cammarota.

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