Por Érica Frazon – Da Redação
Fotos: Edemir Rodrigues, Suki Ozaki e Hélio Filho (Midiamax)
Emergência
VIRADA NO TEMPO
Fenômenos como enchentes, secas e furacões, nunca interferiram tanto na vida das pessoas. Estudos apontam como causa, o desequilíbrio ambiental
O brasileiro sempre se orgulhou em dizer que seu país não tem vulcões, terremotos e até 2004, antes do Catarina – fenômeno que atingiu a costa de Santa Catarina e Rio Grande do Sul – podia falar que não havia furacões. Na realidade brasileira, os desastres naturais tinham um roteiro conhecido: seca na Região Nordeste, inundações e deslizamentos no Sudeste, vendavais e granizo no Sul e as queimadas no Centro-Oeste. No entanto, esses cenários que se repetem em determinado período do ano, têm apresentado alterações intrigantes, seja pela longa estiagem na Amazônia, em 2005, normalmente conhecida pela umidade e pela vastidão de sua floresta ou pela enchente que mudou o cenário de cidades do Nordeste, em 2004, onde, em alguns municípios, choveu sete vezes acima da média. Pernambuco, Ceará e Paraíba, que costumam aparecer nos noticiários por causa da seca, viram a caatinga e o sertão transformados pela enchente.
Nem tão intrigantes, mas não menos arrasadores, os furacões deixaram um rastro de destruição e morte na América do Norte. Alguns estudos apontam que entre as causas desses fenômenos, estão pontos de aquecimento no Oceano Atlântico e o efeito estufa, intensificado pelo crescente desmatamento.
O funcionamento da natureza é como uma cadeia inter-relacionada e está reagindo a ações de depredação ambiental, o que tem provocado desastres naturais em diferentes locais do planeta.
No fim do ano passado, as fortes chuvas que caíram em Campo Grande, marcaram o início dos estragos e dos problemas a serem enfrentados pela população e pelo poder público. Em quase todo o mês de janeiro, as chuvas persistiram, exigindo ações emergenciais em diversos pontos, considerados críticos, a fim de atenuar os danos causados pelos temporais.
Com um cenário desses, já se foi o tempo de desprezar previsões meteorológicas, que estão cada vez mais presentes nos noticiários e antecipam informações sobre condições de tempo e clima, explicando a ocorrência de certos fenômenos.
No caso das intensas chuvas de dezembro e janeiro na Capital, o meteorologista do Centro Estadual de Monitoramento do Tempo, Clima e Recursos Hídricos de Mato Grosso do Sul (Cemtec – MS), Natálio Abrahão Filho, destaca a chuva do dia 6 de dezembro. “Foi um fenômeno histórico. Em 45 anos de dados coletados, nunca havia tido quatro variações ao mesmo tempo: duração, tempo, intensidade e quantidade”. Ele explica que choveu muito, em um tempo curto. “Esses fatores acarretaram danos, porque o solo já estava saturado com chuvas anteriores. Não tinha como absorver a água”, esclarece.
Conforme o meteorologista, o evento ocorreu por causa da alta umidade da Amazônia que foi deslocada para a região central e norte de MS. Apesar de todo o aguaceiro nas regiões citadas, o centro-sul do Estado, como em Nova Alvorada, sofre com a estiagem há mais de 30 dias.
• O maior índice pluviométrico já registrado em Campo Grande ocorreu em Janeiro/89: 486, 3 milímetros (bem distribuídos)
• A medida histórica para o mês de dezembro levantada em 44 anos foi de 206, 3mm
• No dia 6/dez/05, choveu 50% acima do esperado para o mês de dezembro
• No dia 6/dez/05, o prefeito decretou situação de emergência em Campo Grande
• Foram repassadas pela Secretaria Nacional de Defesa Civil/MI aos órgãos responsáveis no Estado, 30 toneladas de alimentos
• De acordo com informações da SESOP, no dia 6 de dezembro, cerca 600 funcionários trabalharam para atender as emergências
• Em janeiro de 2006, choveu em média 25 dias no mês
Emergência
MUDANÇAS CLIMÁTICAS – Além de causar transtornos e prejuízos, os alagamentos apontam para um problema trazido pela urbanização das cidades: a pavimentação das ruas, que torna o solo impermeável, provocando enchentes. Esse é um dos fatores apontados pelo professor doutor em Geografia Física, Felipe Augusto Dias.
Em vários trechos de Campo Grande, as inundações são mais graves, devido ao assoreamento dos córregos. “Quando fizeram a canalização na Rua Maracaju e em parte da Avenida Fernando Corrêa da Costa, o problema foi transferido para outro local. Hoje, é preciso estabilização de algumas encostas no Anhanduí, para evitar que o volume de água se concentre em alguns pontos e continue provocando erosão”, esclarece. Para Dias, não é só em Campo Grande que a urbanização acarretou esses problemas.
Ele explica também que o mundo tem passado por alterações climáticas provocadas pelo desmatamento de áreas verdes e pela emissão de gases na atmosfera. “Antes, a vegetação servia de atrito para a circulação de ar próxima ao solo. Hoje, ele circula com mais facilidade, não tendo como diminuir sua velocidade, nem sua intensidade”, afirma.
Dias aponta que um estudo feito, por um acadêmico, no município de Terenos, mostra que a modificação da vegetação fez com que a temperatura elevasse 2 graus naquele local. Para o professor, as modificações que estão sendo feitas na natureza, como a devastação da Floresta Amazônica, exercem influência sobre o clima do planeta. “A Amazônia só tem aquela floresta exuberante por causa da umidade. Ela está na mesma latitude que o deserto do Saara. No passado, foi um cerrado como o nosso, e seu solo não tem muita diferença do que tem aqui. Alterações na Amazônia provocariam mudanças no clima do mundo todo”, adverte.
GERENCIANDO RISCOS – “Temos de identificar que as mudanças climáticas estão acontecendo, perceber a gravidade e atacar os problemas”, afirma o coordenador municipal da Defesa Civil na Capital, Rodolfo Vaz de Carvalho. Segundo ele, a Defesa Civil está trabalhando na prevenção junto com outras secretarias e parceiros, para minimizar os estragos provocados pelos temporais na Capital.
Nos pontos mais críticos de Campo Grande, como nas margens do Córrego Anhanduí, onde foi necessária uma intervenção, a prefeitura não teve como esperar dinheiro de Brasília. O prefeito da Capital, Nelsinho Trad (PMDB), disse que até o mês de janeiro, a prefeitura havia gasto mais de R$ 2 milhões para atender vítimas da chuva e para obras emergenciais.
O relatório elaborado pelo secretário de Serviços e Obras Públicas, Edson Girotto, aponta que serão necessários R$ 31,842 milhões para executar obras de recuperação, dos quais, R$ 25 milhões foram aprovados pelo Ministério da Integração. O recurso será usado para recuperar áreas prejudicadas pelas chuvas e evitar novos problemas.
Monitoramento do tempo
A tecnologia capaz de gerar modelos numéricos de tempo e de qualquer variável meteorológica existe no Brasil desde 1993. O Centro Estadual de Monitoramento do Tempo, Clima e Recursos Hídricos de Mato Grosso do Sul (Cemtec – MS), criado em 2004, opera em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), localizado em São José dos Campos/SP e com o Centro de Pesquisas Técnicas, com sede em Cachoeira Paulista/SP. Atualmente, o Cemtec-MS possui cinco Plataformas de Coletas de Dados (PCDs), uma em Campo Grande e, as demais, nos municípios de Jardim, Naviraí, Coxim e Corumbá. Até o final de maio, o centro funcionará com mais 23 plataformas.
O sistema de monitoramento fornece também informações sobre trovoadas e relâmpagos. Campo Grande ocupa a primeira posição do País em incidência de raios e janeiro é o mês que mais acontece esse tipo de fenômeno.
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O relatório indica 15 pontos críticos da cidade, “cada um com uma particularidade o que demonstra a necessidade de um projeto para resolver os problemas”, explicou o prefeito, durante apresentação do relatório, no dia 25 de janeiro.
O maior investimento será o do Córrego Anhanduí, do Horto Florestal até o Bairro Aero Rancho, onde serão necessários R$ 12 milhões para fazer drenagem, estabilização das margens, reparo nas pontes, construção de trechos canalizados e desassoreamento. No trecho em frente à Igreja Madre Paulina, a prefeitura começou a drenagem, de onde foram retirados 12 metros cúbicos de areia, o equivalente a 1, 2 mil caminhões carregados de terra. O trecho que vai do Horto até o Aero Rancho está bastante danificado pela chuva. Algumas encostas de cimento foram levadas pela enxurrada, a mata ciliar também ficou bastante castigada e, em certos locais, a enxurrada deixou os canos da rede de esgoto a céu aberto.
Outra constatação de assoreamento é do lago do Parque das Nações Indígenas, o que dificulta a contenção da água da chuva. O governo do Estado tem projeto para execução de duas barragens no local, informou Trad.
Uma das áreas mais prejudicadas pelos temporais, a região do Imbirussu-Sobradinho, teve seus piores momentos, segundo o coordenador municipal da Defesa Civil, Rodolfo Vaz, no temporal do dia 6 de dezembro. Cerca de 1.050 pessoas tiveram de ser alojadas em escolas da região. “A área é considerada de risco e, desde o ano passado, estamos fazendo obras do projeto de urbanização Imbirussu-Sobradinho. Infelizmente, por um atraso das verbas que viriam do Ministério das Cidades, só construímos 150, das 850 moradias previstas no projeto. Parte das pessoas foi transferida para as casas construídas”, esclarece. Ele informa que até o final de 2006, o projeto estará concluído.
O coordenador acredita que a Defesa Civil, recém-criada no município, tem sido colocada à prova. Ainda em fase de estruturação, está buscando verbas para fazer obras de prevenção e para melhor equipar o órgão. “Ficamos satisfeitos com a atuação, porque apesar do que aconteceu, nossa ação foi rápida e eficiente”, afirma, esclarecendo que a chuva tem dificultado a execução de obras em algumas áreas afetadas, que só serão efetivamente recuperadas, no período da estiagem.
Pontos críticos de Campo Grande, segundo relatório da Secretaria de Obras e Serviços Públicos (SESOP)
RUAS E BAIRROS
• Avenida Afonso Pena: Rua Doutor Zerbini com Furnas, na Chácara Cachoeira
• Rua Piratininga: Santa Fé
• Rua Amazonas, Rua Cassilândia, Rua Jales, Rua Autonomista: Bairros Autonomista, Giocondo Orsi e Monte Carlo
• Rua Autonomista: Conjunto Autonomista e Giocondo Orsi
• Rua Marlene: Giocondo Orsi
• Rua Ceará, Rua Vila Rica, Rua São Borja
• Jardim dos Estados, Vila Célia e Santa Fé: controle da inundação
• Rua Carlinda Tognini, Rua Ari Coelho de Oliveira, Avenida Costa e Silva: Vila Progresso
• Bairro Panorama, Vivendas do Parque, Vila Oeste, Jóquei Clube, Vila Nhá Nhá
• Bairro Marcos Roberto: Rua Amapoulas e redondezas
CÓRREGOS
• Córrego Anhanduí: canalização, estabilização das margens,
• Córrego Cabaça: Rua Spipe Calarge, Flávio de Matos, Salgado Filho e
Senador Ponce
• Córrego Imbirussu: Recanto dos Pássaros
• Córrego Serradinho
• Córrego Sóter: construção de barragens
• Córrego Vendas: drenagem (R$ 500 mil já disponibilizados pelo Ministério da Integração)
• Córrego Prosa: Rua Joaquim Murtinho com Arthur Jorge
• Córrego Cascudo: entre as ruas São Leopoldo e Pio Rojas (Bairro São Francisco).
Emergência
INUNDAÇÕES E ESTRAGOS – Mesmo com ações emergenciais, as chuvas não deram trégua em todo o mês de janeiro. Muitas pessoas, como dona Emérita Duré Astorga, moradora de uma das regiões prejudicadas pela chuva, no Córrego Anhanduí, tiveram danos materiais. A água entrou em sua casa, estragou cama e guarda-roupa. “Recebi colchão e alimentos da prefeitura, mas como vou recuperar o que perdi?”, diz. Emérita relembra que, no final do ano passado, a água entrou duas vezes em sua casa. Ela conta que um vizinho vivenciou três vezes o drama por morar mais próximo ao córrego.
O comerciante Hugo Nogueira está há 23 anos na Avenida Fernando Corrêa da Costa e diz que, em 1993, viu o córrego transbordar como tem acontecido recentemente. Segundo ele, uma boa limpeza para retirar lama e dejetos acumulados, principalmente entre as ruas Sebastião Lima e José Antônio, pode ajudar a resolver o problema da vazão nesse trecho do Prosa. Outra solução apontada pelo comerciante é fazer um rebaixamento do canal por onde a água escoa. “Chove lá em cima (Carandá Bosque) e já enche. Já vi a água aproximar da ponte, sem cair uma gota aqui”, conta. Nogueira acredita que a pavimentação realizada nos últimos anos em alguns bairros localizados nas regiões mais altas da cidade impediu a absorção da água pelo solo, o que tem ocasionado as inundações.
No Bairro Tiradentes, o nível de água da Lagoa Itatiaia subiu e transbordou. A água ocupou ruas laterais que contornam a lagoa. Mais de um mês após a forte chuva de dezembro, ainda havia acúmulo de água nas ruas, dificultando a passagem de pedestres. Alguns moradores reclamam do mau cheiro e da sujeira que ficou no local por causa do transbordamento das fossas e entupimento de bueiros. Para solucionar o problema, a Secretaria de Obras do município construiu um extravasor – equipamento que drena a água da lagoa para dois córregos da região, o Portinho e o Bandeira.
Eleonora, uma moradora que preferiu não revelar o sobrenome, disse que a lagoa não enche assim há 15 anos. Ela se diz preocupada com o impacto ambiental do extravasor. “Quem garante que a lagoa não vai secar?”, questiona.
O prefeito Nelsinho Trad garantiu que a obra foi construída no local adequado e que a Lagoa Itatiaia não vai secar. “Foi feito estudo técnico para saber o impacto. Estamos trabalhando em parceria com a Secretaria do Meio Ambiente”, explica.
Edição nº 58