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Carbono No Solo: O Enorme Potencial de Mitigação que o Brasil Ainda Não Aproveita

Carbono no Solo

O Brasil tem uma oportunidade que poucos países têm: aumentar a produção agrícola e ao mesmo tempo sequestrar mais carbono. Isso graças ao potencial de mitigação climática presente nos solos, que são importantes sumidouros de carbono, especialmente em condições tropicais.

O carbono no solo é uma relevante “solução climática natural” (do inglês natural climate solution, NCS), termo intercambiável com “soluções baseadas na natureza” (nature based solution, NBS) — a diferença entre os dois é uma questão de ênfase. O primeiro em relação às mudanças climáticas e o segundo para a adaptação, bem-estar humano e biodiversidade.

Soluções climáticas naturais são ações de conservação e restauração da vegetação nativa e manejo do solo que aumentam o armazenamento de carbono ou evitam as emissões de gases de efeito estufa (GEEs).

Estima-se que tais soluções podem fornecer até 37% das reduções de emissões necessárias até 2030 (Griscom et al., 2017), sendo que o carbono no solo representaria 25% desse potencial — 23,8 Gt CO2-eq./ano (Bossio et al., 2020).

O Brasil sozinho detém 21% do potencial tropical de NCS, dos quais 14% advêm de melhorias no manejo agropecuário por meio de práticas agrícolas sustentáveis. Essas, além de aumentar o sequestro de carbono, têm benefícios associados como melhora da matéria orgânica no solo, aumento de produtividade e, consequentemente, melhoria na rentabilidade aos produtores rurais.

Quadro de soluções climáticas naturais - Artigo Carbono no Solo

Para promover a implementação prática de estratégias de carbono do solo, integrá-las ao mercado de carbono e destravar todo esse potencial, há que se avançar no tema de mensuração, reporte e verificação para conferir credibilidade a essa solução.

O Acordo de Paris substituiu o Protocolo de Quioto como instrumento de pressão para que as nações ajam a fim de reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Nele são previstas as NDCs, sigla em inglês para Contribuições Nacionalmente Determinadas, ou seja, formalizações dos compromissos de atuação climática de cada signatário. Em outras palavras, como as nações pretendem reduzir suas emissões domésticas e prestar contas sobre as estratégias para isso. Tal prestação de contas envolve a construção de padrões, metodologias e métricas robustas para mensurar, reportar e verificar (MRV) as ações de mitigação e remoção de GEEs da atmosfera.

Na transição entre Quioto, em que apenas os países desenvolvidos tinham metas vinculantes de redução de emissões, e Paris, em que todos os signatários devem apresentar seus planos, formou-se uma lacuna de aprendizado referente ao conhecimento e experiência de mensuração das ações climáticas nos países que não tinham a obrigação de fazê-las anteriormente. Além disso, via de regra, nos países desenvolvidos do Protocolo de Quioto, as ações de mitigação foram direcionadas, principalmente, para combater as emissões oriundas da queima de combustíveis fósseis e, como consequência, acumulou-se maior conhecimento referente ao tema de medir, reportar e verificar no âmbito energético.

A implicação prática disso é que os países que não estavam pressionados sob o Protocolo de Quioto, bem como setores econômicos como a agricultura, têm hoje à disposição um conhecimento consolidado, em grande parte, em contextos que diferem daqueles em que se inserem. Este é o caso da agricultura brasileira, cuja característica tropical implica uma dinâmica do carbono no solo diferente daquela que ocorre em regiões temperadas, onde, contudo, os fatores de emissões e as métricas de mensuração de remoção de GEEs da atmosfera e de permanência no solo estão mais sólidos. Por esse motivo, o Brasil precisa agora batalhar pela “tropicalização” de sistemas de MRV, desafio que, naturalmente, não é trivial, mas para o qual há um conjunto de atores relevantes voltando suas atenções.

Nesse contexto, o Insper Agro Global esteve presente no evento “Expert Dialogue: low-carbon agricultural commodity production”, que ocorreu no final de junho no Center for Development Research da Universidade de Bonn, na Alemanha. O fórum, organizado pelo Diálogo Agropolítico (APD) Brasil-Alemanha, integrou a programação de uma viagem de intercâmbio para troca de experiências, conhecimento e perspectivas no âmbito dos mercados de carbono e setores agropecuários dos dois países. O IAG foi representado no evento, a convite da APD, pela pesquisadora sênior Camila Dias de Sá, que integrou uma comitiva com pesquisadores de três unidades da Embrapa e do Observatório da Bioeconomia da FGV, além de interlocutores do setor privado e do terceiro setor, com a Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura.

As discussões técnicas do evento evidenciaram muitas diferenças entre os resultados de práticas agrícolas adotadas nos dois países, bem como implicações na dinâmica do carbono no solo proporcionada por diferenças nos tipos, estruturas e atividade microbiana dos solos. De maneira bem simplificada, o acúmulo de carbono no solo nas condições alemãs ocorre nos primeiros 30 cm do perfil e as evidências científicas existentes não comprovam a permanência necessária para satisfazer as ambições climáticas.

Por outro lado, no Brasil, há indícios de que mais da metade do carbono armazenado se estabelece mais profundamente, a partir dos 30 cm iniciais. Pesquisadores brasileiros da Embrapa já possuem evidências de que a estabilidade do carbono é maior nas camadas mais profundas, embora ainda não saibam o quanto. Outra preocupação dos cientistas alemães diz respeito ao trade-off entre requisitos adicionais de fertilização para o sequestro sustentável de carbono e o estímulo a emissões adicionais de óxido nitroso.

A partir das evidências científicas existentes, a União Europeia promete soltar até o final de 2022 um framework para regulamentação da atividade de carbon farming (práticas agrícolas destinadas a sequestrar carbono atmosférico no solo, raízes, madeira e folhas). A Alemanha, cujo Ministério da Alimentação e Agricultura é liderado pelo Partido Verde, é mais cética, enquanto os franceses parecem estar mais dispostos a atribuir aos agricultores um papel de protagonista no combate às mudanças climáticas.

Vale ressaltar que parte da resistência da Alemanha, que tem grande peso nas decisões da União Europeia, é baseada nas evidências científicas em condições temperadas, além, é claro, de questões políticas, com origem nas demandas dos consumidores alemães, que têm uma visão muito própria de sustentabilidade no âmbito da produção agropecuária.

De maneira geral, a noção de sustentabilidade difere muito aqui e acolá. Por aqui a sustentabilidade no campo está muito associada a práticas que permitam produzir mais em menos espaço, poupando assim a utilização dos recursos naturais, principalmente terra. Isso implica intensificar a produção por meio de mais tecnologia e eficiência para melhorar a produtividade.

Na Europa, em geral, e muito intensamente na Alemanha, busca-se preservar o landscaping por meio de práticas mais extensivas com baixa utilização de insumos e tecnologias, resultando em menor eficiência produtiva e estagnação da produtividade e que, portanto, precisa estar apoiada em fortes subvenções governamentais e disposição do consumidor em pagar mais caro por isso.

Nas regiões tropicais do planeta, onde as emissões de GEEs a partir da mudança do uso da terra é mais relevante e onde o potencial de armazenamento de carbono no solo é maior, ganham elevada relevância ações direcionadas a melhorar o manejo agrícola para atingir as metas climáticas. Ainda que a escala de adoção de certas práticas — como o plantio direto, que ocupa cerca de 35 milhões de hectares — seja ilustrativa da dimensão do potencial brasileiro para a agenda climática, há um risco para a competitividade futura do país caso os padrões europeus sejam os balizadores do mercado.

O desenvolvimento de metodologias que incorporem as características tropicais, e que ao mesmo tempo conversem com o que está sendo construído internacionalmente, é premente para garantir à agricultura brasileira o acesso ao mercado mundial de carbono. Nesse sentido, precisamos dos nossos cientistas trabalhando com afinco nessa tarefa de desenvolvimento de padrão cientificamente robusto, reconhecido pelo mercado e viável para os agricultores. Mas, além disso, a atuação das nossas lideranças políticas e setoriais é primordial em duas frentes:  garantindo a destinação de recursos suficientes para a pesquisa nacional, e atuando de forma coordenada e assertiva nos fóruns internacionais para marcar a posição brasileira e propor as mudanças necessárias nos padrões.

A competitividade brasileira está em jogo na definição dos padrões que vão orientar a era de descarbonização global. O Brasil precisa agarrar essa oportunidade e tangibilizar esse potencial. Ao mesmo tempo, precisa esvaziar os argumentos que sustentam a narrativa de que o agronegócio é vilão no desmatamento. Somente assim os potenciais créditos de carbono gerados pelo balanço positivo de carbono no solo brasileiro serão fungíveis no mercado mundial. Para o agro brasileiro as oportunidades superam as ameaças — só é preciso fazer a coisa certa.

Autores: Camila Dias de Sá – pesquisadora sênior do Insper Agro Global e Claudia Cheron König – pesquisadora sênior do Insper Agro Global.

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