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Modelagem de carbono orgânico em rios urbanos: aplicabilidade para o planejamento e gestão de qualidade de água

Resumo: O objetivo do presente estudo é o de analisar a aplicabilidade de um modelo de transporte e decaimento de carbono orgânico para a simulação da qualidade da água em rios urbanos como subsídio para atividades de planejamento e gestão de recursos hídricos. A abordagem conceitual baseia-se na hipótese de que as frações particulada, dissolvida, lábil e refratária de carbono orgânico, que diferem na sua composição em função de sua origem no sistema, apresentando distintos mecanismos de degradação e, consequentemente, no impacto em termos da depleção da concentração de oxigênio dissolvido na coluna d’água. O desenvolvimento do trabalho consistiu na determinação quantitativa e qualitativa das frações de carbono orgânico no rio Iguaçu, localizado na Bacia do Alto Iguaçu, e no desenvolvimento dos algoritmos de simulação e calibração automática do modelo proposto, denominado ROCS – Model (River Organic Carbon Simulation Model). O modelo foi estruturado em planilhas Excel, com programação estruturada em VBA (Visual Basic for Applications), considerando escoamento unidimensional em condições de regime permanente em rios. O modelo considera múltiplas entradas de cargas difusas e pontuais. A calibração é feita através de um algoritmo de otimização por colônias de partículas (PSO), utilizando como estudo de caso dados de monitoramento de qualidade da água em 6 estações de controle ao longo de 107 km do rio principal, no Rio Iguaçu, localizado em uma área de intensa urbanização da região de Curitiba- PR, com aproximadamente 3 milhões de habitantes em uma área de 3.000 km2 . Os resultados indicam que a presente abordagem, considerando a simulação das frações de carbono orgânico, tem potencial para ser aplicado em modelos de gestão de recursos hídricos, como alternativas aos parâmetros de qualidade da água tradicionais previstos na legislação Brasileira.

Introdução: Para uma efetiva gestão dos recursos hídricos, em especial em rios em bacias urbanas e com intensa degradação ambiental, o uso conjunto de um plano de monitoramento quali-quantitativo e de modelos matemáticos de simulação são estratégias essenciais para o estudo e avaliação da evolução temporal e espacial da qualidade da água. Dentro deste contexto, a representatividade dos parâmetros de interesse, tanto para fins de monitoramento, modelagem e fiscalização, deve ser analisada com cautela. A concentração de oxigênio dissolvido (OD) e a demanda bioquímica de oxigênio (DBO) são os parâmetros tradicionalmente utilizados pelo gestor, cujos diferentes níveis condicionam a existência ou não de seres vivos no ambiente aquático (THOMAS; THERAULAZ, 2007; JOUANNEAU et al., 2014). A DBO está relacionada ao conteúdo de matéria orgânica biodegradável, enquanto a concentração de OD é o elemento fundamental nos processos de oxidação e estabilização da matéria orgânica, sendo produzido tanto via fotossíntese, como por processos de trocas na interface ar-água. Na questão da gestão de recursos hídricos, os atuais modelos matemáticos utilizados são baseados, principalmente, na simulação da relação OD-DBO (SHANAHAN et al., 1998), como, por exemplo, o mundialmente utilizado Qual2E (BROWN; BARNWELL JUNIOR, 1987). Contudo, a determinação da DBO é baseada em um ensaio analítico subjetivo, com limitações e de difícil interpretação. Ainda, sua determinação limita-se à fração biodegradável, não sendo possível inferir sobre a composição do material orgânico presente (COMBER; GARDNER; GUNN, 1996; JOUANNEAU et al., 2014). No ecossistema aquático, a matéria orgânica é parte essencial da cadeia alimentar e no processo de ciclagem de nutrientes. Faz parte de sua constituição uma complexa mistura de compostos orgânicos de diferentes origens, nas formas dissolvida, particulada, nos sedimentos e na biota aquática, o que lhe confere a característica de apresentar diferentes níveis de refratabilidade e, consequentemente, distintos mecanismos de transporte e degradação no ambiente aquático (MOSTOFA et al., 2013). O carbono orgânico, por sua vez, analisado nas suas formas dissolvida (DOC), particulada (POC) e total (TOC), vem sendo atualmente indicado como o parâmetro mais relevante para a determinação global da matéria orgânica em ambientes aquáticos (LEENHEER; CROUÉ, 2003; THOMAS; THERAULAZ, 2007). Sua análise foi proposta ainda na década de 70 como uma alternativa às incertezas e dificuldades nos ensaios para a determinação da DBO. Adicionalmente, a segmentação em função da fração dissolvida e da fração particulada, que diferem na sua composição em função de sua origem, permite avaliar os diferentes mecanismos de degradação e o respectivo consumo de oxigênio (KNAPIK et al., 2015). A associação com análises de espectroscopia de fluorescência e de ultravioleta visível também permitem uma análise qualitativa da matéria orgânica, com a classificação entre o que é refratário e o que é lábil no sistema (KNAPIK et al., 2014). Contudo, o carbono orgânico ainda não é contemplado como variável para a representação da matéria orgânica pela maioria dos modelos de qualidade de água (SHANAHAN et al., 1998; CHAPRA, 1999), em especial aqueles aplicados em planejamento e gestão de bacias urbanas (KNAPIK, 2014). De acordo com os autores, a composição do carbono orgânico em função de sua origem no sistema pode influenciar distintos aspectos de planejamento e gestão de recursos hídricos. A não inclusão desse parâmetro nos modelos historicamente desenvolvidos era em função da dificuldade de sua determinação analítica. Atualmente, contudo, tanto a determinação direta da concentração das frações de carbono orgânico, como do uso de técnicas complementares, como a espectroscopia de fluorescência e de ultravioleta visível, já permite a análise rápida, com menor subjetividade e incerteza (KNAPIK et al., 2014). Diferentes estudos apresentam metodologias e resultados para a caracterização e modelagem do fluxo de carbono orgânico em ecossistemas aquáticos (KARLSSON; RICHARDSON; KIFFNEY, 2005), com foco no aporte de carbono orgânico via escoamento superficial (OUYANG, 2003; EVANS; MONTEITH; COOPER, 2005), modelagem distribuída integrando processos do ciclo do carbono no solo e o balanço na água (SORRIBAS et al., 2012) e na dinâmica temporal em sistemas lacustres e/ou reservatórios (WESTPHAL; CHAPRA; SUNG, 2004; WEISSENBERGER et al., 2010) e oceanos (MOPPER et al., 1991), em ambientes com pouca ou nenhuma influência antrópica. Modelos como o Qual2K (CHAPRA; PELLETIER, 2003), CE-Qual-W2 (COLE; WELLS, 2008), Aquatox (CLOUGH, 2014) e Delft 3D (DELTARES, 2014), consideram diferentes frações de constituintes relacionados à matéria orgânica de forma complementar à simulação do balanço OD-DBO, avançando em aspectos não considerados em modelos mundialmente difundidos, como o Qual2E (BROWN; BARNWELL JUNIOR, 1987). Por exemplo, o modelo Qual2K considera a separação entre DBO de degradação lenta e rápida (assumindo que a determinação foi realizada em amostras filtradas) e matéria orgânica particulada (representada por detritos e fitoplancton) (CHAPRA; PELLETIER, 2003; KNAPIK et al., 2011). O modelo CE-Qual-W2 (COLE; WELLS, 2008) permite a simulação de carbono orgânico como sendo uma fração da matéria orgânica na água em sedimentos. Já os modelos Aquatox (CLOUGH, 2014) e Delft 3D (DELTARES, 2014) recentemente incorporaram em seus processos formulações para simular a dinâmica da matéria orgânica em ambientes aquáticos. Contudo, os modelos apresentados são complexos, com uma demanda significativa de dados de entrada e coeficientes necessários à adequada calibração, os quais em geral não são considerados em estratégias de monitoramento pelos órgãos gestores de recursos hídricos (KNAPIK, 2014). Consubstancia, neste aspecto, uma lacuna na literatura de um modelo de qualidade da água que permita avaliar condições da dinâmica da matéria orgânica em rios urbanos, que seja de fácil implementação e avaliação, e baseado em parâmetros menos subjetivos que a DBO, conforme destacado em Knapik (2014). Dentro deste contexto, o presente estudo teve como objetivo desenvolver, implementar e testar um modelo simplificado para o balanço e transporte de carbono orgânico aplicado a um estudo de caso em um rio urbano. O monitoramento e a aplicação do modelo foi realizado para um trecho do Rio Iguaçu na Bacia do Alto Iguaçu, englobando a cidade de Curitiba e Região Metropolitana. No que concerne ao monitoramento quali-quantitativo, foram consideradas 6 estações ao longo de 107 km do rio, contemplando áreas com baixa ocupação antrópica (cabeceira), intensa atividade poluidora (região central) e áreas em estágio de recuperação. Neste artigo, destacam-se a abordagem metodológica e os principais resultados da calibração e das simulações da concentração de carbono orgânico com o modelo desenvolvido, tendo como estudo de caso uma bacia urbana. Adicionalmente, uma abordagem original destacando a necessidade de uma nova visão quali-quantitativa para a gestão de recursos hídricos.

Autores: Heloise Garcia Knapik; Cristovão Vicente Scapulatempo Fernandes e Júlio César Rodrigues de Azevedo.

Leia o estudo completo: Modelagem de carbono orgânico em rios urbanos – aplicabilidade para o planejamento e gestão de qualidade de água

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