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Avaliação do desempenho de um sistema piloto de MBBR tratando esgoto doméstico

Introdução – Saneamento Básico

Entende-se por Saneamento Básico uma série de medidas de ordem preventiva e corretiva que visem a promover saúde e segurança aos cidadãos e ao meio ambiente, o que o torna um dos principais parâmetros para avaliação da qualidade de vida da população.

Numa época em que vivemos um crescente aumento populacional atrelado a um igual aumento na produção de bens de consumo, a tarefa de proteger o ambiente e o indivíduo dos resíduos gerados pelas diversas atividades humanas, torna-se complexa e necessária.

O tratamento de águas residuárias provenientes das indústrias, comércios e residências, está presente nesse contexto e tem se tornado uma preocupação constante no meio social, político e acadêmico, encontrando-se inserida nas principais agendas governamentais.

No intuito de atender as novas expectativas, as agências de saneamento básico têm buscado, através de seus planos diretores, o aumento da capacidade de recebimento e tratamento de esgoto nas Estações de Tratamento de Esgoto (ETE), entretanto, algumas situações podem vir a comprometer a sua execução.

Dentre os diversos fatores que possam contribuir negativamente, está a capacidade de crescimento das unidades de tratamento da ETE, isto é, a indisponibilidade de área física para seu aumento.

A tecnologia dos sistemas MBBR – Moving Bed Biofilm Reactors – apresenta-se como uma alternativa viável para promover o aumento da capacidade de tratamento da ETE quando não há disponibilidade de área.

Sistemas MBBR são obtidos mediante a introdução de pequenos anéis plásticos (biomídias) em tanques de aeração, assim, tais reatores além de contar com a biomassa em suspensão normalmente desenvolvida, possuem, também, um biofilme aderido aos anéis, o que lhes confere uma maior capacidade no recebimento e tratamento de cargas orgânicas e de nutrientes sem necessitar de um aumento da área construída.

O presente trabalho teve por objetivo específico acompanhar, desde a partida, um reator do tipo MBBR, avaliando seu desempenho frente à remoção de carga orgânica e de nitrogênio.

SISTEMA MBBR

A tecnologia de sistema de tratamento de esgoto do tipo MBBR foi desenvolvida na Noruega na década de 1980, através da parceria firmada entre a entre a companhia Kaldnes Miljǿteknologi AS (KMT), especialista em tratamento de efluentes doméstico e industrial, e o Instituto de Pesquisa SINTEF (Rusten et al, 2000).

Basicamente, o processo de MBBR consiste em uma tecnologia adaptada aos sistemas de lodos ativados, por meio da introdução de pequenas peças de plástico de baixa densidade e de grande área superficial (biomídias) no interior tanque de aeração, que atuaram como meio suporte para desenvolvimento do biofilme, mantidos em constante circulação e mistura seja em função da introdução de ar difuso ou devido à existência de agitadores mecanizados; não havendo a necessidade de recircular o lodo (WEF, MOP no.35, 2010; Minegatti, 2008; Rusten et al, 2000; Ødegaard et al. 1994). A Figura 1 apresenta as possíveis configurações desses tanques.

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Dessa forma, o sistema MBBR incorpora as melhores características dos processos de crescimento de biomassa em suspensão e de biomassa aderida, conferindo ao processo um aporte considerável de sólidos em suspensão, proporcionando o aumento da população de microrganismos atuantes na depuração do esgoto, permitindo assim, tratar cargas orgânicas carbonáceas e nitrogenadas mais elevadas quando comparado ao sistema de lodo ativado.

Resumidamente, podem-se destacar as seguintes vantagens (Fujii, 2011; WEF, MPO no.35, 2010):

  • Menor volume dos reatores biológicos se comparado com o sistema de lodo ativado conjugado com clarificadores para alcançar os mesmos objetivos de tratamento;
  • As taxas de aplicação de sólidos para as unidades de clarificação são significantemente reduzidas quando comparadas às de sistemas de lodo ativado;
  • Não há necessidade de operações de retrolavagem para controle da espessura de biofilme ou desentupimento do meio suporte por se tratar de reatores de mistura completa e fluxo contínuo;
  • Ao contrário do sistema de lodos ativados, não depende da etapa de separação de sólidos para manter a densidade populacional de microrganismos, uma vez que à maior parte da biomassa ativa é retida continuamente no reator;
  • Sua versatilidade permite considerar viável uma grande variedade de formas geométricas para o reator;
  • Maior capacidade para absorver cargas de choque;
  • Ocorrência de desnitrificação em zonas anaeróbias nas camadas profundas do biofilme;
  • Facilidade para oxidar cargas com altas taxas de componentes solúveis dentro do biofilme;
  • Possibilidade de trabalhar com baixa Idade do Lodo;
  • Maior eficiência da nitrificação independente da Idade do Lodo.

Um ponto a ser considerado em contraste com as inúmeras vantagens dessa tecnologia é o consumo de oxigênio. A necessidade de manter viáveis tanto a biomassa aderida quanto a em suspensão deve requerer uma maior quantidade de Oxigênio Dissolvido (OD). Além disso, a ocorrência da nitrificação bem como a energia necessária para manter em agitação a biomídia, contribui para um maior consumo de OD.

Diversos autores tem apontado para uma faixa de OD entre 2 a 5mgO2/L para que o processo não seja comprometido.

BIOMÍDIAS

Comercialmente, encontram-se disponível no mercado, biomídias com área superficial específica variando de 450 a 1200m2/m3, permitindo, quando em termos de equivalência com a concentração de sólidos em suspensão presentes no tanque, valores típicos da ordem de 1000 a 5000 mgSS/L (WEF, MPO no.35, 2010). A Figura 2 ilustra alguns modelos de biomídias e suas especificações

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O preenchimento com biomídias pode variar de 25 a 70% do volume líquido do tanque dependendo do objetivo a que se destina o tratamento; esses elementos são fabricados em polietileno e têm densidade específica entre 0,94 e 0,96 g/cm³.

Os choques entre as biomídias mantidas no interior do tanque de aeração podem causar perdas da biomassa aderida às suas faces externas, dessa forma, como parâmetro de projetos, considera-se apenas a Área Superficial Específica, que é traduzida pela razão entre a totalidade da área da biomídia e o volume por ela ocupado, considerando a devida distribuição das peças no reator (Fujii, 2011; Minegatti, 2008).

VARIÁVEIS DE CONTROLE

De acordo com Von Sperling (1997), em processos de tratamento de esgoto estão envolvidas variáveis de entrada, controle, medida e manipuladas.

Variáveis de entrada são aquelas as quais não é possível controlar diretamente, tais como vazão e características do afluente; variáveis de controle são aquelas impostas ao sistema para seu melhor desempenho, são determinadas através das informações obtidas pelas variáveis de medidas e mantidas através das variáveis manipuladas.

Entende-se que o processo MBBR possui às mesmas características operacionais de um sistema de lodos ativados acrescido, contudo, da parcela de biomassa aderida; logo, suas variáveis de controle serão muito próximas daquelas usuais ao sistema de lodos ativados. A seguir serão detalhadas algumas variáveis envolvidas no controle do MBBR: Carga Orgânica Volumétrica (COV), Carga Orgânica Superficial (COS) e Oxigênio Dissolvido(OD).

CARGA ORGÂNICA VOLUMÉTRICA (COV)

A COV corresponde à razão entre a carga orgânica aplicada ao reator biológico e o volume do mesmo, dado por kg DBO ou DQO/m3.d, sendo representada através da Equação 1:

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Minegatti (2008) lista valores de COV utilizados em alguns experimentos. Esses valores podem ser observados na Tabela 1.

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CARGA ORGÂNICA SUPERFICIAL (COS)

COS refere-se à razão entre a carga orgânica aplicada ao reator biológico e a totalidade da área superficial da em função da biomídia.  Trata-se de uma variável de grande importância para o processo MBBR, sendo expressa em gDBO ou DQO/m2.d, como apresentado na Equação 2:

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Na Tabela 2, pode-se observar valores de COS obtido em alguns experimentos (Minegatti, 2008).

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OXIGÊNIO DISSOLVIDO (OD)

A introdução de OD no interior do reator deve atender às necessidades metabólicas da população de microrganismos presentes, bem como promover a completa mistura do conteúdo do tanque.

Dessa forma, o sistema MBBR, por contar com a presença da biomassa aderida além da biomassa em suspensão, juntamente com as biomídias, naturalmente requer uma taxa de aplicação de OD superior à encontrada para os sistemas de lodos ativados.

Diversos autores apontam para a necessidade de se manter uma concentração de OD no reator entre 2 e 5mgO2/L, sem a qual, a eficiência do processo é afetada. Assim, para Rusten et al (1994), a concentração de OD é a variável mais preponderante ao sistema.

MATERIAIS E MÉTODOS

A pesquisa foi desenvolvida por meio de experimento em escala piloto, sendo  posto em operação um reator biológico com volume útil de 1m3, instalado no campo experimental de tratamento de esgoto do Centro Tecnológico de Hidráulica, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária.

O esgoto sanitário que alimentou a unidade piloto era proveniente do CRUSP – Conjunto Residencial da USP, recebendo tratamento preliminar por meio de gradeamento e desarenação, sendo em seguida encaminhado para um decantador primário.

Na Figura 3 apresenta-se o conjunto de unidades que integram o tratamento preliminar, e na Figura 4, a piloto MBBR.

Figura 3 – Principais unidades da pesquisa: (a) Estação Elevatória de Esgoto, construída no CRUSP; (b) Recebimento do Esgoto no CTH – Tratamento Preliminar; (c) Estação Elevatória de Esgoto no CTH; (d) Tanques de Equalização; (e) Decantadore Primário

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Figura 4 – Vista da piloto MBBR utilizada na pesquisa

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Para alimentação da unidade piloto MBBR, o esgoto, após passar pelas etapas do tratamento preliminar, foi descarregado em um reservatório elevado de equalização com 2000 L de volume total, composto por duas caixas de fibro-cimento de 1.000 de volume unitário (Figura 3-d). Da equalização o esgoto era transferido por gravidade para o decantador primário (Figura 3-e) sob vazão controlada de forma a manter o tempo de detenção hidráulica entre uma e duas horas, de onde era recalcado para o tanque de aeração mediante o uso de uma bomba centrífuga.

30% do volume útil do reator MBBR foi preenchido com biomídia com área superficial específica de 600m2/m3; o OD foi introduzido por meio de difusores localizados na base do tanque, sendo alimentado por uma linha de ar comprimido. Na Figura 5 é mostrada a biomídia utilizada no experimento.

Figura 5 – Biomídia

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PARÂMETROS OPERACIONAIS

Foram adotados parâmetros operacionais de forma a obter valores de COV e COS superiores aos observados nas Tabelas 1 e 2. Dessa forma, na Tabela 3 têm-se os valores empregados ao longo do experimento para o Tempo de Detenção Hidráulica (TDH) e Carga Orgânica Aplicada (COaplicada).

Tabela 3 – Valores dos Parâmetros Operacionais admitidos

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PARÂMETROS DE MONITROMENTO

A fim de avaliar a eficiência do processo MBBR no que diz respeito à remoção de matéria orgânica e de nitrificação, foram realizadas, duas vezes por semana, análise dos parâmetros Demanda Química de Oxigênio (DQO) e Nitrogênio Total Kjeldhal (NKT), referentes ao esgoto bruto (decantado) e efluente final (total e filtrado).

Para caracterizar quantitativamente a biomassa aderida à biomídia, foram realizadas determinações de sólidos em suspensão voláteis (SSV), através da extração do biofilme, seguindo a metodologia:

  • Em cada determinação, foram coletados biomídias do tanque de aeração, utilizando-se peneira;
  • O material coletado era transferido para o frasco da Figura 5-a, até completar volume de 100 mL (cerca de 8 unidades), adicionando-se, em seguida, água destilada;
  • O conteúdo dos frascos foi transferido para cápsulas de porcelana e cada elemento foi raspado em suas superfícies externa e interna com escova de uso odontológico (Figura 5-b);
  • Ao mesmo tempo da raspagem, os suportes iam sendo lavados com água destilada, recolhendo-se todo o volume produzido em um béquer (Figura 5-c);
  • Posteriormente foram realizadas as determinações das concentrações de SSV e SST.

Figura 6 – Procedimento experimental para quantificação de biomassa aderida.

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Por fim, foram realizadas medições de pH e OD diárias no tanque de aeração.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Ao longo do experimento observou-se uma grande estabilidade da piloto nos parâmetros pH e OD, não havendo grandes variações, o que permitiu uma melhor avaliação da eficiência da mesma. A Figura 6 apresenta a série histórica desses parâmetros.

Figura 6 – Série histórica dos parâmetros pH e OD

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REMOÇÃO DE MATÉRIA ORGÂNICA CARBONÁCEA

Na Figura7 é apresentada a série histórica (médias móveis de 4 termos) relativas a DQO do esgoto decantado e do efluente final da piloto MBBR (total e filtrada); os diagramas Box-Whiskers na Figura 8 ilustram a eficiência de remoção obtida.

Figura 7 – Série de resultados de DQO – Afluente, Efluente Total e Filtrado

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Figura 8 – Eficiência de Remoção de DQO

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A literatura reporta valores de remoção de matéria orgânica superiores aos obtidos com o experimento em reatores do tipo MBBR; a aplicação de parâmetros operacionais maiores que os usuais podem ter comprometido uma maior eficiência do processo.

Como se pode observar na Tabela 4, o valore médio aplicado para COV é parecido com os apresentados na Tabela 1, enquanto que para COS é maior que os usuais (Tabela 2).

Tabela 4 – Valores médios obtidos dos principais parâmetros operacionais

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REMOÇÃO DE NITROGÊNIO

A Figura 9 apresenta a série histórica (médias móveis de 4 termos) relativas ao NKT do esgoto decantado e do efluente final da piloto MBBR (total e filtrada); os diagramas Box-Whiskers na Figura 10 ilustram a eficiência de remoção obtida.

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Como se pode observar pela baixa eficiência alcançada em termos de remoção de NKT, o fenômeno de nitrificação não ocorreu de forma satisfatória no reator MBBR. A possível explicação para o fato se deve às taxas de COV e TDH aplicados ao experimento serem altas e típicas para remoção de matéria orgânica, o que deve ter dificultado a ação das bactérias nitrificantes.

Segundo a literatura, quanto maior os valores de COS aplicadas ao sistema, melhor será a eficiência do mesmo em relação à remoção de matéria orgânica, em contrapartida, tais taxas diminuíram a ocorrência de nitrificação.

Pastorelli et al (1997) apud Minegatti (2008) relata ter obtido boas taxas de nitrificação com o emprego de COS de 3,5gDQO/m2.d, enquanto que a piloto em estudo trabalhou com COS médio de 11gDQO/m2.d.

CARACTERIZAÇÃO DA BIOMASSA ADERIDA

O monitoramento quantitativo do biofilme pode ser observado nas Figuras 11 e 12. Percebe-se que durante todo o experimento o SSV manteve-se na ordem de 1g/L, valor esse tal o reportado na literatura, o que demonstra a efetividade da biomídia em oferecer aderência ao biofilme.

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Conclusão

Ao término do estudo pode- -se concluir que:

• O processo de MBBR sem reciclo de lodo secundário é viável para remoção de cargas orgânicas carbonáceas e nitrogenadas, mesmo com um baixo enchimento de biomídias

• A determinação do valor de COS empregado ao sistema é fundamental para a ocorrência ou não do processo de nitrificação e consequente remoção de nitrogênio;

• A biomídia PZE® utilizada no experimento mostrou-se eficiente no que diz respeito à área superficial e capacidade de aderência ao biofilme.

Autores:

• Fábio Campos – Biólogo e Doutorando em Ciências pela Faculdade de Saúde Pública da USP.

• Rosvaldo Catino – Engenheiro Sanitarista e professor da Faculdade de Tecnologia e Processos Ambientais no SENAI.


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Para visualizar o conteúdo programático, clique no link: https://goo.gl/iZiZjY

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